O câmbio tira, o câmbio devolve. Depois dos prejuízos alarmantes no ano passado, os números das empresas de capital aberto no segundo trimestre vieram recheados de ganhos não operacionais – cerca de R$ 8,8 bilhões, na soma de 124 demonstrações financeiras publicadas até ontem (13/08), comparado a uma perda de R$ 399 milhões no mesmo período do ano passado e a assustadores R$ 22,1 bilhões em dezembro, reflexo do ambiente de pânico no auge da crise. Mas a parte de cima dos resultados, antes do ganho financeiro, está mais magra: a receita de vendas foi menor, e, no cômputo geral, os custos aumentaram, o que significa menos dinheiro no caixa para tocar o dia a dia e, mais adiante, pagar os acionistas.
São literalmente os dois lados da moeda. Os executivos costumam desprezar os prejuízos com variação cambial: seriam apenas “contábeis”, não têm “efeito caixa”. Já há quem alerte seus acionistas que os lucros cambiais não vão se traduzir em dividendos reais.
A valorização do real em relação ao dólar entre o primeiro e os segundo trimestres do ano explica o “problema”. Ao contrário das outras contas do balanço, que geralmente se comparam melhor com as do mesmo trimestre do ano anterior por conta da sazonalidade, a dívida é marcada a cada fim de período. Se for em moeda estrangeira (o dólar é a preferida), ela será transformada em reais pela cotação do último dia do trimestre.
Entre 31 de março e 30 de junho, o real se valorizou 18,63% em relação ao dólar e foi, em grande medida, essa variação que se transformou em bilhões de reais no resultado das companhias.
A briga das empresas com o câmbio não é nova. Em 1999, a maxidesvalorização desencadeou um lobby poderoso de endividados, que resultou num vergonhoso – para os contadores – parcelamento da conta cambial. Outros sobressaltos vieram e algumas empresas, notadamente do setor elétrico, cansaram de apanhar e reduziram a exposição em moeda estrangeira. Outras continuaram na gangorra.
Como os leitores de balanços não têm acesso à contabilidade gerencial das empresas, é preciso se contentar com os números publicados, meramente “contábeis” ou não. O fato é que, numa situação de turbulência cambial, os resultados ficam mais confusos, o que exige um olhar mais cuidadoso no lado operacional.
Nesse aspecto, os dados gerais do segundo trimestre são uma fotografia dos efeitos da crise mundial nas empresas brasileiras: vendas em queda e dificuldade de repassar custos. A receita de vendas, algo perto de R$ 123 bilhões, caiu pouco, 3,5%, mas os custos de produção cresceram 5,4%. Com o aperto, sobrou menos para as despesas operacionais – administrativas, com vendas etc. -, o que resultou num lucro operacional (antes do resultado financeiro) quase 40% menor em relação ao mesmo período do ano passado. A comparação com o segundo trimestre de 2008 não é tão ruim, levando-se em conta que se trata de um período pré-crise, quando a economia ainda vinha embalada. O problema é que o resultado é o pior de todos os períodos anteriores, primeiro trimestre deste ano incluso. Se os indicadores econômicos mais recentes estiverem apontando para o lado certo, há uma chance de que neste trimestre – o terceiro – os balanços já estejam em fase de convalescência.
É o que diz Luciano Coutinho, presidente do BNDES, para quem o fundo do poço foi no primeiro trimestre. A prova seria que o consumo das famílias voltou a crescer desde o primeiro trimestre. “Não temos ainda o segundo trimestre, mas acredito que ficará entre 1,0% e 1,2%.” É o ciclo normal, afirma ele. Primeiro há uma recomposição do consumo e depois da produção, pois as empresas gastam seus estoques antes de voltar a produzir. “Estamos mostrando uma recuperação em V”. Por coincidência, é a mesma curva que faz o resultado financeiro das empresas no período.
Ele admite, entretanto, que as empresas exportadoras que dependem da melhoria nas economias desenvolvidas sentirão a crise por um tempo maior As projeções de investimento de setores como mineração e papel e celulose apontam essa tendência. Para o triênio de 2009 a 2012, a expectativa é de investimentos de R$ 46 bilhões na mineração, queda de 21% frente o intervalo de 2005 a 2008. Já em papel e celulose, o recuo é ainda maior nessa comparação: 66%, para R$ 6 bilhões a serem aplicados entre 2009 e 2012.
Seu colega de governo, Guido Mantega, está mais otimista. “Em todos os setores está havendo recuperação, mesmo nos que dependem de exportações e estão sentindo a retração do mercado mundial por causa da crise.”
O ministro da Fazenda considerou “excelente” o crescimento de 5,6% das vendas do varejo em junho, na comparação com um igual mês de 2008, “considerando que, no ano passado, a economia crescia fortemente”. O cenário de recuperação foi apresentado ontem na reunião do Grupo de Acompanhamento da Crise, que reúne empresários das diversas áreas.