O novo Governo da Argentina finalizou nesta segunda-feira um pacote de medidas de “emergência econômica, social e de saúde” para enfrentar a profunda crise do país, em virtual suspensão de pagamentos. As medidas, bem numerosas, vão de aumento de impostos a ajuda a pequenas empresas e programas de vacinação obrigatória. Viajar para o estrangeiro e comprar produtos no exterior ficará muito mais caro, a fim de proteger as minguadas reservas argentinas em dólares. O presidente Alberto Fernández espera que o Congresso, ao qual o Governo pediu “poderes especiais” para renegociar a dívida, aprove o pacote nesta semana mesmo.
Os ministérios de Buenos Aires trabalham contra o relógio. O peronismo sabia desde agosto, quando arrasou nas primárias, que venceria as eleições de 27 de outubro, mas esse tempo não parece ter sido suficiente para o preparo das medidas de emergência. O chefe de Gabinete (equivalente a um primeiro-ministro), Santiago Cafiero, explicou no domingo ao jornal Clarín que ainda estava “difícil saber algumas coisas”, como o estado do déficit fiscal, que o Governo anterior, de Mauricio Macri, estimava em 0,5% e que, segundo Cafiero, é superior.
A primeira medida foi publicada no sábado na forma de um decreto e afetou as exportações agrícolas, o principal mecanismo argentino de obtenção de divisas. O regime tributário estabelecido por Macri, que retinha quatro pesos por dólar exportado, foi cancelado e em seu lugar passou a vigorar um porcentual fixo de 9% para cada dólar. No caso da soja, o produto mais competitivo nos mercados internacionais, o 9% se soma aos 18% existentes, de modo que o total retido será de 27%. As organizações rurais protestaram e ameaçaram com mobilizações, não concretizadas ainda, pois aguardam uma reunião com o Governo. Cafiero explicou que não se tratava tanto de um aumento da carga tributária, mas de uma atualização após a forte desvalorização do peso, e insistiu na necessidade de que todos os setores façam um “esforço solidário”.
Entre as medidas propostas para proteger as reservas cambiais está uma sobretaxa de 30% nas compras realizadas com cartão de crédito no exterior. Na prática, isso significa um imposto extraordinário sobre viagens ao exterior (o encargo também se aplica à compra de viagens e contratação de hotéis). Além de captar recursos adicionais e reverter um saldo turístico bastante deficitário (quase 5 bilhões de dólares no vermelho, cerca de 20 bilhões de reais), a medida visa promover o turismo interno, que gera empregos temporários abundantes.
O Governo também negocia com as províncias a suspensão do “consenso fiscal” estabelecido em 2017 com Macri, que implicava uma redução progressiva dos impostos locais. E se prevê ainda um aumento no imposto sobre propriedades pessoais, até agora fixado em uma alíquota entre 0,25% e 0,75% para patrimônios acima de dois milhões de pesos (cerca de 133.000 reais), com uma sobretaxa especial sobre bens no exterior. O imposto sobre a propriedade pessoal foi estabelecido em 1991 como uma medida estritamente temporária, mas nenhum Governo o aboliu.
No que diz respeito às empresas, será aplicado um imposto especial àquelas que fizerem saques em dinheiro (a meta é combater a economia informar, além de aumentar a arrecadação), mas haverá deduções para as que melhorarem o salário dos funcionários e será permitido às pequenas empresas o adiamento da devolução de créditos.
Como parte do pacote de medidas, o Governo pedirá ao Congresso que lhe conceda poderes extraordinários para renegociar a dívida contraída com o Fundo Monetário Internacional (44 bilhões de dólares, cerca de 177 bilhões de reais) e com detentores privados de títulos em dólares e pesos. O objetivo imediato é conseguir uma moratória nos pagamentos e estabelecer um cronograma de quitação da dívida para os próximos 20 anos.
O Governo de Alberto Fernández também pede poderes extraordinários para “refazer a estrutura tarifária” e suavizar, pelo menos parcialmente, os aumentos de até 1.600% aprovados pelo Governo anterior sobre as taxas de serviços como água, eletricidade e transporte. Isso implicaria ampliar os subsídios ao preço dos serviços públicos. As pessoas que recebem aposentadorias mais baixas teriam garantido o reembolso automático do IVA e um reajuste nos próximos seis meses.
À emergência alimentar, declarada nas últimas semanas do Governo Macri, será acrescida agora uma emergência na saúde destinada ao lançamento de programas de vacinação obrigatórios (estão aumentando os casos de doenças como o sarampo) e à ampliação de um sistema de centros médicos cooperativos.