O governo brasileiro e as empresas exportadoras de carne de frango do País já começaram a se preparar para mais um round da disputa que envolve o acesso do produto à União Europeia.
Sempre inventivos na elaboração de travas capazes de frear os embarques do Brasil, e muito atentos à criatividade dos brasileiros em driblar esses obstáculos, os europeus trabalham em duas frentes paralelas para enfraquecer a competitividade brasileira e, ao mesmo tempo, elevar suas próprias exportações subsidiadas.
A primeira trincheira foi montada na área de regulamentação. A UE quer alterar seus padrões de comercialização de carne de aves para limitar, com elevação de tarifas, o uso de cortes preparados/processados na composição de outros produtos de frango. Na mesma linha, os europeus também tentam evitar que carnes congeladas sejam vendidas como não congeladas. Nos dois casos, as discussões já estão em fase adiantada no bloco.
A segunda trincheira, complementar à primeira, está sendo erguida agora e visa ao estabelecimento de cotas para os cortes processados, hoje isentos da amarra – ainda que sujeitos ao pagamento de tarifas, como os demais.
Como há incertezas e negociações à vista, é difícil calcular quanto o País pode perder se as duas medidas protecionistas entrarem em vigor, o que não ocorreria antes de meados de 2010.
Mas a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (Abef) já municiou o governo com cálculos que mostram que o prejuízo poderá variar entre US$ 400 milhões e US$ 600 milhões, sobretudo pelos novos padrões de comercialização de processados e cortes salgados. No total, as exportações brasileiras de carnes de frango para a UE renderam quase US$ 1 bilhão em 2008.
Cálculos dos exportadores mostram que 30% das vendas de cortes processados e salgados entram na composição de outros produtos processados, o que, pela nova proposta da UE, deixaria de ser permitido. Ao mesmo tempo, 10% dos embarques de frango congelado in natura são vendidos como preparações descongeladas, e isso também passaria a ser vetado.
“Não queremos pensar no pior cenário. Vamos negociar e esperamos que as vendas brasileiras não sejam mais uma vez prejudicadas”, disse o presidente da Abef, o ex-ministro Francisco Turra.
Turra tem esperanças de conseguir reverter os planos europeus na reunião entre Mercosul e União Europeia, programada para novembro em Lisboa. Para isso, tem negociado com seus congêneres nos países vizinhos para aparar eventuais arestas sanitárias ou comerciais e blindar o Brasil de ataques indiretos. “Ou ganhamos juntos, ou perdemos juntos”.
Caso Brasil e UE não encontrem um ponto de convergência, em Lisboa ou em qualquer outro fórum de discussões, uma nova investida na Organização Mundial do Comércio (OMC) não está descartada. Não será a primeira e, provavelmente, não será a última, tendo em vista as ações e reações das partes nos últimos anos.
Depois de uma série de imbróglios envolvendo a criação ou a elevação de tarifas pela UE, a responsabilidade sobre a administração dessas tarifas e o estabelecimento de cotas, a competitividade brasileira no bloco europeu sofreu reveses importantes nos últimos anos, ainda que aquele mercado continue sendo a parte nobre das exportações do País, pelos preços melhores e margens atraentes.
Adriano Zerbini, gerente de relações com o mercado da Abef, explica que o Brasil vende à UE, basicamente, quatro tipos de produtos de carne de frango: cortes in natura, salgados, processados e cozidos. Todos são taxados. Todos são congelados, exceto os cozidos. Os cortes salgados e cozidos, além das taxações, têm cotas com alíquotas menores, mas pequenas. Os processados, até agora, não têm cotas.
Se as cotas para processados forem de fato estabelecidas – para os cortes salgados e cozidos elas foram criadas em 2006 -, a Europa limitará por completo as vendas brasileiras, impossibilitando a entrada de produtos extra-cota com a adoção de tarifas mais elevadas.
No extra-cota, a tonelada do frango salgado paga tarifa de € 1,3 mil, enquanto a do frango cozido é onerada em € 1.024.
No caso do peito de frango in natura, corte nobre com boa demanda no velho continente, não há cota mas o Brasil enfrenta uma tarifa também de € 1.024 por tonelada, além de uma salvaguarda de € 380. A dupla proteção torna o preço do produto ao consumidor tão alto quanto o do peito fresco produzido na Europa, que assim se torna competitiva.
“As cotas são uma distorção de mercado, e quem paga são os exportadores, que estão sendo discriminados, e os consumidores europeus”, afirma Francisco Turra.
Com as proteções, apontam cálculos do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), as exportações europeias de carne de frango, subsidiadas, não param de crescer. Em 2007, os embarques totais da UE alcançaram 633 mil toneladas e, neste segmento, a balança do bloco foi deficitária. Em 2009, o volume deve atingir 750 mil toneladas e a balança será superavitária.