Redação (26/02/2008)- No mesmo dia em que a missão da União Européia e o chefe do Serviço Veterinário da Rússia estiveram no Ministério da Agricultura para discussão de temas relacionados à exportação de carne pelo Brasil, o presidente da ABCS, Rubens Valentini, e o diretor técnico da entidade, o médico veterinário Fabiano Coser, estiveram reunidos com a Diretora do Departamento de Fiscalização de Assuntos Pecuários – DFIP, Dra. Maria Angélica Ribeiro de Oliveira, e com o Diretor do Departamento de Saúde Animal, Dr. Jamil Gomes de Souza, para cobrar uma posição a respeito da utilização de “vacinas autógenas” contra circovirose.
A solução para a questão dos “macerados” destinados à prevenção e ao combate à circovirose vem demorando mais do que o esperado. Em decorrência dos encontros realizados em Brasília em meados de janeiro passado ficou acertado que o DFIP acataria um parecer produzido pelo Comitê Técnico do Programa Nacional de Sanidade Suídea do MAPA a respeito da segurança e eficácia desse produto biológico e tomaria uma posição oficial a respeito do assunto.
A reunião do Comitê Técnico, inicialmente marcada para o dia 19 de fevereiro e depois protelada para o dia 26 de fevereiro, está agora novamente adiada para 18 de março próximo. Diante dessa demora, a situação no campo se agrava, ao mesmo tempo em que prossegue a fabricação ilegal das “vacinas”, por empresas e profissionais irresponsáveis que colocam em risco a sanidade e a imagem da suinocultura brasileira no Brasil e no exterior. “É o mesmo tipo de comportamento “esperto” com os quais se constroem contenciosos como os da carne bovina com a União Européia”, sentenciou Rubens Valentini.
Com a Diretora e técnicos do DFIP tratou-se da necessidade urgente de solução para o problema e reafirmou-se o compromisso de o Departamento agir imediatamente após a reunião técnica do dia 18 de março. O Departamento reafirmou também que a fabricação de “macerados” é proibida e que os fiscais do DFIP estão no encalço dos fabricantes ilegais, segundo a Diretora, sejam eles maus profissionais pessoas físicas, ou empresas de qualquer porte.
Ao Diretor do Departamento de Saúde Animal do MAPA, Dr. Jamil Gomes de Souza, foi entregue correspondência – transcrita abaixo – dando conta da gravidade do problema e da necessidade urgente de uma solução. O Dr. Jamil foi muito objetivo ao reconhecer que o problema existe e que o MAPA não pode eximir-se de uma ação urgente e objetiva. Como o Programa Nacional de Sanidade Suídea se encontra sem um responsável formal, o Dr. Jamil chamou para si a responsabilidade sobre o assunto e se comprometeu a conduzir a reunião do dia 18 de março para uma conclusão, cuidando para que os Conselheiros venham para a reunião devidamente pautados sobre o tema e conscientes da necessidade inadiável de uma solução.
Para garantir que a reunião considere a realidade de campo, Dr. Jamil pediu à ABCS que indicasse dois profissionais ligados à produção para participarem do encontro do Comitê Técnico do dia 18. Hoje, a ABCS estará formalizando a indicação dos Médicos Veterinários Fabiano Coser, Diretor Técnico da entidade, e Dr. Glauber de Souza de Machado, membro do Conselho Técnico da ABCS.
Cópia da carta à
Dr. Jamil Gomes de Souza
DD Diretor
Departamento de Saúde Animal – DSA/SDA
MAPA
Nesta
Brasília, 25 de Fevereiro de 2008.
Prezado Sr. Diretor,
A circovirose suína é a principal doença infecciosa da produção de suínos que atinge os rebanhos brasileiros na atualidade. Foi diagnosticada pela primeira vez no Brasil em 2000, e a partir de então se disseminou por todo o país. A doença é provocada pelo Circovírus Suíno tipo 2 (PCV-2) e caracteriza-se por um conjunto de síndromes multisistêmicas, sendo descrita muitas vezes como Doenças Associadas ao PCV-2.
