O Brasil avançou na conquista de mercados para os seus produtos agropecuários nos últimos três anos. Foram 236 mercados abertos desde 2019 até o início deste mês, o que significa a possibilidade de exportar um novo produto por país, com destaque para carnes, produtos para alimentação animal, genética animal e frutas. Mas algumas destas exportações esbarram em entraves que limitam a efetivação do comércio, segundo agentes do setor privado e analistas de comércio internacional ouvidos pelo Broadcast Agro .
Carnes foram destaque das aberturas comerciais dos últimos três anos, com conquista de 32 novos mercados
O processo de aberturas de mercado para o agro nacional foi intensificado com inúmeras missões internacionais feitas pela ex-ministra Tereza Cristina a fim de concluir protocolos fitossanitários entre o Brasil e os países interessados em receber os produtos nacionais. A pandemia de covid-19 acelerou as negociações, segundo os especialistas, pois aumentou a preocupação dos governos em assegurar a segurança alimentar de suas populações e em diversificar fornecedores, apesar de a crise sanitária ter provocado inviabilidade de visitas presenciais.
Os fluxos comerciais, contudo, não dependem somente das aberturas. “A abertura significa que houve entendimento dos governos quanto à sanidade do produto, mas os exportadores não vão conseguir vender somente pela abertura. A abertura não significa comércio imediato e, sim, a possibilidade de comércio”, explica o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Jean Marcel Fernandes.
Fernandes acrescenta que, após as discussões de sanidade, os governos envolvidos buscam trabalhar nas questões técnicas e políticas para destravar a comercialização. “Às vezes, a tarifa de importação vigente naquele país impede a entrada do produto brasileiro. Em alguns casos, pode ser questão de protecionismo por pressão do mercado local. Em outros, a questão é a competitividade dos produtos brasileiros e até mesmo a necessidade de sua promoção comercial”, explica. Segundo ele, o fato de os processos serem morosos às vezes acabam frustrando a abertura de fato do mercado, ou seja, quando um produto obtém acesso a determinado país talvez não haja mais interesse do setor naquela comercialização ou não há mais condições favoráveis de mercado para a venda do produto.
Na avaliação do coordenador do Insper Agro Global, professor Marcos Jank, a comercialização, após a abertura, encontra principalmente barreiras técnicas, tarifárias e, mais recentemente, ambientais. “O que ocorre é que abre a barreira sanitária e se encontra gatilho de preço ou cota ou tributo. No mercado agrícola, os países tendem a privilegiar seus produtores e, por isso, governos lançam mão de barreiras e têm na abertura a possibilidade de oferta adicional quando o suprimento doméstico não atende a demanda na totalidade”, aponta Jank.
Para ele, as barreiras sanitárias são as mais frequentes e também mais “rígidas” de serem levantadas e são utilizadas, muitas vezes, para dificultar o comércio, como ocorre em relação à carne bovina – alguns players permitem apenas importação de produto de região livre de aftosa sem vacinação e outros não adotam a restrição. Ele cita como técnicas exigências como sincronia de eventos transgênicos ou utilização ou não de determinados insumos na produção – caso da ractopamina (aditivo para suinocultura). Outras são de ordem burocrática, como a exigência de habilitação individual de indústrias aptas a exportar determinado produto. Há ainda um quinto grupo que envolve restrições ambientais, como a exclusão de entrada de produtos relacionados a desmatamento ou a certos biomas.
Segundo Jank, o enfrentamento destas barreiras, na ausência de harmonização regulatória internacional, se dá pelas negociações bilaterais entre os países. Ele reconhece o avanço das aberturas, embora elas não sejam, em alguns casos, concretizadas na sua plenitude. “É um movimento muito positivo, apesar de alguns mercados nem sempre serem para produtos tão relevantes ou competitivos”, pontua.
Este é o caso da exportação de lácteos brasileiros para o México. A abertura foi oficializada em dezembro do ano passado, mas a comercialização ainda não atingiu 1 tonelada em virtude de tarifas elevadas aplicadas pelo governo mexicano sobre os produtos internalizados. Conforme dados da Associação Brasileira de Laticínios – Viva Lácteos -, que representa a indústria de lácteos, o imposto de importação cobrado no México para lácteos é, em média, de 45%, o que inviabiliza a exportação de produtos brasileiros para aquele país. “Foi uma abertura importantíssima, porque o país é um grande importador de queijo, leite em pó e leite desnatado. Esta foi a primeira fase, já que não podíamos nem acessar este mercado. Agora, temos que avançar na segunda etapa, que é a retirada da alíquota ou a redução tarifária, que hoje encarece muito o produto brasileiro”, relata o diretor-executivo da Viva Lácteos, Gustavo Beduschi.
Além do México, o setor conquistou a possibilidade de exportar os lácteos brasileiros para China, Mianmar, Austrália, Egito, Argentina e Tailândia. Para a China, apesar de a exportação ser autorizada desde julho de 2019, o primeiro embarque em volume significativo foi feito somente neste ano, segundo Beduschi. “Tivemos de aprender muito sobre o comércio com a China. Entender que é um ambiente regulatório diferente, com trâmites e registros específicos e com hábitos de consumo diferentes, além de o custo de frete ser relativamente alto”, disse. Ele lembra que o Brasil não é um tradicional exportador de lácteos e que, no momento, o setor está focado em viabilizar e expandir as vendas nesses mercados recentemente abertos, antes de se concentrar em novas possibilidades de comércio. “Sempre que o ministério vê oportunidade trabalha juntamente com a abertura de outro produto, mas nossa visão é ser mais produtivo em mercados que já conquistamos” afirmou.
Esse trabalho do setor privado é fundamental para materializar o comércio, principalmente, em produtos de maior valor agregado, como os lácteos, avalia a sócia-diretora da consultoria Vallya Agro e ex-assessora especial do Ministério da Agricultura para assuntos relacionados à China, Larissa Wachholz. Entre os esforços necessários, Larissa cita a construção da imagem do segmento no novo mercado em que se insere, o desenvolvimento de marca, a adequação às demandas específicas dos consumidores locais e a busca por nichos de inserção para os produtos. “Nos lácteos, a exportação brasileira para a China ainda é tímida. O país tende a demandar importações de produtos com cálcio adicionado, fórmula infantil e leite em pó, com uma classe média crescente e uma população que agora está aprendendo a consumir estes itens. Temos que nos preparar para isso”, aponta Larissa, acrescentando que a China possui meta de ser 70% autossuficiente na produção de lácteos, o que abre espaço para importações destes produtos.
Além dos variados entraves impostos pelos governos de outros países, a baixa competitividade dos produtos brasileiros de maior valor agregado também limita a entrada dos itens nacionais no mercado externo, na visão dos especialistas em comércio internacional. Jank observa que, no caso das frutas, por exemplo, o custo com logística é tão alto que pesa sobre o valor final dos produtos e até mesmo inviabiliza as exportações para destinos mais longínquos. “Algumas aberturas podem não resultar em comércio porque o País não é competitivo naquele segmento, mas é um problema privado do País”, acrescenta. Para Larissa, a integração da cadeia agropecuária pode contribuir para a redução do custo dos produtos de maior valor agregado e torná-los mais competitivos ante as vantagens comerciais existentes entre alguns players.