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Chorume suíno

Confira artigo de Xico Graziano, agrônomo e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Redação (30/01/2008)- A suinocultura nacional enfrenta um grande desafio: livrar-se dos fétidos dejetos animais. Um suíno polui o equivalente a 25 humanos. Qualidade da carne não se coaduna com sujeira ambiental.

O suíno é um animal monogástrico, incapaz de digerir tudo o que come. O processo digestivo dos suínos é imperfeito. Aproximadamente 30% dos alimentos ingeridos na ração saem nos dejetos (fezes e urina). Alguns nutrientes chegam a 90% de perda. A água utilizada no manejo e limpeza das pocilgas avoluma o chorume. Uma granja de tamanho médio, com 300 matrizes, ciclo completo, equivale à poluição de uma cidade de 75 mil habitantes. Absurdo.

Entre as principais substâncias poluentes estão nitrogênio e fósforo. Mais perigoso é o nitrogênio, que se transforma em nitrato e facilmente se movimenta no solo, atingindo o lençol freático. Também polui o ambiente na forma de amônia, ou de óxido nitroso, que afeta a camada de ozônio.

O problema, mundial, surge devido à elevada concentração de animais numa mesma área. Os produtores de suínos da União Européia apresentam grave situação. A Holanda, o principal deles, com rebanho de 16 milhões de cabeças, concentra 301 suínos por quilômetro quadrado. Suas águas interiores escondem perigoso nível de nitratos.

No Brasil, o rebanho suíno alcança 35 milhões de cabeças. A concentração territorial é baixa (4,1 suínos/km2), mas a média esconde a verdade. Ocorre que metade da suinocultura nacional se concentra no Sul. Santa Catarina, o maior produtor, apresenta 5,5 milhões de cabeças, com média de 55 suínos/km2. Municípios como Concórdia atingem 287 suínos/km2. Certas microrregiões ultrapassam 600 suínos/km2. Solos e rios se encontram em perigo.

No oeste catarinense, a situação ficou tão grave que a suinocultura quase acabou paralisada. Situação semelhante enfrentam os produtores localizados no sudoeste e oeste do Paraná, no Vale do Piranga, em Minas Gerais, e no noroeste do Rio Grande do Sul. Em São Paulo, na região bragantina mora o apuro.

Nesses locais, a elevada aglomeração de pequenas granjas suínas causa os danos ambientais. A suinocultura paulista, entretanto, difere um pouco do padrão. Ao contrário da sulina, ela se compõe também de produtores independentes, poucos e grandes, não vinculados aos grandes frigoríficos. O Estado produz 300 mil toneladas/ano de carne suína, apenas metade do seu consumo.

Fazer o quê? Simples: assumir a tarefa e arregaçar as mangas. Assim decidiram, recentemente, os suinocultores paulistas. Reunidos na Câmara Setorial, procuraram o governo para definir, juntamente com seus técnicos, uma agenda ambiental. Lição de casa, rumo ao licenciamento da atividade. Ajudam o processo, claro, a atuação da Cetesb e a vigilância do Ministério Público.

Do ponto de vista técnico, existem soluções conhecidas. A começar das lagoas de decantação, método utilizado no tratamento de esgotos domésticos, que combina decantador com lagoas anaeróbicas. Sistemas implantados permitem, inclusive, o reúso da água na granja suína e, até, a piscicultura associada. Interessante.

Na biofertilização, o limão vira limonada, melhor dizendo, o chorume se transforma em adubo. Após prévio tratamento, forma-se uma calda rica em nutrientes, especial para uso em pastagens, na citricultura e na lavoura canavieira. Instalando um biodigestor, a fermentação dos dejetos libera gás e biofertilizante. Vale dinheiro no Protocolo de Kyoto, mostrando como um problema pode transformar-se em solução. Basta acreditar no conhecimento.

Do porco ao suíno. A suinocultura brasileira luta para vencer o preconceito contra sua carne. Desde a época em que se alimentava com restos de comida o chiqueiro do quintal, as famílias urbanas criaram uma barreira de consumo. A banha de porco, utilizada para cozinhar até que surgiu o óleo vegetal, nos anos 1950, pegou fama de mau colesterol. Interessa à indústria engrossar o preconceito. Médicos entraram nessa onda.

O grande temor da carne de porco nasce, historicamente, da cisticercose. Fuçando em meio à sujeira, o animal acabava ingerindo fezes humanas, contaminadas com parasita. Os ovos da lombriga (Taenia solium), em condições excepcionais, podem migrar para a carne do porco e, ingeridas por humanos, se encravar nos músculos e, inclusive, no cérebro. Ao eclodirem causam demência e morte. É raríssimo, mas terrível.

Hoje, nas modernas granjas de criação e com o desenvolvimento genético das raças, tudo isso restou passado. O sujo e gorduroso porco ficou branquinho e light. A camada média de toucinho no dorso se reduziu de 6 centímetros para 1 centímetro. O balde de lavagem, com restos de comida, cedeu lugar às rações balanceadas.

Ninguém imagina, mas a carne mais consumida no mundo é a suína (42%), seguida da de frango (33%) e da bovina (24%). Os produtores nacionais colaboram com a comilança mundial, exportando US$ 1 bilhão. Aqui dentro, porém, o consumo per capita é baixo, 12,8 kg/habitante, menor que o do Paraguai (30 kg/habitante) e o da Europa (45 kg/habitante). Anote-se que 34% da população mundial não consome carne de suíno por motivos religiosos. Bem, essa é outra história.

O marketing da carne suína, que luta para vencer o preconceito da qualidade, agora enfrenta o desafio ambiental. Tem tudo para vencer. Basta encarar, não fugir do problema. Os brasileiros torcem para tudo dar certo. Afinal, ninguém gostaria de abrir mão de um torresmo com cerveja ou da deliciosa feijoada. De porco ecológico.