Redação (04/03/2008)- Em 2006, quando faturou globalmente US$ 75,2 bilhões e estabeleceu a meta de dobrar de tamanho até 2015, a americana Cargill, maior empresa de agronegócios e alimentos do mundo, sabia que teria pela frente um período de bonança capaz de motivar seus funcionários a perseguir o objetivo.
Foi em outubro de 2006 que os preços internacionais de commodities como milho, soja e trigo começaram a subir vertiginosamente, e no início de 2007 já se acreditava que tal valorização poderia representar, no longo prazo, uma consistente mudança de patamar.
Sustentado por baixos estoques globais, boa demanda por alimentos em países emergentes como a China e uso de grãos para a produção de biocombustíveis, o movimento altista se consolidou no ano passado e não há sinais concretos de perda de fôlego, apesar da turbulência nos mercados deflagrada pela crise hipotecária americana.
A conjunção resultou na valorização de commodities e produtos que guiam a trajetória da Cargill desde que a gigante familiar foi criada, em 1865. E, como era de se esperar, refletiu-se no exercício 2007 (encerrado em 31 de maio), quando as vendas aumentaram 17%, para US$ 88,3 bilhões, e o lucro líquido alcançou US$ 2,34 bilhões, 36% mais que em 2006.
Fôlego renovado, investimentos acelerados. Nos últimos sete anos, conforme revelou em janeiro o principal executivo (CEO) da empresa, Greg Page, os aportes totais somaram US$ 18 bilhões, e para a duplicação de tamanho até 2015 o "board" do grupo, em Minneapolis, ampliou a aposta em "soluções" para indústrias de alimentos em boa parte dos 66 países onde a múlti está presente. É como se o bom funcionamento do "hardware" (commodities e, mais recentemente, biocombustíveis) sustentasse o desenvolvimento de novos "softwares" (produtos e soluções de maior valor agregado).
Os anúncios de projetos e investimentos do grupo comprovam a complementaridade. Em 2007, por exemplo, logo após anunciar a expansão de uma usina de etanol em Iowa, no cinturão de milho americano, a Cargill levou a uma feira em Chicago seu "frozen" iogurte de baixa caloria e ingredientes para a indústria de laticínios.
Poucas iniciativas traduzem tão bem a estratégia do grupo para crescer em alimentos e se firmar como líder em soluções para o setor. Não haverá barras de chocolate Cargill nos supermercados, mas a companhia espera elevar o fornecimento de produtos por ela fabricados, "sob medida", para as empresas que brigam no varejo.
Depois de um difícil 2006 no Brasil, quando sua receita líquida caiu para R$ 12,1 bilhões, R$ 1 bilhão a menos que em 2005, e houve prejuízo líquido de quase R$ 220 milhões, os resultados de 2007 voltaram a alimentar expansões e especializações em busca de valor agregado e margens melhores.
O balanço dos resultados da empresa no país em 2007 não está fechado, mas o diretor presidente do braço brasileiro da gigante, Sérgio Rial, não deixa dúvidas de que a recuperação foi expressiva. "Foi o melhor dos últimos cinco anos", afirmou ao Valor, "ainda que tenha sido desafiador do ponto de vista da rentabilidade". Sim, porque se as commodities sobem, o mesmo acontece com os custos dos produtos que delas derivam.
Se os preços das commodities continuarem em alta, como tudo indica, e o desafio da rentabilidade continuar sendo vencido, como ocorreu em 2007, a tendência, conforme Rial, é que a operação brasileira veja os negócios com alimentos ganharem peso, em linha com o direcionamento global.
A frente representa, hoje, 30% do faturamento da subsidiária. Nela estão produtos prontos para consumo (molhos, maioneses, óleos) carnes de frango e suína (produzidas pela Seara), ingredientes (farinhas, xaropes, amidos, acidulantes e texturizantes, além das soluções) e a área de cacau.
A divisão de agronegócios, que envolve as exportações de soja em grão e a produção de farelo e óleo, destinada a embarques e ao mercado doméstico – além do segmento de nutrição animal (marca Purina) -, ainda é o carro-chefe, no Brasil e no mundo. Há dois anos, a empresa originou, processou e comercializou 20,5 milhões de toneladas de produtos no país, 83% das quais para exportação.
Em 2006, mesmo com prejuízo, a Cargill foi a sexta maior empresa exportadora do Brasil, com embarques de US$ 1,606 bilhão. Somando-se os embarques de carnes de sua controlada Seara (US$ 495,9 milhões), as vendas as exterior atingiram US$ 2,102 bilhões. No agronegócio, perdeu só para a rival Bunge, que obteve US$ 2,267 bilhões. Em 2007, a Cargill exportou US$ 1,759 bilhão e a Seara, US$ 760,7 milhões. O total de US$ 2,52 bilhões foi mais uma vez inferior, entre as agroindústrias, apenas ao da Bunge (US$ 3,055 bilhões).
Analistas ressalvam que é difícil prever até que ponto uma eventual freada mais forte da economia dos EUA atrapalhará os planos da Cargill em seu próprio berço – onde o "boom" do etanol também já arrefeceu – e ao redor do globo. Anunciados antes do aprofundamento da crise hipotecária americana, os resultados da primeira metade do exercício 2008 do conglomerado sinalizam, porém, que a saúde está forte para encarar turbulências .
No segundo trimestre do ano fiscal, encerrado em 30 de novembro, o lucro líquido global da companhia subiu 44% em relação a igual período de 2007 e alcançou US$ 662 milhões. Nos primeiros seis meses, o lucro acumulado foi de US$ 1,87 bilhão, 61% maior. Em todo o ano de 2006, quando os preços das commodities patinavam, o lucro líquido global da múlti chegou a US$ 1,73 bilhão.
Cargill acelera o passo para dobrar de tamanho
Os anúncios de projetos e investimentos do grupo comprovam o interesse da empresa no crescimento.