No final dos anos 1970, a crise do petróleo deu ao Brasil a oportunidade de incrementar o intercâmbio comercial de início com o mundo árabe e depois com o resto do mundo islâmico a partir da troca de alimentos, aviões, automóveis e serviços de construção pelo precioso petróleo do qual dependíamos na época.
Dessas trocas comerciais, a relação evoluiu para um sofisticado comércio bilateral de pautas complementares, que inclui uma expressiva presença brasileira no mercado consumidor muçulmano, composto por 1,9 bilhão de pessoas nos 57 países da Organização para Cooperação Islâmica (OCI) e, também, nos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, países a abrigar grandes comunidades ilsâmicas.
Um dos destaques desse comércio foi e é até hoje a proteína animal. Refiro-me especificamente à proteína halal, voltada ao consumidor muçulmano, que, além das características demandadas em peso, volume e porcionamento, também precisa ser obtida a partir de um método produtivo que respeite integralmente as tradições e crenças do islã.
Já na década de 1980, havia no Brasil dezenas de frigoríficos de aves e bovinos especializados em proteína halal. Nessas instalações, as linhas de abate são posicionadas em direção à cidade sagrada de Meca. Os abatedores são muçulmanos e versados no rito religioso de degola. Também existe um processo de certificação halal (palavra árabe para aquilo que é lícito segundo o islã) que dá ao cliente muçulmano a certeza de que o consumo do produto não vai representar uma transgressão a suas tradições.
O empenho dos frigoríficos, das entidades setoriais e governo brasileiro em cultivar relações com os mercados islâmicos fez do Brasil em pouco mais de 20 anos o líder mundial na exportação de proteína animal halal. Em 2020, esse comércio rendeu ao Brasil US$ 3,22 bilhões somente com os países da OCI e deve render ainda mais em 2021, dado que entre janeiro e outubro as vendas já somam US$ 3,07 bilhões, com alta de 14% sobre o mesmo período do ano anterior.
É curioso como, a partir do comércio de alimentos, o Brasil passou a ser conhecido no mundo islâmico como um país especializado no halal, cujos conceitos de licitude baseiam padronizações não só para a comida, mas também cosméticos, fármacos, produtos de entretenimento, vestuário, serviços hotelaria e financeiros. O muçulmano crê que nosso país sabe como atendê-lo, o que por si já é uma grande vantagem competitiva.
No entanto, mesmo com a forte presença em alilmentos e a liderança em proteínas, o Brasil apenas começou a explorar o imenso mercado muçulmano. Para se ter uma ideia, em 2020, no setor de alimentos e bebidas em que somos competitivos, a OCI importou US$ 190,5 bilhões, dos quais apenas US$ 14,1 bilhões corresponderam a produtos brasileiros.
Em cosméticos, as compras muçulmanas totalizaram US$ 14,2 bilhões, com o Brasil fornecendo US$ 21,6 milhões. Isso mesmo, milhões. Nos fármacos, dos US$ 40,4 bilhões importados pelos países islâmicos, a parcela brasileira foi de US$ 54,1 milhões. Vestuário, US$ 34,2 milhões, num mercado total de US$ 40,3 bilhões.
Esses números dão a medida do potencial do Brasil no mercado de consumo muçulmano, que já movimenta US$ 4,88 trilhões e vai crescer 18% até 2024, pela altas taxas de natalidade dessa população, pelo investimento em cadeias halal no mundo árabe, e pelo vigor de normatizações de padronização halal na Malásia e na Indonésia, que, ressalte-se, são países multiculturais e o produto halal é consumido e, o mais importante, preferido, por não-muçulmanos.
Mas também dão uma ideia do imenso trabalho a fazer. Nosso país tem capacidade técnica para atender qualquer mercado no mundo, cabendo ao setor produtivo avançar na adoção de padronizações halal para seus produtos, já disponibilizada no Brasil por uma ampla rede de empresas especializadas em certificação halal.
No fronte governamental, estou certo de que um trabalho de promoção adequado, a ressaltar nossa expertise no halal e os aspectos positivos do Brasil admirados no mundo islâmico, pode fazer do nosso país um hub de serviços e produtos para o mundo islâmico.
Também no fronte setorial, onde atuamos especificamente, vamos continuar buscando difundir as oportunidades existentes e auxiliando o setor produtivo a acessar mercados islâmicos, seja identificando oportunidades ou orientando intermediações comerciais.
Em 2060, uma em cada três pessoas no planeta será muçulmana. O que fizermos agora vai assegurar um futuro no qual o Brasil pode ter uma participação ainda mais efetiva e com lugar de protagonismo no mercado islâmico mundial.