A decisão dos EUA de sobretaxar de forma horizontal as importações de aço em 25% e de alumínio em 10% por motivo de “segurança nacional” representa imenso retrocesso no sistema multilateral de comércio, criado no pós-guerra do século 20.
A reação do mundo a essa decisão —de duração ilimitada e típica de períodos de guerra— foi imediata. Além de recorrer à OMC, que se mostra cada vez mais debilitada como órgão regulador do comércio, vários países ameaçaram retaliar os EUA: a Europa falou em taxar o uísque bourbon, o jeans Levi’s e as motos Harley-Davidson; a China ameaçou taxar o carvão, a soja e o sorgo americanos, e por aí afora.
Engana-se quem acha que o Brasil vai sair lucrando numa eventual escalada global de retaliações. Em briga de elefantes, quem sempre apanha é a grama. Na troca de tiros de bazuca entre os grandes, quem definitivamente lucra são setores ineficientes, como o aço americano. Mas o resultado líquido para o mundo tende a ser negativo, tanto em comércio como na expressão das vantagens comparativas, já que o balcão do protecionismo pode se abrir em todos os países, agora com o codinome “segurança nacional”.
Ilude-se quem acha que o Brasil vai ganhar só porque a China disparou ameaças de retaliação contra a soja americana pela mídia. Na segunda passada (12), Patrick Yu, presidente da estatal COFCO, a maior empresa do agronegócio do país asiático, disse que o suprimento de soja americana é fundamental para o consumidor chinês, salientando a forte complementaridade entre os dois países e o elevado interesse de investidores chineses nesse segmento nos EUA.
A China não tem interesse algum em retaliar um país com o qual mantém um superávit comercial de US$ 375 bilhões ao ano, e que hoje lhe pede compensações que reduzam essa cifra em US$ 100 bilhões. O que a China realmente quer – e sabe fazer melhor do que qualquer um há milênios – é negociar o impasse com estratégia e firmeza.
Em colunas anteriores na Folha (18/02/17 e 25/11/17), eu já havia alertado para o risco de uma nova era de mercantilismo extremo. Infelizmente o risco agora se concretiza, e há sinais claros de que o Brasil tende a perder mais do que pode ganhar. Pressões recentes dos Estados Unidos sobre a China, o Japão, a Coreia, o México e outros 12 países com os quais o país detém déficits comerciais acima de US$ 10 bilhões já estão gerando barganhas e compensações em detrimento do Brasil. As primeiras vítimas são o açúcar, o etanol e a carne de frango, além do aço.
Esta é a realidade nua e crua: para preservar uma indústria envelhecida, que perdeu a sua competitividade há décadas, Trump ameaça o mundo com um neomercantilismo rude e primitivo.
Nos últimos dias, correu em Washington a notícia de que Trump pretende propor uma cartilha para definir os “aliados” dos Estados Unidos que mereceriam isenção da sobretaxa do aço. Ela seria composta de diretrizes como a comprovação da aplicação de medidas de defesa comercial, a participação em um fórum global sobre excesso de capacidade de produção de aço, a aceitação de uma cota anual baseada nos volumes históricos de comércio e uma parceria com os Estados Unidos na área de segurança global. Trata-se da cartilha de uma nova “lei da selva” que separaria ganhadores e perdedores de forma arbitrária e maniqueísta.
Mas o que mais surpreende é que as restrições vão frontalmente contra o interesse dos usuários e consumidores finais de aço dos EUA, muito mais numerosos e relevantes do que a indústria protegida. Vão também contra o interesse das empresas transnacionais americanas, altamente globalizadas graças às normas do sistema multilateral de comércio que os EUA ajudaram a criar e defenderam arduamente ao longo dos últimos 70 anos. Irônico e triste.