A primeira doença descrita foi a Síndrome Multisistêmica do Definhamento dos Suínos (PMWS), no Canadá em 1991, e até hoje é a doença mais grave e mais importante relacionada ao PCV-2. Caracteriza-se por caquexia, dispnéia, linfoadenopatia, diarréia, palidez e icterícia. Em 1993, no Reino Unido, foi descrita a Síndrome de Dermatite e Nefropatia Suína (PDNS), que se caracteriza pela presença de petéquias cutâneas localizadas principalmente na área perineal afetando leitões nas fases de desmame, crescimento e terminação.
O envolvimento do PCV-2 em Distúrbios Reprodutivos foi descrito no Canadá em 1999 e, posteriormente, relatos semelhantes foram realizados em Iowa (EUA), no oeste da Europa e na Coréia. As granjas acometidas apresentam taxas elevadas de abortamento, fetos mumificados e leitões natimortos. O Complexo Respiratório Suíno (PRDC) foi descrito primeiramente em 2004 e caracteriza-se por crescimento vagaroso e irregular, redução no consumo alimentar, alta conversão alimentar, tosse e pneumonia, cometendo leitões entre 16 e 20 semanas de idade. Os principais patógenos envolvidos no desenvolvimento do complexo são PRRS e Mycoplasma hyopneumoniae.
Todas essas síndromes estão presentes no Brasil, acometendo granjas em todos os Estados produtores comerciais de suínos e provocando perdas econômicas diretas relacionadas à mortalidade, refugagem, distúrbios reprodutivos e respiratórios, além de infecções secundárias que são agravadas com a entrada do vírus no sistema produtivo.
O vírus infecta as células do sistema imune como macrófagos, linfócitos e células dendríticas, provocando uma imunossupressão, com o agravamento e o reaparecimento de doenças que estavam sob controle, como diarréias por Lawsonia sp., Serpulina sp. e Brachispira sp., rinite atrófica por Bordetella bronchiseptica e Pasteurella multocida, doença de Glasser por Haemophilus parasuis, meningite por Streptococcus suis, pleuropneumonia por Actinobacilus pleuropneumoniae, além de úlceras gastro-intestinais e mortes súbitas. Ou seja, dependendo da granja e das enfermidades pré-existentes, controladas ou não, a doença pode variar quanto à sintomatologia e quanto à patogenicidade.
Trabalho publicado no XII Congresso Brasileiro de Veterinários Especialistas em Suínos, em 2005, com dados de 50 creches e 258 terminações, já citava uma freqüência da doença de 62% nas creches e 66,7% nas terminações pesquisadas, com mortalidade variando entre 2% e 10%. O mesmo trabalho fala de um aumento no custo de produção, em valores da época, da ordem de R$ 6,54 por leitão produzido e de R$ 21,00 (reais da época) por cevado terminado em granjas contaminadas com o PCV-2.
Estudos realizados nas sete principais integrações do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em granjas que somaram 255 mil matrizes suínas e mais de 2 milhões de animais, entre os anos de 2005 e 2006, comprovaram um aumento das perdas na creche, recria e terminação, por mortes e eliminação de animais, da ordem de 177% após a entrada do vírus. As mortes e a eliminação de animais doentes passaram de 3,7% para 10,27% nesse período, quando comparado com os 12 meses anteriores ao diagnóstico do vírus na granja.
Diante dos dados acima e extrapolando para o Brasil, onde o plantel de matrizes suínas comerciais é de 1,6 milhões de cabeças e os abates comerciais foram de 36 milhões de animais em 2007, o prejuízo com a doença é da ordem de 1,3 milhões de animais mortos na creche, recria e terminação, o que correspondente a uma perda financeira conservadora de 146 milhões de reais, mais cerca de 450 milhões de reais gastos em custos adicionais com medicamentos, vacinas, mão-de-obra, etc.
Além das perdas econômicas ocasionadas pelas mortes, descartes precoces, queda de produtividade e aumento dos custos com tratamentos de infecções secundárias, a circovirose suína ocasionou um aumento exacerbado no uso de antibióticos nas granjas brasileiras para tratamento de infecções secundárias, aumentando o risco do aparecimento de resíduos na carne.
