O uso da palha da cana-de-açúcar na produção de energia elétrica e de etanol de segunda geração (2G) tem sido apontado como uma forma de aumentar a geração de bioenergia sem ampliar a área plantada. No entanto, um estudo publicado na revista BioEnergy Research aponta que retirar da lavoura a palha, normalmente deixada no solo após a colheita, pode dobrar a necessidade de fertilizantes nos canaviais brasileiros até 2050.
O alerta foi feito por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e do Laboratório Nacional de Biorrenováveis do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBR-CNPEM), com base em um estudo apoiado pela FAPESP e pelo programa Fundo Tecnológico (Funtec), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Nas lavouras de cana, as colhedoras retiram uma parte da planta conhecida como colmo, de maior valor comercial e energético, e devolvem para o solo as folhas, que são ricas em nutrientes e, depois de secas, formam a palha. Já era sabido que a manutenção dessa biomassa na superfície do solo contribuía para a fertilidade do solo. Porém, pela primeira vez, calculou-se a quantidade de nutriente retida nas folhas da cana e a quantidade de fertilizantes que seria necessária para suprir a lavoura se a palha fosse retirada do solo na região centro-sul do Brasil.
“No estudo, transformamos o valor dos nutrientes presentes na palha da cana em fertilizantes equivalentes [nitrogênio, fósforo e potássio]. Afinal, ao fazer a retirada dessa biomassa, o agricultor deverá comprar fertilizante mineral, o NPK, e aplicá-lo na lavoura para repor nutrientes. Medimos esse valor, que era invisível até então”, disse Maurício Cherubin , pesquisador da Esalq e autor do artigo.
A manutenção da palha no solo contribui para um processo chamado de ciclagem de nutrientes. A planta absorve e acumula os nutrientes do solo em seu tecido e, quando morre e se decompõe, esses nutrientes retornam ao solo, iniciando um novo ciclo de transferência. Porém, quando a palha é retirada do solo, o processo é interrompido.
“Ao aproveitar a palha para a produção de bioenergia, aproveita-se também um terço do potencial energético da cana, o que é muito. Por outro lado, como o estudo mostra, é importante manter uma boa quantidade de palha para cobrir o solo, protegê-lo da chuva, reduzir emissões de gases do efeito estufa e, um dos aspectos primordiais, manter a ciclagem de nutrientes”, disse Cherubin.
Nutrição do solo
Em artigos anteriores publicados na BioEnergy Research, a equipe de pesquisadores apresentou dados sobre o impacto da retirada da palha em outras questões importantes, como a atividade biológica do solo, o controle de pragas, a compactação do solo, a emissão de gases do efeito estufa e a produtividade da cultura.
“O objetivo do nosso estudo foi fazer uma revisão ampla das questões relacionadas à retirada da palha. Alguns produtores já perceberam que ela é importante para a produtividade da cana, pois influencia na proteção e na nutrição do solo”, disse Cherubin à Agência FAPESP.
No artigo mais recente, o grupo descreve estudos de campo feitos para medir a perda de nutrientes no solo, assim como análises econômicas e projeção de cenários realizada com base em dados oficiais da Associação Nacional para Difusão de Adubos sobre a região centro-sul. Cinco possíveis cenários foram discutidos. As estratégias menos impactantes mantêm as folhas verdes no campo, colhendo apenas as folhas secas. Já no cenário mais extremo há remoção total da palha.
Definição de critérios
As análises sugerem que a retirada total da palha do solo resulta, em média, na necessidade de 195 quilograma de fertilizante por hectare (kg/ha) por ano, a um custo adicional de US$ 90 por hectare. Essa quantidade de fertilizante corresponde ao dobro do volume usado atualmente na região centro-sul, principal produtora de cana no país.
O cenário que contabiliza apenas a retirada moderada da palha seca e a permanência da palha verde no solo – o mais brando dos cinco – resulta na necessidade de 27 kg/ha de fertilizantes, a um custo adicional de US$ 27 por hectare.
“Como se vê, a decisão de retirar ou não a palha do solo tem um impacto grande na lavoura e em todo o setor. Hoje, cada usina adota seus próprios critérios para definir a quantidade e o local da retirada. Necessitamos avançar e, coletivamente, definir critérios para que essa prática possa trazer benefícios em termos de produção de bioenergia, de qualidade do solo e de produtividade”, disse.
O Brasil é responsável por cerca de 40% da produção global de cana-de-açúcar, com 10 milhões de hectares de lavouras. A maior parte da produção nacional (92%) fica na região centro-sul, que abrange parte de seis estados brasileiros (SP, PR, MS, GO, MG).
O estudo não comparou os gastos na compra de fertilizantes com os ganhos na geração de energia com a palha da cana. O preço do quilowatt-hora (kw/h) por hectare varia conforme a demanda, localização da usina, período do ano e fatores meteorológicos (seca).
Uso de fertilizantes cresce
Ainda de acordo com o estudo, se o cultivo da cana continuar no ritmo atual, a tendência é que o consumo de fertilizantes na cultura cresça cerca de 80% até 2050. Nos últimos 30 anos, o consumo na região estudada aumentou 46,5 mil toneladas por ano. Em 2016, foram consumidos 1,75 milhão de toneladas – ou 11,6% do consumo total de fertilizantes no país.
“O uso da palha na indústria é uma grande oportunidade. Porém, existem os prós e os contras. Ela aumenta a eficiência produtiva em uma mesma área. Por outro lado, como o estudo mostra, é importante que parte da palha fique no solo”, disse.