Evolução dos conceitos de sustentabilidade e ESG vão da simples regulamentação ambiental ao envolvimento com inovações tecnológicas, gestão eficiente de recursos e transparência corporativa.
Nos últimos anos a dimensão da palavra sustentabilidade vem sofrendo transformação, ganhando maior importância, abarcando mais responsabilidades para as empresas, mercado e sociedade.
O processo é sustentável quando a atividade acontece sem prejuízos ao meio ambiente, suprindo as necessidades do presente, preservando os recursos naturais para as gerações futuras. Esta era a definição explorada pelas cadeias da avicultura e suinocultura onde o grande foco se limitava ao licenciamento ambiental das propriedades. A preocupação era regulatória e direcionada ao ajuste das questões ambientais. Era entendimento comum que, a partir do atendimento dos critérios ligados a reservas ambientais, distâncias de águas, estradas, rodovias, divisas, nascentes de água, córregos, lagos, rios, capacidades de alojamento e seus respectivos depósitos de resíduos orgânicos, a atividade estaria apta para operar. Superada esta etapa, a preocupação era direcionada ao correto manejo e destino dos resíduos e dejetos.
Com a evolução dos processos produtivos e o incremento tecnológico do setor, a visão econômica passou a ser incorporada, fortalecendo a origem sustentável da avicultura e suinocultura. Neste momento, o mergulho passou a ser nos custeios de produção e remunerações praticadas, assim como na gestão dos recursos investidos. Esta etapa estimulou uma grande evolução dos projetos agropecuários, relacionados ao ganho de escala para maior diluição dos esforços, como mão de obra e investimento em infraestrutura. As tecnologias também passaram a ser versadas, objetivando uma melhor eficiência com maior aproveitamento dos recursos naturais envolvidos, partindo da máxima: para ser sustentável precisa ter lucro. “Não adianta ser um processo verde, se o caixa está no vermelho”.
Paralelamente a este movimento, a demanda dos mercados estimulava as empresas para maior rastreabilidade e segurança alimentar. Além das mudanças no perfil do consumidor, mais informado passou a optar por praticidade, saudabilidade, sistemas com melhores condições de Bem-estar Animal (BEA) e respeito às individualidades humanas. Desta forma, o fortalecimento da sustentabilidade, reforçando conceitos definidos em meados da década de 80, trouxe uma mudança de foco das práticas corporativas e as questões ambientais foram ampliadas para uma percepção mais coletiva conectando aspectos ambientais, sociais e de governança das empresas, caracterizando a agenda ESG (Environmental, Social and Governance). Enquanto a sustentabilidade, tradicionalmente definida e praticada pelas empresas, se concentrava principalmente em práticas ambientais, o ESG incorpora uma visão ampliada, com abordagem mais holística e abrangente com responsabilidade corporativa.
A sustentabilidade também tem se consolidado como uma pauta relevante no ambiente da bolsa de valores. Cada vez mais investidores estão considerando os critérios de ESG ao tomar decisões de investimento. Isso significa que empresas que demonstram comprometimento com a sustentabilidade e a responsabilidade social tendem a atrair mais investidores e a se destacar no mercado financeiro. Isso impulsionou as empresas a melhorar a comunicação acerca das suas boas práticas de produção, projetos e iniciativas. Ferramentas como sites de sustentabilidade, relatórios anuais, compromissos públicos assumidos e respectivas evoluções são cada vez mais rotineiros neste cenário. Este movimento é uma forma de “prestar satisfação ao mercado”. Os relatórios anuais de sustentabilidade são formas oficiais de dar conhecimento e transparência a todas as partes envolvidas. Os clientes/consumidores esperam que as empresas comuniquem claramente suas iniciativas de sustentabilidade e eduquem os consumidores sobre a importância dessas práticas – comunicação e educação.
Além disso, os mercados de capitais ao redor do mundo têm implementado índices específicos que medem o nível de desempenho e engajamento das práticas de ESG, isso reflete a crescente importância desse tema também no cenário financeiro global. As empresas que assumem protagonismo ao implementar e incorporar estas práticas em suas operações proporcionando transparência aos envolvidos, tendem a ter uma imagem mais positiva perante os consumidores e a sociedade em geral, assegurando diferencial competitivo e possibilitando incremento de valor à marca e ao negócio.
