O empenho de alguns países em obter a autossuficiência como resposta à crise alimentar de 2008 fracassará, alertou um executivo graduado da Cargill, acrescentando que a noção de que países “possam ser autossuficientes em cada tipo de gênero alimentício é absurda”.
O alerta emitido pela maior trader de commodities agrícolas do mundo ocorreu às vésperas da Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar da ONU, em Roma, a primeira desde 2002. O encontro de cúpula foi provocado pela forte alta no preço dos gêneros básicos, como arroz e trigo, que no ano passado atingiram picos recordes, desencadeando distúrbios por alimentos do Bangladesh ao Haiti.
Países na Ásia, na África e no Oriente Médio partiram para a autossuficiência em resposta à crise, seja pelo estímulo à produção agrícola nos seus países, através de subsídios e tarifas de importação, ou por meio da aquisição de terras cultiváveis no exterior. As chamadas “apropriações de terras agrícolas” ganharam notoriedade depois de uma tentativa da Daewoo Logistics, da Coreia do Sul, de obter um enorme lote de terra agrícola em Madagascar, que contribuiu para o colapso do governo do país africano.
Paul Conway, vice-presidente sênior da Cargill, disse: “A promoção de um sistema de comércio livre e aberto, segundo o qual os países possam produzir aquilo em que forem mais capazes (…) e excedentes que possam ser transacionados através da fronteiras internacionais, é a atitude correta a tomar”. E acrescentou: “Nem todos os países podem ser autossuficientes por si sós em todos os gêneros alimentícios básicos”.
Conway alertou que países anfitriões provavelmente imporão proibições de exportação caso ocorra uma crise alimentar global ou local. Numa rara entrevista, ele disse que a segurança se tornou um desafio global estratégico. “Trata-se de uma questão política de suma importância”, disse Conway, que é responsável pelas iniciativas da Cargill em segurança alimentar.
“A segurança alimentar, que não esteve na agenda de ninguém, exceto dos ministérios de agricultura há apenas três anos, agora é extremamente relevante para os governos”, ele disse, observando que o interesse está no seu nível mais alto desde o fim da década de 1970 ou do começo da década de 1980.
Nos Estados Unidos, a pauta da segurança alimentar, geralmente deixada para o Departamento de Agricultura (USDA), tornou-se um dos projetos estratégicos da secretária de Estado Hillary Clinton. ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus – as mais importantes tradings de alimentos do mundo – estão no centro do comércio agrícola e seus amplos contatos no setor empresarial e no governo lhes permite ver mudanças nas políticas de alimentação. “O mundo todo ficou muito sossegado sobre a segurança alimentar e, com certeza, provavelmente ficou indevidamente complacente”, afirmou Conway.
Ele alertou que o crescimento das populações e da riqueza nos países em desenvolvimento e as metas dos governos para produção de biocombustível provavelmente continuarão exercendo pressão por aumentos nos preços dos alimentos nos próximos anos. Conway disse que a segurança alimentar do mundo seria aperfeiçoada se os países chegassem a um acordo na rodada de negociações sobre Comércio Exterior de Doha. A FAO, braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação, projeta que o comércio mundial de gêneros alimentícios básicos terá forte crescimento, das atuais 135 milhões de toneladas para 300 toneladas até 2050.