Redação (07/10/2008)- Já não é mais tão improvável imaginar um retorno das cotações de milho, soja e trigo, as principais commodities agrícolas negociadas no planeta, às médias históricas observadas até 2006, quando começou uma disparada sustentada pela expectativa de oferta insuficiente para atender ao acelerado crescimento da demanda global por alimentos e biocombustíveis e pelo crescente fluxo de investimentos financeiros nesses mercados, até então pouco atraentes à maioria dos grandes fundos.
Até a semana passada, era sólida entre analistas a expectativa de que, apesar do aprofundamento da crise global emanada dos Estados Unidos, as perspectivas de longo prazo para o consumo de alimentos, sobretudo em emergentes como China e Índia, evitaria fraturas em preços já escoriados pela turbulência dos últimos meses. Os picos históricos alcançados neste ano por soja, milho e trigo já haviam ficado para trás e boa parte da valorização já havia sido revertida, mas o "colchão" de longo prazo permanecia gordo.
Fontes consultadas pelo Valor afirmam que esse colchão ainda existe, mas que, quanto mais a desaceleração econômica mundial ganha forma e contagia mesmo os gigantes emergentes, mais ele perde espuma. Para cobrir outras aplicações ou preservar o capital desta incômoda erosão, grande parte dos investidores financeiros deixou as commodities nos últimos meses, ampliando o nervosismo dos investidores que baseiam seus movimentos nos fundamentos de oferta e demanda de cada mercado.
Estes lembram que os países ricos ou emergentes não vão parar de comer mesmo em caso de recessões mais profundas – e que os pobres, com o barateamento dos alimentos, poderão até consumir mais, o que é uma boa notícia tendo em vista a recente "agroinflação" -, mas admitem que, da mesma forma que as disparadas levaram as cotações além do que sinalizavam os fundamentos, o atual viés baixista também pode ignorá-los se as medidas de socorro que vêm sendo adotadas por diversos países não surtirem efeito logo.
Enquanto isso, as quedas se sucedem, com a mesma intensidade dos surpreendentes saltos que se tornaram comuns do terceiro trimestre de 2006 ao primeiro semestre deste ano. Altas superiores a 3%, raras em tempos "fundamentalistas", deram lugar a quedas da mesma envergadura. Sempre com o petróleo e o dólar americano como referências, e normalmente com o olhar do mercado concentrado sobretudo no umbigo americano, especialmente nas bolsas de Chicago e Nova York, principais referências globais para as commodities.
Ontem, em Chicago, novas "barreiras psicológicas" foram rompidas, e os contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente a de maior liquidez) de soja, trigo e milho voltaram a derreter. Os papéis da soja com vencimento em janeiro registraram a maior queda diária permitida (70 centavos de dólar), ou 6,94%, e fecharam a US$ 9,3850 por bushel, ampliando as perdas acumuladas em 2008 para 32,69%. A baixa do milho para março também foi a maior permitida (30 centavos de dólar), equivalente a 6,35%, e os contratos caíram a US$ 4,4250 por bushel, elevando as perdas neste ano para 27,16%. O trigo para março fechou a US$ 6,16 por bushel, 45,75 centavos a menos (6,91%) que na sexta e 23,83% abaixo que em 31 de dezembro de 2007. De qualquer forma, ainda são patamares pela menos 60% superiores às médias históricas até 2006.
"Volatilidade é o nome do jogo, e vem chumbo grosso pela frente", disse Antonio Sartori, da corretora gaúcha Brasoja, em dezembro de 2007. Confirmada a previsão – "toda oscilação exagerada termina corrigida e com oscilação exagerada no sentido inverso" -, ele acredita que o nervosismo vai continuar, mas com menos especulação financeira e, assim, com menor volatilidade. Mas Sartori está particularmente preocupado com a safra de grãos que está sendo plantada no país, já que o dinheiro está difícil, apesar da antecipação de R$ 5 bilhões em crédito rural pelo Banco do Brasil, e grande parte dela está sem hedge. A demanda por seguro rural com subvenção federal está 50% maior neste ciclo, mas ainda é pouco e será preciso torcer por um clima favorável (ver Curtas).
Fabio Silveira, economista da RC Consultores, divide a trajetória de alta em dois ciclos, e para ele o segundo está quase anulado. É o ciclo "especulativo puro-sangue", como ele define, e que tem nos movimentos dos fundos de índices (index funds) um bom termômetro. Segundo o banco UBS AG, esses investidores em índices referenciados em commodities, responsáveis por captações (fluxos de entrada de capital) de US$ 9,9 bilhões entre o terceiro trimestre de 2006 e o primeiro trimestre de 2008, retiraram US$ 10,2 bilhões desses mercados apenas entre julho e agosto deste ano.
Agora, prossegue, resta saber até onde vai o desafio ao primeiro ciclo de valorizações, aquele centrado nos fundamentos – e, portanto, no aumento da demanda. Uma resposta possível foi dada ontem pelo economista-chefe do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), Joseph Glauber, que confia no "colchão" de longo prazo e prevê inflação dos alimentos menor em 2009, mas não muito abaixo deste ano. Se Glauber estiver errado e o transe atual fizer a recessão recrudescer, porém, as médias históricas poderão ser revisitadas.