Redação (16/06/2008)- Campanhas educativas não fazem você esquecer que é preciso diminuir o consumo de combustível, economizar água e desligar a luz; porém nunca ninguém exigiu um pagamento pelos excessos de consumo destes bens, certo? Pensar que ações ambientalmente corretas são atitudes meramente voluntárias está com os dias contados com os primeiros indícios de um mercado de carbono para cidadãos.
Dois países vizinhos, Reino Unido e Irlanda, lançam propostas para dividir a responsabilidade pela redução de gases do efeito estufa (GEE) com seus habitantes. O Reino Unido inicia nesta semana um sistema experimental no estilo ‘cap-and-trade’ (captura e comércio) para pessoas físicas, já a Fundação para Sustentabilidade Econômica (Foundation for the Economics of Sustainability – Feasta) sediada em Dublin, na Irlanda, propõe um sistema de comércio de carbono que limitaria o consumo de combustíveis fósseis, o ‘cap-and-share’ (captura e compartilhamento).
Reino Unido
A partir desta semana, mais de mil voluntários britânicos irão ganhar uma permissão mensal de créditos de carbono que serão usados para poder consumir energia, através da compra de combustível para abastecer os veículos ou gás para aquecer as residências.
Cada um receberá um total de créditos correspondente a cinco toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, o que representa cerca de metade do total de emissões de um cidadão médio do Reino Unido. O valor ilustra o tipo de redução de emissões que o governo defende que cada cidadão precise fazer nas próximas décadas para prevenir “mudanças climáticas perigosas”.
Para se ter uma idéia, a média de emissões de CO2 por habitante na cidade de São Paulo é de 1,47 toneladas de CO2, segundo o Inventário de Emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) do município, referentes ao ano de 2003.
Voluntários que forem econômicos com os créditos poderão vendê-los, usando uma moeda virtual, àqueles que precisarem mais do que as permissões que receberam. Os participantes irão utilizar cartões de fidelidade, chamados Nectar, para fazer as compras e registrar eletronicamente o quanto de CO2 estarão emitindo na atmosfera a partir do que estão adquirindo.
“A idéia é muito boa. Exemplos de mercado são melhores, mais eficazes e eficientes que impostos (para lidar com o controle de emissões individuais)”, avalia o superintendente para vendas de créditos de carbono do ABN Real, Maurik Jehee. Segundo ele, o mercado dá um resultado direto, além de um sistema como este ter fácil entendimento e ser acessível a toda a população.
Apesar disso, Jehee ressalta que este é um primeiro ensaio que ajudará a encontrar respostas para questões como fiscalização e fraudes. “Como o sistema é voluntário, nada garante que uma pessoa canse de pagar e diga: ‘já chega, agora é a vez de um outro pagar’”, exemplifica.
Ele cita ainda a falta de garantias de que o cidadão apresente o cartão de fidelidade na hora de comprar o combustível. “Uma solução seria só autorizar a venda inserindo o cartão na bomba, ou o apresentando ao posto, por exemplo”, diz.
O teste foi inventado pela Sociedade Real para o encorajamento de Artes, Manufaturas e Comércio (Royal Society for the encouragement of Arts, Manufactures and Commerce – RSA) e tem como objetivo mostrar aos legisladores que o comércio de carbono para indivíduos é logisticamente e financeiramente viável com os sistemas tecnológicos atuais, usados pelo comércio e prestadoras de serviços.
Segundo o jornal Guardian Unlimited, a RSA acredita que os cartões de fidelidade com premiações – os quais são detidos pela metade da população do Reino Unido – são o modo mais rápido e eficiente de gravar e monitorar as emissões de carbono individuais nos pontos de venda.
Irlanda
O sistema ‘cap-and-share’, algo como captura e compartilhamento, criado Fundação para Sustentabilidade Econômica (Foundation for the Economics of Sustainability – Feasta) sediada em Dublin, na Irlanda, tem como objetivo atacar tanto o problema das mudanças climáticas quanto das altas no petróleo.
No ‘cap-and-share’, todos os consumidores receberiam de forma gratuita e igualitária permissões para cobrir o uso de combustíveis fósseis, porém em um número reduzido.
Estas permissões funcionariam como cupons de desconto e seriam entregues aos fornecedores de combustíveis que, por sua vez, seriam obrigados a adquirir permissões para cobrir as emissões associadas a todo o combustível vendido por elas.