Neste cenário a pandemia de COVID-19 teve um impacto significativo nas temáticas de sustentabilidade e ESG, algumas das principais influências foram:
a) Maior atenção para questões sociais: a crise sanitária trouxe à tona questões sociais importantes, como desigualdade, saúde e segurança dos trabalhadores, diversidade e inclusão.
b) Resiliência e gestão de riscos: a pandemia destacou a importância da resiliência e da gestão de riscos para as empresas. Questões ambientais, como mudanças climáticas, e sociais, como pandemias e desigualdades, são consideradas riscos cada vez mais relevantes para os negócios.
c) Inovação e oportunidades de negócios sustentáveis: empresas que conseguiram se adaptar rapidamente e encontrar soluções criativas para os desafios da pandemia mostraram que a sustentabilidade e o ESG podem ser fontes de vantagem competitiva.
d) Crescente demanda por transparência e responsabilidade: aumento da exigência dos investidores, consumidores e outras partes interessadas em relação à transparência e responsabilidade das empresas em relação a questões ESG.
Algumas pautas importantes de sustentabilidade dos últimos anos:
Aquecimento Global – Os fatos dos últimos anos permitem observar que o clima está em transformação. Temperaturas extremas registradas, regiões com fartura de água apresentando escassez, secas prolongadas, regiões onde enxurradas e enchentes não faziam parte da realidade local, são surpreendidas com elevados níveis de água. Os volumes de chuva dos últimos sete meses, equivalem à chuva dos últimos três anos em algumas regiões do país. Alterações de relevo, quedas de barreiras, pontes, estradas, situações reflexos de episódios climáticos extremos.
Estudos atuais nos mostram que o aquecimento global está intimamente ligado ao volume de emissões de carbono no globo e aos episódios climáticos extremos. Desde a revolução industrial, o Brasil é o 4° país em emissões totais, ficando atrás de EUA, China e Rússia. Quando classificamos as emissões, separando as de combustíveis fósseis e desmatamento, o Brasil supera todos os demais países e assume a 1° posição nas emissões originadas de desmatamento.
Diante deste cenário, a agenda de sustentabilidade demanda grande responsabilidade ambiental – há uma crescente demanda por produtos que minimizem o impacto ambiental. Isso inclui o uso de materiais recicláveis ou biodegradáveis, monitoramento da originação de insumos, práticas de produção que reduzem as emissões de carbono (descarbonização), combate ao desmatamento e o gerenciamento sustentável de recursos naturais.
Estendendo esta visão para avicultura e suinocultura além dos pontos abordados anteriormente ligados ao licenciamento ambiental das propriedades e o correto manejo dos resíduos gerados na atividade, se faz necessário, um olhar mais profundo para os insumos utilizados nas rações, como grãos, farelos e óleos presentes nas dietas das aves e suínos. Os clientes demandam maior responsabilidade nas práticas de produção, incluindo de onde vêm seus materiais, como são fabricados e quais são os impactos ambientais associados.
É fundamental o monitoramento robusto da originação dos insumos utilizados nas rações. As fazendas, lavouras e manejos (uso do solo) utilizados na produção devem atender as legalidades ambientais, preservando os diferentes biomas e desta forma incentivando o combate ao desmatamento.
A agenda de descarbonização, é algo muito presente no setor agropecuário, permitindo citar busca constante por melhor eficiência zootécnica dos animais, seja pela evolução do melhoramento genético, pela melhor tecnologia aplicada aos equipamentos e instalações, pela melhor condição de ambiência e condição sanitária que os animais se encontram, pelo domínio do manejo realizado pelos produtores, pelo nível elevado de BEA ou pela qualidade dos insumos utilizados nas dietas, todos são pontos fundamentais que atribuem maior eficiência ao processo de criação, permitindo obter melhores indicadores zootécnicos (conversão alimentar, mortalidade, etc.), maior qualidade dos produtos finais, otimizando recursos naturais e reduzindo as emissões no processo produtivo.
Nesta linha podemos citar a melhoria de alguns indicadores zootécnicos como: a evolução da inseminação em granjas de produção de leitões, onde na década de oitenta a relação era de 20 fêmeas para cada machos e atualmente através de centrais de processamento de sêmen com elevada tecnologia a proporção é de cerca de 300 fêmeas por macho. O número de leitões desmamados por fêmea ao ano, que nos últimos 8 anos permitiu um incremento de produção de aproximadamente 30%, saindo de 29 para 37 desmamados fêmea ano; e a evolução no desempenho das conversões alimentares nos processos de avicultura e suinocultura de corte.
A inovação sustentável a cada dia ganha mais a atenção dos clientes, considerando os métodos de produção mais eficientes em termos de energia, água e as devidas soluções para reduzir o desperdício. Os painéis fotovoltaicos estão muito presentes nas propriedades avícolas e suinícolas. Com um domínio tecnológico eficiente, as placas solares são excelentes contrapontos às tarifas das concessionárias de energia elétrica. Eles oferecem uma solução viável para as propriedades com elevado nível tecnológico e de automação, reduzindo custeio operacional e incrementando margem aos produtores, possibilitando mais qualidade de vida às famílias no campo. Além disso, o movimento crescente de energia solar, é uma alternativa para períodos de escassez hídrica e baixa vazão das represas, períodos de incremento das tarifas, quando as hidrelétricas precisam buscar outras formas de geração de energia elétrica que refletem também em maior emissão de carbono para atender a demanda.
