A credibilidade da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi erodida um pouco mais ontem com a falta de resultados de sua conferência de ministros, que não conseguiu sequer definir claramente uma nova reunião. A boa notícia veio em paralelo, com ministros de 21 países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, Índia, Coreia do Sul e Egito, aprovando as bases de um acordo Sul-Sul para cortar em 20% tarifas de produtos agrícolas e industriais entre eles.
Mais de cem ministros que foram a Genebra insistiram que a Rodada Doha precisa ser acelerada, mas a resistência dos Estados Unidos persistiu. O máximo que os americanos admitiram foi uma “avaliação do estado geral da negociação de Doha” até março de 2010. Mas não houve decisão sobre se será entre ministros ou altos funcionários, o que muda sua dimensão. Washington não leva fé na iniciativa, achando que o caminho é barganha bilateral, por onde quer arrancar mais acesso para seus exportadores sem pagar contrapartida.
Em meio à frustração, lassidão e decepção, os ministros não conseguiram sequer repetir o que a OMC normalmente faz: marcar nova reunião. Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, acha que agora o prazo para saber se Doha pode fechar em 2010 é no fim de março. A questão será decidir congelar ou não Doha por algum tempo, para evitar maior perda de credibilidade. Pascal Lamy, porém, acha que há “progressos” e que 80% do pacote agrícola, industrial e de serviços está praticamente acertado.
Ron Kirk, o principal negociador dos EUA, se diz “mais pragmático”. Repetiu as cobranças para Brasil, China, Índia e outros grandes emergentes fazerem concessões adicionais, insinuando que a resistência desses países estaria impedindo as nações pobres de se beneficiarem dos ganhos da rodada. Os EUA, por outro lado, não ofereceram nada.
Kirk voltou a atacar Amorim sem mencioná-lo. O ministro dissera que 152 dos 153 países da OMC apoiavam a conclusão rápida de Doha, só um não. “Não é verdade”, retrucou ontem Kirk, citando justamente um parceiro brasileiro, a África do Sul, que não tem pressa para liberalizar. O americano rasgou elogios ao ministro indiano Anand Sharma, que por sua vez considerou “construtivas” as reuniões com o americano.
Doha ainda tem saltos de respiros em razão do esforço de Pascal Lamy. Mas ele foi obrigado a ver resultado concreto de negociação fora da OMC, liderada pelo Brasil e Argentina no âmbito da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). A dimensão é menor do que uma Doha concluída, mas não é desprezível.
Ministros de 21 países deram o sinal verde para cortar 20% das tarifas em 70% do comércio na negociação Sul-Sul, com data para ser concluída em setembro de 2010. Os participantes respondem por 13% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial (cerca de US$ 8 trilhões) e 15% do comércio internacional e têm um mercado conjunto de 2,6 bilhões de pessoas (38% da população mundial). Fazem 43% da produção agrícola mundial (US$ 780 bilhões) e 16% da produção industrial (US$ 2,8 trilhões), segundo dados divulgados pelo Brasil.
Os participantes do acordo foram o destino de 21% das exportações brasileiras – mais de US$ 30 bilhões de dezembro de 2008 a novembro de 2009, segundo o Itamaraty. Mas o impacto para o país anda precisará ser definido porque com alguns países, como os do Mercosul, a tarifa já é zero.
Ministros do Brasil, Argentina, Índia, Irã, Paraguai e Egito participaram de entrevista à imprensa, com idêntica mensagem: as nações em desenvolvimento, em meio à crise global, tomam a iniciativa para ampliar o comércio, mostrando que dá para ir além dos fiascos de Doha.
O Irã confirmou que continuará na negociação, depois de obter tratamento especial para cortar menos as tarifas. Já o México, de novo, não apareceu na reunião. O Chile continua hesitando em participar. A Tailândia tem problemas políticos, um ou dois asiáticos também são prudentes, mas todos continuarão acompanhando a negociação para decidir mais tarde se assinam o acordo. Oficialmente, participam o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), Argélia, Chile, Cuba, Índia, Irã, Indonésia, Malásia, México, Marrocos, Nigéria, Paquistão, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Sri Lanka, Tailândia, Vietnã e Zimbábue.
Para o diretor-geral da Unctad, Supachai Panitchpakdi, o aumento de comércio pode ser de US$ 8 bilhões por ano com a redução de 20% nas tarifas aplicadas – o que é bem mais do que o corte em negociação na Rodada Doha. A expectativa de participantes como o Brasil é de que a liberalização possa ser maior, com negociações na base de ofertas e demandas no ano que vem. Dois anos depois, os países verão como ampliar a liberalização recíproca.
Outra negociação mais ou menos fechada é entre a União Europeia e países da América Latina produtores de banana. Mas com o cuidado sobre Doha: a tarifa na Europa cairá gradualmente de € 176 atualmente para € 114 até 2017 se Doha for bem sucedida até lá. Do contrário, a redução tarifária só será completada em 2019.