A rápida disseminação da doença no território nacional pode ser explicada pela grave crise vivida pela suinocultura entre os anos de 2002 e 2004, onde tivemos um período de 18 meses onde o faturamento das granjas sequer cobria os custos de produção, o que resultou em piores condições de manejo, favorecendo a disseminação do agente da circovirose.
Premidos pela urgência de estancar os problemas zootécnicos e econômicos, e na ausência de alternativas para prevenir e curar essa doença multifatorial, os suinocultores brasileiros vinham recorrendo à vacinação com macerados de tecidos – muitos de nós conscientes da falta de cobertura legal para esses produtos.
Estamos, porém, como entidade de classe, inteiramente de acordo com a decisão do Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários (DFIP), do MAPA, de coibir a fabricação, por certo ilegal, dos tais macerados. Não desconhecemos episódios que, além de ferirem o disposto na legislação, põem em risco a segurança sanitária do rebanho suíno brasileiro.
Pedimos vênia, no entanto, para argumentar que a suinocultura brasileira conta hoje com apenas uma vacina registrada para controle da circovirose, e ainda assim, para utilização apenas em porcas. Por essa característica, o produto registrado que está disponível no mercado brasileiro atualmente só garante imunidade passiva aos leitões, isso quando mamam corretamente o colostro, e mesmo assim somente até cerca de 80-90 dias de vida. Com essa imunidade passiva, os leitões não são desafiados na creche e não desenvolvem imunidade ativa, e quando passam dos 100 dias de vida o agente da doença pode atacar implacavelmente, agravando seriamente os prejuízos.
A carência de produtos registrados para enfrentar adequadamente essa enfermidade e o prejuízo econômico provocado pela doença, que sem instrumentos adequados de combate volta a atingir níveis críticos de prejuízos nas granjas, está levando a soluções de desespero. É crescente o uso de produtos sem qualquer cobertura legal, alguns dos quais produzidos sem qualquer cuidado técnico, inclusive em regiões onde houve recente circulação do vírus da aftosa.
Essas práticas colocam em risco a sanidade dos rebanhos e ameaçam a reputação do produto brasileiro no exterior. O Ministério da Agricultura –impossibilitado de exercer efetiva fiscalização e coerção, por razões sobejamente conhecidas – arcará com as conseqüências do alastramento de tais práticas repugnadas pela ABCS. Por outro lado, ao não estabelecer normas de produção para produtos biológicos já amplamente utilizados no Brasil e no exterior, sabidamente eficientes no combate ao PCV-2, o MAPA impede os produtores conscientes de combaterem eficazmente a circovirose e, acabará responsabilizado pelas conseqüências econômicas que advirão.
Em reunião realizada no dia 22/01/2008 em Brasília, para tratar do assunto a convite da ABCS, suinocultores dos principais Estados produtores de carne suína do Brasil estiveram presentes, representados por presidentes das Associações Estaduais e Regionais de produtores dos estados mais significativos. Todos foram unânimes na descrição do problema, na urgência e importância do tema, e na decisão de encontrar uma solução para o problema em conjunto com o MAPA, que também esteve presente através de técnicos do Programa Nacional de Sanidade Suídea e do Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários.
Temos encontrado boa disposição da Direção e dos técnicos do DFIP para a discussão e busca de uma solução conjunta do assunto “vacina autógena contra circovírus”, mas temos por obrigação registrar que a celeridade de sua ação está em total desacordo com a gravidade do problema. Recorremos assim, Sr. Diretor, a sua alçada como responsável hierárquico pelo atualmente acéfalo Programa Nacional de Sanidade Suídea.
Para o encaminhamento de solução, submetemos à apreciação dessa Diretoria proposta que, esperamos, possa evoluir no sentido de regularização da fabricação da referida vacina. De forma a atender à cadeia produtiva de suínos, respeitando os mais rígidos preceitos de biosseguridade e a legislação sanitária, a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos – ABCS, elaborou a sugestão com base rigorosamente técnica, reconhecendo o fato de que a IN 31 foi elaborada anteriormente a ocorrência econômica da circovirose e ressaltando as características etiológicas do Circovírus Suíno tipo 2 (PCV-2).