Para compensar os custos de adquirir estas permissões, o preço do combustível subiria ainda mais, porém os consumidores já teriam sido compensados pela alta ao vender as permissões. Até aí, a situação parece não mudar muito, pois no final das contas o consumo seria praticamente igual ao atual.
Mero engano, uma vez que a cota de permissões distribuídas seria reduzida ao longo do tempo, forçando os consumidores a diminuir o consumo ou assumir o pagamento dos altos preços quando acabassem suas permissões.
A Feasta esclareceu a abordagem em uma publicação chamada: " Uma maneira justa de reduzir as emissões de gases do efeito estufa”. A proposta tem como alvo uma grande fatia da economia européia que não está inserida no esquema de comércio de emissões do bloco, o setor de transportes rodoviários.
O co-autor do relatório, Richard Douthwaite, alega que este sistema é necessário urgentemente devido ao contexto atual dos preços do petróleo. Segundo ele, o esquema poderia não apenas reduzir as emissões, mas possibilitaria a redistribuição dos altos lucros das empresas petrolíferas para os consumidores que sofrem com a alta nos preços da energia.
“As pessoas mais pobres seriam muito beneficiadas no ”cap-and-share”, enquanto que os mais ricos iriam perder dinheiro porque usam mais combustível fóssil, direta ou indiretamente, que os pobres. Os ricos terão que pagar aos pobres, através do sistema, pelo direito de usar mais combustível”, explicou a CarbonoBrasil o co-autor do relatório, Richard Douthwaite
O relatório argumenta que o sistema poderia ser implementado a nível nacional, regional ou global. A consultoria britânica AEA também publicou um relatório (clique aqui para acessá-lo) examinando a viabilidade da utilização do ”cap-and-share” a nível nacional. O relatório conclui que o modelo da Feasta e uma proposta norte-americana similar, chamada Sky Trust, são atualmente as melhores opções para um sistema individual de negociação do carbono.
Cap-and-share em países em desenvolvimento
Douthwaite diz que a Feasta irá lançar no próximo mês um relatório mostrando como os pobres seriam afetados se o ”cap-and-Share” fosse utilizado internacionalmente. “Queremos usá-lo como modelo para outros no Brasil, Índia, China e Rússia, uma vez que a atitude destes países será crucial para qualquer acordo climático”, afirmou.
Maurik Jehee concorda com Douthwaite sobre os benefícios de tais mecanismos como forma de distribuição de renda, classificando-os como “fantásticos” para este fim. “Os mais ricos vão pagar mais e os mais pobres poderão vender”, diz.
Na opinião dele, seria possível colocar um sistema como este em funcionamento no Brasil. “Não é tão complicado assim uma cidade como São Paulo dar um cartão para cada habitante, como já faz o governo com o Bolsa Família. Se for feito um balanço dos prós e contras, você vê que vale a pena”, afirma.
Críticas
Em maio, o ministro do meio ambiente do Reino Unido publicou um estudo que examina a viabilidade de estabelecer um esquema de comércio de carbono individual para ajudar a reduzir as emissões do país. O relatório concluiu que, apesar de “continuar interessante na concepção”, tal sistema não seria seguido e estaria “a frente dos tempos”.
O Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais do país (Defra) cita os valores como o principal entrave: “Os custos iniciais seriam entre 700 milhões de libras e 2 bilhões (US$ 1,38 bilhão a US$ 3,9 bilhões) por ano”. A RSA espera mostrar que, usando cartões de fidelidade ao invés de um sistema novo e unicamente para esta função, estes números seriam cortados radicalmente.
Segundo o diretor dos testes da RSA, Matt Prescott a intenção agora é provar que os cálculos em tempo real do carbono podem ser alcançados com a infra-estrutura tecnológica existente no Reino Unido. “Nós queremos mostrar que, enquanto existe um mandato para o comércio de carbono individual – que pode levar quatro ou cinco anos ou até mais – nós estaríamos pronto como país para começar imediatamente. A Grã-Bretanha pode se sentir muito orgulhosa por isto, uma vez que foi aqui que a idéia nasceu”, disse.
Segundo Prescott, países como Suécia e Estados Unidos já procuraram a RSA para discutir a participação de algumas empresas domésticas de energia em um sistema como este.