Os biodigestores seguem a mesma linha, geradores de energia elétrica alimentados por biogás, originado no processo de fermentação dos dejetos da granja, produzem energia elétrica em larga escala, incrementando margem ao produtor reduzindo a dependência das concessionárias de energia. Esta tecnologia queima o metano, resultando em gás carbônico, 28 vezes menos poluente (descarbonização). Outra possibilidade é a substituição da biomassa/lenha utilizada nas fornalhas para produção de energia térmica necessária ao aquecimento das instalações, oferecendo conforto térmico aos leitões no período pós desmame ou mesmo aos pintinhos nas primeiras semanas de alojamento. Além disso, a fermentação dos dejetos que acontece dentro dos biodigestores, incrementa qualidade ao resíduo orgânico gerado a partir dos dejetos, transformando num potente fertilizante, excelente as lavouras na agricultura.
Além das preocupações ambientais, os consumidores também esperam que as empresas tenham Responsabilidade Social, isto é, que os trabalhadores sejam tratados de forma justa, garantindo condições de trabalho seguras, salários dignos e respeito aos direitos humanos.
Neste tema é válido observar a evolução da pirâmide etária do Brasil. Atualmente não é incomum nos depararmos com famílias optando por número de filhos cada vez menores ou mesmo optando por não ter filhos. Por outro lado, a expectativa de vida aumenta ano a ano. Estamos evoluindo para uma pirâmide etária aos moldes das pirâmides etárias de alguns países da Europa, isto é, uma população mais sênior.
Até 2030 o mundo terá que aumentar 50% a produção de alimentos e até 2050 terá que dobrar essa produção, é o que a Organização das Nações Unidas (ONU) alerta. O desafio é, como toda essa demanda será atendida com uma população se concentrando em direção ao ápice da pirâmide etária? Um dos caminhos para diminuirmos este desafio é investirmos de maneira consciente em condições dignas de trabalho. Abordar temas de inclusão, diversidade e igualdade, são fundamentais para uma nação com necessidade em produzir.
Ainda dentro dos temas relevantes de sustentabilidade encontramos o CONCEITO DE “SAÚDE ÚNICA”, considerando uma visão mais ampla e coletiva, reconhecendo que a saúde dos animais, seres humanos e meio ambiente estão intimamente ligadas. Este posicionamento valoriza os esforços colaborativos e multidisciplinares para o alcance do melhor a todas as esferas de saúde pública conectando-se diretamente à sustentabilidade. Para contribuir de modo a fortalecer o conceito de Saúde Única, o uso responsável de antibióticos se torna uma pauta relevante.
A união de ferramentas como programas de vacinação, instalações de granjas com estruturas e protocolos de biosseguridade e boas práticas de produção, são fundamentais para evoluir neste tema.
O layout de granjas deve oferecer boas condições de vida aos animais, alojamentos limpos e secos, ambientes que ofereçam conforto térmico, alimentos de qualidade, incluindo água e insumos das rações são importantíssimos para manutenção da saúde do plantel. Disponibilidade de espaço e convívio que permitam a manifestação dos comportamentos espécie específicos são fundamentais para que os animais atinjam o estado mental positivo. Este estado permite a manutenção de imunidades elevadas, reduzindo a necessidade de intervenções veterinárias e o uso de antibióticos.
Todas estas boas práticas quando implementadas asseguram sustentabilidade aos negócios, suportada pela eficiência dos processos produtivos, menor demanda de recursos naturais e harmonia com o meio ambiente. Estas características de qualidade, diferenciam os produtos sustentáveis e permitem acesso a novos mercados com disponibilidade e acessibilidade aos diferentes níveis de poder aquisitivo da população.
Em resumo, os clientes estão cada vez mais informados e preocupados com a sustentabilidade e esperam que os produtores adotem práticas que reflitam esses valores. Atender a essas expectativas pode não apenas melhorar a reputação de uma empresa, mas também aumentar a lealdade e a satisfação do cliente, itens fundamentais para sustentabilidade do negócio.
Fonte: Vamir Sens é médico-veterinário Formado pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Mestre em Bem-estar Animal pelo Instituto Federal Catarinense. 20 anos de experiências em produção agropecuária com mais de 10 anos dedicados à sustentabilidade na Avicultura e Suinocultura. Atualmente, Gerente – Executivo de Sustentabilidade Agropecuária da Seara Alimentos