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Insumos

Ferrugem da soja resiste mais aos fungicidas

Clima favorece a maior disseminação do fungo, que resiste mais aos fungicidas.

Quase dez anos após o surgimento dos primeiros focos no Brasil, a ferrugem asiática da soja está incorporada à rotina dos produtores, que já dominam tecnologias e manejo de controle da doença. Entretanto, na safra 2008/2009, encerrada em abril no Centro-Sul, um fato novo chamou a atenção de pesquisadores e da indústria de defensivos: algumas populações do fungo Phakopsora pachyr hizi, causador da ferrugem, estão menos sensíveis a fungicidas do grupo químico triazol, o mais usado contra a doença.

“Os triazóis, sozinhos, eram muito bons, até como ?curativos?. Hoje não têm tanta eficiência”, disse a pesquisadora Cláudia Godoy, da Embrapa Soja, durante o Congresso Brasileiro da Soja e Mercosoja 2009, que terminou na sexta-feira, em Goiânia (GO).

A alternativa para manter a eficiência do controle químico, ainda a principal ferramenta contra a doença, é a aplicação do triazol combinado com um produto de outro grupo químico, a estrobilurina. A pesquisadora explicou que, como o triazol é uma opção barata para o produtor – enquanto os produtos à base de misturas podem custar o dobro -, houve uso indiscriminado. “Quando se usa muito um determinado grupo, é comum ocorrer uma seleção natural de fungos menos sensíveis, ou seja, eles vão ficando mais resistentes. Por isso também é recomendada a rotação de princípios ativos, uma boa estratégia para evitar problema de resistência.”

RECOMENDAÇÃO

Para algumas regiões, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, importantes produtoras do grão, a Embrapa orienta, desde a última safra, predominantemente, o uso das misturas dos dois grupos. “Um grupo atua na inibição da síntese ergosterol (que forma a parede do fungo) e outro na respiração do fungo. Com os dois grupos juntos, o fungo precisaria mutar em dois pontos diferentes para criar resistência ao fungicida”, explica.

Em Mato Grosso, a eficiência dos fungicidas à base de triazol caiu da faixa de 80% a 90% para 40% a 50%, confirma o pesquisador Fabiano Siqueri, da Fundação MT. “O manejo com triazóis vinha bem até a safra 2007/2008. Nesta safra (2008/2009) percebemos, com dados de experimentos, a queda da eficácia, considerando o mesmo número de aplicações e a mesma quantidade de produto”, diz. “A partir daí, os triazóis (há muitos produtos e genéricos no mercado) ficaram nivelados por baixo e passamos a recomendar a mistura.”

A boa notícia é que o clima nas duas últimas safras colaborou e a ferrugem chegou mais tarde, e de maneira esparsa, às plantações. “Este ano, por exemplo, tivemos seca em janeiro, o que dificultou a disseminação e multiplicação do fungo”, comenta Siqueri. “Mas se fosse um ano de clima estável, poderíamos ter alta incidência da doença no Estado.”

As pesquisas também mostram outro fator animador. “Com o vazio sanitário, obrigatório em todas as regiões produtoras, percebemos que as populações menos sensíveis ao triazol não predominaram. Isso mostra que, por enquanto, elas não estão tão adaptadas”, diz Cláudia.

Ataque intenso dificulta controle só com triazol

Na Bahia a ferrugem causou estragos nesta safra. “A doença surgiu na fase vegetativa, quando o mais comum era mais tarde, a partir do florescimento”, diz a pesquisadora Mônica Martins, da Fundação Bahia. Segundo ela, ainda não dá para calcular as perdas, porque algumas regiões estão finalizando a colheita. “Mas posso afirmar que houve queda na produtividade e a maioria dos produtores teve de aplicar mais fungicidas.” No ano passado, a média foi de duas aplicações. Para esta safra, a Fundação Bahia estima fechar entre 3,5 e 4 aplicações.

Conforme levantamento da Conab, divulgado na segunda-feira, a queda de produtividade na Bahia deve ser superior a 11%, de 3,1 toneladas/hectare na safra passada para 2,7 toneladas nesta safra. Por isso, apesar do aumento de 2,8% na área plantada, a produção no Estado será 8,6% menor.

PRESSÃO MAIOR

A pesquisadora explica que a chuva intensa – que persistiu durante toda a safra – aumentou a pressão e antecipou a entrada da doença nas lavouras. Mas o pior problema foi que muitos produtores “esqueceram o passado e subestimaram a agressividade do fungo”.

“Nas duas últimas safras o controle da ferrugem foi tranquilo e o produtor se acostumou com a baixa pressão e todas as ferramentas funcionando bem. Este ano, com o surgimento precoce, muitos produtores atrasaram a primeira aplicação de fungicida e perderam o controle”, explicou.

Aliado a tudo isso, houve ainda a perda de sensibilidade da ferrugem a alguns produtos do grupo triazol, que não apresentaram a mesma eficiência de outras safras também na Bahia. “Nos ensaios que fizemos este ano, vimos que nas áreas tratadas só com triazol o controle foi menos eficaz do que onde aplicamos as misturas”, diz a pesquisadora, lembrando que com pressão menor da doença, todos os produtos funcionavam bem.

O agrônomo Jorge Damião, da Fazenda Lodi, em Barreiras (BA), conta que a estratégia na fazenda é fazer três aplicações de fungicidas, duas com misturas e a última só com triazol. “Nos anos anteriores funcionou bem. Mas, este ano, a aplicação de triazol sozinho no fim da safra não resolveu. Daí reduzi o intervalo e fiz mais uma aplicação”, conta. Mesmo assim, houve queda na produtividade, de 65 sacas para 57 sacas/hectare. “Estamos revendo a estratégia para a próxima safra. Com certeza vamos programar só aplicações de misturas.”

BOMBEIRO

A indústria de defensivos diz que não há preocupação com a possível resistência do fungo da ferrugem aos atuais fungicidas. “Enfatizamos, porém, que o defensivo não deve ser usado como ?bombeiro?, e sim como prevenção”, diz o gerente técnico da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), Marcos Caleiro. “Contra a ferrugem, sempre recomendamos, assim como a Embrapa, o uso das misturas, triazol e estrobirulina.” Para Caleiro, a ferrugem dividiu os sojicultores em duas categorias: os mais e os menos tecnificados. “Mas é preciso lembrar que se exagerar num produto pode dificultar o controle”, admite.

De qualquer forma, o produtor precisa estar sempre alerta e monitorando a lavoura. Segundo a pesquisadora da Embrapa Cláudia Godoy não há expectativa de eliminar a doença. “Temos de conviver com ela da melhor forma. O caminho é adicionar estratégias, como as variedades resistentes, ao que já existe hoje. Nenhuma ferramenta, sozinha, resolve.”