Está cada vez mais claro que o foco da nova guerra comercial lançada por Trump é a China.
Para vencer a competição estratégica com o país asiático, os EUA acabam de soltar uma nova batelada de restrições comerciais, financeiras e de transferência de tecnologia que podem atingir o coração da competitividade chinesa. Exemplos são a imposição de tarifas de 25% sobre produtos de alta tecnologia que representam até US$ 60 bilhões em exportações chinesas e uma interferência inédita do governo americano em processos de fusão e aquisição de empresas, ilustrada no caso Qualcomm vs. Broadcom.
Em contrapartida, a China anunciou que poderá restringir a soja, a carne suína e os vinhos dos EUA, além de outras retaliações.
O pano de fundo da queixa é o fato de os EUA importarem US$ 490 bilhões da China e exportarem apenas US$ 115 bilhões, o que gera déficit anual de US$ 375 bilhões com o país asiático. Os EUA querem reduzir o valor em US$ 100 bilhões ainda neste ano.
Vejo três resultados possíveis para o conflito EUA-China.
O primeiro seria uma escalada global sem retorno de medidas protecionistas e retaliações, que ricochetearia no mundo todo produzindo resultados líquidos negativos ao afetar o comércio, os investimentos e o crescimento econômico.
O mundo já viveu tempos sombrios dessa natureza. Mesmo que possamos no curto prazo nos beneficiar das retaliações chinesas em algumas commodities, não creio que haverá o que comemorar no longo prazo num cenário de guerra comercial generalizada.
O segundo resultado, mais provável no meu entendimento, seria um grande acordo bilateral entre os dois megaplayers após o tiroteio protecionista, com concessões pontuais da China para manter o status quo. Infelizmente nesse cenário o Brasil pode sair perdendo, pois a pauta de exportações dos Estados Unidos para a China é altamente “commoditizada” e curiosamente muito parecida com a nossa.
O Brasil detém hoje o terceiro maior superávit comercial do planeta com a China, calcado na exportação de commodities como soja e carnes, nas quais o nosso maior concorrente são os Estados Unidos. Um acerto mercantilista entre EUA e China, feito à revelia das regras multilaterais, pode cortar as nossas pernas.
Mas há um terceiro cenário sobre o qual ainda se fala pouco, e que pode ter resultados positivos tanto para mitigar o conflito bilateral como para o mundo. Esse caminho virtuoso seria a China ocupar o vácuo deixado pelos EUA e assumir um papel protagonista no cenário global como defensora da globalização, do livre-comércio e da sustentabilidade.
O país ainda está longe de substituir os EUA como maior shopping center do planeta. O crescimento meteórico chinês foi puxado por exportações hipercompetitivas, mas o país ainda restringe importações e não trata o investidor estrangeiro da mesma forma que o nacional.
No fim do ano passado, a China anunciou uma nova estratégia de longo prazo pró-importações. Em novembro vai ocorrer a Shanghai International Import Expo (CIIE), patrocinada pelo líder Xi Jinping com o objetivo de buscar uma inserção internacional mais equilibrada do país, que incluiria a redução do atual superávit comercial chinês que supera US$ 500 bilhões.
Analistas chineses afirmam que importar mais beneficiaria não apenas a competitividade das exportações, mas criaria ainda um “bem público” global que ajudaria a consolidar a liderança que a China quer exercer no cenário internacional.
A guerra comercial começou com Trump abandonando tudo o que os EUA promoveram nos últimos 70 anos. Mas é Pequim que vai determinar se ela será um jogo perde-perde, ganha-perde ou ganha-ganha.