Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Comentário

Ajuste no lugar errado

Por Coriolano Xavier, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e Professor da ESPM

Ajuste no lugar errado

Seja por aperto nas contas públicas, ou por doutrina econômica, chegou ao mercado notícias de estudos no Ministério da Economia para tributar investimentos feitos em título que financia o agronegócio. A ideia seria o fim da isenção de imposto de renda (IR) para aplicações em Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), o que tornaria mais difícil atrair investidores para esse papel.

A LCA foi criada em 2004 (Lei 11.076) e, na última safra, levou ao campo R$ 30 bilhões em financiamento para os beneficiários do crédito rural. No entanto, esta não é a primeira vez em que se pensa no fim de sua isenção tributária: já em 2015, no período Dilma Roussef, se tentou tributar este título. Agora, com a crise fiscal tirando o sono do Governo e a Proposta de Lei Orçamentária 2020 em discussão no Congresso, é bom o agro estar atento a potenciais ameaças pelo fim da isenção de IR para a LCA, pois ela é estratégica para financiar o setor.

O engenheiro agrônomo Ivan Wedekin, coordenador dos trabalhos que resultaram na lei dos títulos do agro, à época em que foi Secretário de Política Agrícola, na gestão do Ministro Roberto Rodrigues, recorda a estratégia embutida na implantação do título. Com a falta de recursos de crédito para viabilizar o crescimento da agricultura, o Governo então instituiu a LCA e outros dois títulos (CRA e CDCA)* para financiar a comercialização. Em 2015, o Governo estabeleceu uma exigibilidade aos bancos: para emitir a LCA, teriam que emprestar parte do montante captado aos beneficiários do crédito rural.

Na safra 2018-2019, por exemplo, a LCA ofertou R$ 29,6 bilhões, ou 16,9% de todo o crédito rural (R$ 174 bilhões). No custeio deixou R$ 15,9 bilhões (16%), no investimento R$ 1,7 bilhão e no crédito para comercialização e industrialização proporcionou R$ 11,9 bilhões (36% do total). “Uma integração excelente entre fontes de financiamento”, explica Ivan Wedekin. “As fontes tradicionais, como depósitos à vista e poupança rural, financiaram o custeio da produção, em especial pequenos e médios produtores; e a LCA viabilizou o crédito para comercialização”.

Com um hipotético fim da isenção de IR para a LCA e perda relativa de sua atratividade, de onde virão recursos como os R$ 30 bilhões que ela gerou na última safra? Isso é dinheiro captado no mercado financeiro urbano que vai parar na roça, custeando a produção. “Não há justificativa para desmontar esse mercado de títulos agro e fazer ajuste fiscal em cima de uma agricultura já ajustada, uma das menos subsidiadas do mundo” – alerta Wedekin.

De fato, o Brasil compete com fortes subsídios praticados em países que são importantes concorrentes nossos, no mercado agropecuário internacional. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na média do período 2015-2017, o subsídio dado aos produtores (proporção da receita bruta total que decorre da política agrícola) está em 46,0% no Japão, 19,6% na União Europeia, 15,5% na China e 9,6% nos EUA, frente a mínimos 2,7% no Brasil. O agricultor brasileiro produz muito e recebe pouco do governo federal.

Segundo Ivan Wedekin, a política agrícola custou ao governo federal R$ 8,7 bilhões em 2018, para gerar o maior saldo da balança agrícola do mundo. Em contrapartida, foram gastos R$ 340 bilhões com o pagamento de juros da dívida do Governo. “A Agricultura não é problema, mas sim a solução, e o seu crescimento depende do financiamento pelos títulos do agronegócio”.