A valorização do real forçou os exportadores a cortar os descontos com os quais tentavam atrair os clientes e driblar a crise global. Com o dólar abaixo de R$ 2, as empresas voltaram atrás nas novas tabelas de preços e contratos começam a ser cortados. É o cenário oposto do vivido até setembro de 2008, quando um mercado aquecido permitia reajustes que compensavam a depreciação da moeda americana – R$ 1,70 na época.
“A partir de hoje não recebo mais pedidos com descontos. O câmbio me deu uma folga para fazer uma promoção na crise, mas agora isso acabou”, disse Sérgio Teizen, gerente de exportação da Starret, fabricante de serras e instrumentos de medição. Ele contou que reduziu os preços em 10% no começo do ano, mais um bônus de 5% para quem pagasse à vista, quando o dólar bateu em R$ 2,30. A estratégia ajudou a ganhar “alguns poucos contratos” em mercados como América Central e Índia.
A crise foi um duro golpe para as vendas da Starret no exterior. As exportações recuaram cerca de 30% de janeiro a maio ante igual período de 2008. Por conta disso e do fraco desempenho também no mercado interno, a Starret reduziu a jornada de trabalho para quatro dias, com corte proporcional de salário.
Depois das consecutivas quedas do dólar nas últimas semanas, a Piccadilly, fabricante de calçados femininos com sede em Igrejinha (RS), decidiu segurar a remessa das tabelas de preços para os distribuidores na Europa, Oriente Médio e Ásia. Para os importadores da América do Sul e Central, que já receberam as listas, a empresa só pode garantir a manutenção dos valores até meados de julho se o real não se valorizar muito mais, contou a diretora de exportação, Michelini Grings Twigger.
Segundo a executiva, a oscilação brusca da moeda americana é “preocupante” e a Picadilly está fazendo as contas para saber qual o patamar cambial que exigirá a correção das tabelas já despachadas para os mercados que absorvem 60% das suas exportações. Definidos em abril, quando com o câmbio chegou R$ 2,29 por dólar, os preços dos calçados das coleções primavera-verão estavam mais competitivos do que os concorrentes. “Tínhamos conseguido chegar a preços até menores do que na coleção anterior”, revelou a diretora. As exportações absorvem em média 30% da produção da Piccadilly.
Com a valorização do câmbio e os preços em queda, a rentabilidade das exportações brasileiras recuou 4,4% em abril e 13% no acumulado do ano, segundo a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). A tendência é uma margem de lucro ainda mais apertada nos próximos meses por conta do enfraquecimento do dólar, que fechou cotado a R$ 1,9370 ontem, queda de 12% em relação à média de abril.
Segundo Danilo Marcon, diretor comercial da Cerâmica Vila Rica, o dólar abaixo de R$ 2,00 “zerou” a sua rentabilidade e a empresa se prepara para reduzir ainda mais a participação das exportações em seu faturamento. A fatia das vendas externas nas vendas já caíram de 65% no ano passado, para 50% este ano. O executivo conta que as vendas para a Rússia “praticamente pararam” desde o início da crise – a queda dos embarques para esse destino chega a 70%. Para a Argentina, as exportações recuaram 20% neste início de ano.
Marcon disse que o maior problema do mercado internacional é a falta de demanda, mas acredita que “se pudesse dar algum desconto, venderia um pouco mais”. Ele contou que, no ano passado, os clientes da cerâmica aceitaram um reajuste de 25% nos preços para compensar o câmbio. Agora a mesma estratégia é impossível. “O cenário mudou totalmente a com a crise. É como oferecer comida para quem não está com fome”, disse.
Otmar Müller, presidente do Sindiceram-SC e diretor industrial da Eliane, disse que o impacto do câmbio não é tão forte quanto um ano atrás por conta da redução gradativa das exportações. O volume exportado pelas empresas catarinenses caiu 36% entre fevereiro e abril deste ano comparado com 2008, ano que já não havia sido tão forte. Sem conseguir elevar as vendas no mercado interno, a produção de revestimentos cerâmicos já está 10% inferior a do ano passado. “Com esse novo recuo, teremos que rever os preços em dólar, mas nosso principal mercado ainda está recessivo”, disse Müller, falando dos Estados Unidos.
O presidente da Buettner, João Henrique Marchewsky, disse que vai repensar todo o planejamento por conta do novo recuo do dólar. “É uma situação horrorosa. Evitamos dar preço ontem (para as exportações) por conta da queda”, disse ele, considerando que as têxteis terão uma dificuldade ainda maior no mercado externo, onde a demanda já se apresentava fraca por conta da crise mundial e pelas restrições argentinas. “Vamos esperar esta semana para ter uma noção melhor da cotação”, explicou. A empresa projetava o dólar a R$ 2,00 para o ano, mas acredita que terá que estimá-lo em R$ 1,80. Marchewsky disse que as vendas externas da empresa podem cair 40% este ano se a queda do dólar se aprofundar nos próximos meses.
A General Brands, que exporta sucos prontos, tem negociado preço com os clientes no exterior para manter o mesmo volume de exportações, afirmou o presidente da empresa, Isael Pinto. “Quando o real valoriza, fica mais difícil exportar. Para manter os clientes a empresa acaba arcando com o prejuízo”, afirma. Parte dessa perda com receita, diz, é compensada pela redução dos gastos com matérias-primas que também são importadas. A General Brands, que exporta para 20 países, espera comercializar no mercado externo entre 8% e 10% de sua produção, mas isso depende de uma estabilização do câmbio entre R$ 2 e R$ 2,40. Isael Pinto lembra que, no ano passado, a empresa teve de oferecer descontos aos clientes quando o real desvalorizou.
Para contrabalançar a valorização do real, a Baterias Moura vai reajustar os preços em torno de 10%. “Como diversas moedas estão ficando mais fortes em relação ao dólar, é possível repassar para os preços as perdas que teríamos. O problema seria se só o real estivesse se valorizando”, diz Elisa Correia, gerente de exportações da Moura. A fabricante está mantendo os planos traçados no início do ano de exportar cerca de 20% da produção em 2009, o que equivale a US$ 40 milhões. Outros dois fatores também ajudam na manutenção das metas: a empresa não exporta para os Estados Unidos e mais da metade dos custos de produção também estão atrelados ao dólar. Assim se a valorização do real traz perdas de receita, de outro, ela reduz os gastos.