Há pouco mais de um ano, frigoríficos de carne bovina e de aves e suínos projetavam elevar investimentos, ampliar abates, produzir mais. Movimentos de internacionalização e consolidação, que já estavam em curso, aprofundavam-se: a JBS acabava de comprar a Tasman, na Austrália, e a Smithfield Beef nos Estados Unidos, onde havia entrado em 2007 com a aquisição da Swift Foods Company. Também em 2008, a Marfrig, que já se expandia pela América do Sul, fazia sua estreia em aves, com a compra, no Brasil, de DaGranja e Pena Branca, além das operações da americana OSI no País e na Europa. A Bertin, por sua vez, também testava novas fronteiras e já tinha começado a atuar na área de lácteos com a compra da Vigor, em 2007.
Veio o fatídico 15 de setembro, o Lehman Brothers quebrou e as empresas brasileiras de carnes acusaram efeitos da crise financeira que se seguiu: a Sadia teve perdas bilionárias com derivativos cambiais exóticos e o frigorífico Independência pediu recuperação judicial, mesmo caminho de Margen, Quatro Marcos e outras tantas empresas menores de aves e suínos do País. Lá fora, a gigante americana de frango, Pilgrim’s Pride, também pediu proteção contra a falência e tornou-se presa de concorrentes em melhor situação financeira.
Afora aventuras financeiras em alguns casos, foi principalmente a queda da demanda internacional por carnes – e, consequentemente, dos preços dos produtos vendidos – que fez as empresas viverem dificuldades. Sobretudo aquelas mais dependentes do mercado internacional, que em geral representa fatias polpudas de receita e lucros para as maiores companhias da área.
Mesmo com o crédito ainda escasso, a consolidação ganhou força: a Sadia, que em 2006 fizera oferta hostil pela Perdigão, teve de ceder e foi comprada pela rival em maio deste ano, operação que resultou na Brasil Foods. A JBS arrendou unidades do Quatro Marcos, o Margen criou uma nova empresa, muito menor, ideia que o Independência também espera ver aprovada por seus credores na recuperação judicial. Marfrig e Bertin começaram a negociar uma possível fusão, mas as conversas esfriaram. Mas a Marfrig continuava com o carrinho de compras nos corredores do segmento: adquiriu o negócio de perus da múlti francesa Doux no Brasil, que enfrenta caminhos pedregosos há anos.
E não parou por aí. A Marfrig, que desde sempre aposta na diversificação de “proteínas animais”, já conversava com a Seara. Controlada pela americana Cargill, a Seara tentava aparecer com uma sobrevivente forte no cenário turbulento, mas admitiu, em abril deste ano, que a crise deixaria marcas. A razão: 70% de suas receitas eram provenientes da exportação. Outros capítulos estão sendo escritos. Nos EUA, a brasileira JBS, que até hoje só atua em bovinos e suínos, negocia com a combalida Pilgrim’s.
Especialistas do segmento de carnes não têm dúvidas de que a crise financeira global acelerou o processo de consolidação – que viria de qualquer forma, mas em outro momento, já que os frigoríficos ainda buscam agregar valor, melhorar margens e reduzir riscos relativos a questões sanitárias. E, mesmo acelerada agora, a consolidação está longe de terminar, segundo dez entre dez especialistas. “O futuro pertence a grandes grupos de proteína animal”, diz José Rezende, sócio da PricewaterhouseCoopers responsável pelo setor de agronegócios.
No caso da Seara, o que moveu a Marfrig foi a possibilidade de elevar margens com o aumento de produção de industrializados e processados, ter uma marca nacional e avançar no mercado externo. Com a Seara, a Marfrig se torna a segunda maior empresa de aves e suínos no Brasil e na exportação. A aquisição permitirá à Marfrig ampliar seu acesso a mercados como Japão, China, Rússia, Oriente Médio, Europa, África do Sul. “A Seara era o que faltava para termos uma marca nacional”, disse ontem Marcos Molina, presidente da empresa, em teleconferência com analistas de investimentos para explicar a aquisição.
A estratégia da empresa é que a marca Seara seja um guarda-chuva para outros produtos, mas as marcas regionais serão mantidas, segundo a Marfrig. O investimento também reduz o peso dos bovinos na receita da empresa, que no total realizou, com a Seara, 38 aquisições nos últimos três anos e investiu quase US$ 2 bilhões nos negócios fechados de 2007 para cá. A meta após a compra da Seara, segundo Molina, é que os industrializados respondam por 50% da receita. No segundo trimestre deste ano, o segmento de aves, suínos e industrializados representou 17% da receita líquida de R$ 2,4 bilhões.
Conforme Rezende, os movimentos de diversificação se explicam e devem prosseguir em virtude das estreitas margens de lucros em cada negócio isoladamente. Ampliado, o portfólio garante escala, sinergias logísticas, redução de custos administrativos e maior poder de barganha com os clientes. O sócio da PricewaterhouseCoopers prefere não fazer comentários sobre uma ou outra companhia, mas concorda que os grupos que mais vem avançando nessa linha são aqueles de melhor governança corporativa. Com ações negociadas em bolsa, JBS, Marfrig e Minerva destacam-se nesse quesito entre os frigoríficos originalmente de bovinos, de acordo com os analistas que acompanham o comportamento de suas ações.
Em 2008, revela Rezende, a PricewaterhouseCoopers contabilizou 640 fusões e aquisições no Brasil, 58% delas nos segmentos de açúcar e álcool, frigoríficos, laticínios e café. No primeiro semestre de 2009, os quatros segmentos representaram 66% de um total de 252 transações. “No agronegócios, temos observado consolidações e a transformação de produtores rurais em pessoas jurídicas. São movimentos que tendem a gerar muita formalização em áreas até hoje marcadas por informalidade. Isso é muito bom para o País”, afirma.