A Instrução Normativa 31, de 20 de Maio de 2003, assim conceitua as “Vacinas Autógenas”:
“Vacinas monovalentes ou polivalentes, inativadas, imunogênicas, não tóxicas e inócuas, produzidas a partir de microorganismos isolados e identificados de animais sacrificados ou enfermos, em uma determinada propriedade na qual estejam ocorrendo enfermidades específicas, cultivadas em substratos especiais e utilizadas para controle ou prevenção de enfermidades na espécie alvo, especificamente na propriedade alvo ou propriedades adjacentes”. (IN 31, Anexo, Cap. I, (10) – grifo nosso)
O conceito é claro, correto e adequado à maioria dos agentes patogênicos para os quais as vacinas autógenas são produzidas mas, ao mesmo tempo, para determinados agentes, principalmente os virais, e desses, aqueles envolvidos em doenças de caráter multifatorial como o Circovírus Suíno tipo 2 (PCV-2), esse conceito não pode ser aplicado inteiramente.
Devido às características próprias do PCV-2, de difícil crescimento em células de cultivo em níveis adequados à produção de vacinas, a exigência quanto ao isolamento do agente previsto na IN 31 não pode ser aplicada. Essa limitação técnica inerente ao PCV-2 levou até mesmo os grandes laboratórios multinacionais à busca de outras metodologias que não passam pela multiplicação do agente em células de cultivo. As vacinas que se encontram em processo de registro utilizaram técnicas de engenharia genética, e por isso estão sendo analisadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, por se assemelharem a Organismos Geneticamente Modificados – OGM.
Para o agente em questão, PCV-2, não há, até o presente momento, tecnologia que permita a fabricação, em larga escala comercial, de vacina contra este agente através do método convencional de multiplicação do vírus em célula de cultivo e, assim, a presente legislação se mostra inadequada diante da questão objetiva dessa doença.
Ao mesmo tempo, é necessário e urgente que se encontre solução para o problema da circovirose em total acordo com as regras de biossegurança, preservando o status sanitário do rebanho brasileiro, bem como a imagem doméstica e internacional do nosso produto. Diante dessa realidade, a ABCS sugere para discussão e aperfeiçoamento a abordagem abaixo:
Que o MAPA, consideradas as especificidades técnicas e a gravidade da circovirose, com base no item 07 do Capítulo VII da IN 31, em caráter excepcional:
1) Autorize a produção da vacina sem o Isolamento do Agente para o caso específico do Circovírus, mas com a comprovação do diagnóstico a partir de sintomatologia clínica e solicitação formal pelo médico veterinário responsável pela granja, além da análise de tecidos com lesões macroscópicas, histopatologia, identificação do PCV2 por imuno-histoquímica e titulação do vírus.
2) Determine qual(is) deve(m) ser o(s) método(s) utilizado(s) para aferição do Título Viral e da Imunogenicidade da vacina;
3) Defina o(s) método(s) aceito(s) de verificação da Inocuidade da vacina.
4) Concorde em examinar em regime de Urgência Urgentíssima o(s) pedido(s) de solicitação de registro de “vacina autógena contra circovírus”;
5) Estabeleça, em conjunto com as entidades representativas, critérios objetivos de envolvimento e responsabilização técnica dos profissionais de saúde animal no processo de diagnóstico e tratamento da doença com a utilização das vacinas “autógenas” que vierem a ser autorizadas.
6) Firme com os interessados diretos – Laboratórios, Entidades Representativas de Produtores, CRMVs, ABRAVES, Serviços Estaduais de Defesa Sanitária – convênio(s) de “Divulgação, Treinamento e Esclarecimento da IN 31” aos veterinários de campo que, pela Norma, são os responsáveis diretos pelo diagnóstico clínico, recomendação de vacinação, colheita de material e seu envio para o laboratório. Isto servirá tanto para melhorar o entendimento e o cumprimento da IN 31 como para reafirmar o papel do médico veterinário de campo como responsável direto pela defesa sanitária do País.
Por certo, Sr. Diretor, nos colocamos à disposição, juntamente com o Conselho Técnico da ABCS e nossos associados,
Atenciosamente,
Rubens Valentini
PRESIDENTE