Depois de trimestres consecutivos de lucro em queda, o grupo das grandes tradings globais do agronegócio começou a esboçar alguma recuperação em meio a um cenário ainda desafiador, de elevada volatilidade das commodities e demanda vacilante em importantes mercados consumidores.
Entre as três principais tradings do setor, conhecidas por “ABC”, apenas a Archer Daniels Midland (ADM) não conseguiu superar em seus balanços trimestrais mais recentes os ganhos de iguais intervalos de 2011. O lucro da Bunge cresceu 112% e o da Cargill, expressivos 313%. As três têm suas sedes nos Estados Unidos.
A Cargill creditou o bom resultado no trimestre encerrado em agosto, ao seu programa de investimentos (US$ 8,1 bilhões em dois anos) e a uma série de medidas de redução de custos, como a demissão de 2 mil funcionários. “Ao investir de forma constante, pudemos ampliar a diversificação de produtos e serviços e, por consequência, o equilíbrio e a resistência do negócio”, disse o CEO da multinacional, Greg Page, ao divulgar os resultados da empresa. O lucro líquido alcançou US$ 975 milhões, 313% mais que no mesmo trimestre do exercício anterior.
O impacto da seca nas áreas de milho americanas tem sido “misto” para o negócio da Cargill, segundo Page, e deve continuar a ter reflexos nos próximos meses. “O clima tem alterado a distribuição normal de matéria-prima ao redor do mundo e trazido mais compradores para regiões de fora dos Estados Unidos”, afirmou Page.
Em comunicado, o executivo disse que acredita que esse impacto nos próximos meses ainda vai depender de como a demanda mundial de alimentos e de ração vai reagir daqui em diante, uma vez que as cotações dos grãos continuam elevadas.
Com um volume processado de milho bem superior às suas pares, a ADM, maior produtora de etanol de milho dos Estados Unidos, já sentiu no primeiro trimestre do seu atual ano fiscal o impacto da seca nas lavouras americanas do grão. A condição trouxe dois efeitos simultâneos à companhia: o menor volume de exportação de milho a partir dos Estados Unidos e margens negativas na produção do biocombustíveis, dado o aumento de custos de aquisição da matéria-prima.
A CEO da ADM, Patricia Woertz, também credita o resultado ruim do etanol ao grande volume de importação do produto de cana do Brasil no período, revertendo uma situação que foi positiva para a empresa no ano passado, quando o Brasil é que foi o principal destino do biocombustível americano.
“Fracas exportações americanas, fortes importações do Brasil e lenta implementação nos EUA do E15 [mistura de 15% do etanol na gasolina] mantiveram negativas as margens de fabricação do biocombustível”, disse Patricia ao divulgar os resultados mais recentes da múlti.
Assim, o lucro líquido atribuído a controladores da ADM foi, no primeiro trimestre do atual ano fiscal, encerrado em 30 de setembro, de US$ 182 milhões, ante US$ 460 milhões no mesmo trimestre do ano fiscal anterior. Somente o lucro da operação de processamento de milho recuou US$ 115 milhões, para US$ 68 milhões.
Por outro lado, o que sustentou o desempenho da ADM foi seu negócio de processamento de oleaginosas (soja e palma), cujo lucro operacional (Ebit) atingiu US$ 336 milhões no trimestre, aumento de US$ 116 milhões na comparação com igual intervalo do ano passado.
Esse negócio – beneficiado pela maior demanda interna americana e pelas exportações de farelo – inclui as operações de esmagamento e originação de oleaginosas – cujo lucro operacional cresceu de US$ 106 milhões para US$ 256 milhões -, refino e envase de óleo e produção de biodiesel, além de processamento de cacau.
O etanol também trouxe impactos negativos ao resultado da Bunge, mas o revés foi mais ameno, uma vez que a empresa usa cana-de-açúcar como matéria-prima para o biocombustível e ainda tem no portfólio a produção de açúcar, que ajuda a diluir os riscos no segmento.
Um dos principais players sucroalcooleiros do Brasil, com oito usinas, a Bunge teve nesse negócio um prejuízo operacional de US$ 47 milhões, ante resultado também negativo de US$ 43 milhões em igual período do exercício passado. No acumulado dos nove meses encerrados em 30 de setembro, o segmento de Açúcar e Bioenergia acumula prejuízo operacional de US$ 108 milhões, ante a perda operacional de US$ 23 milhões no mesmo intervalo do ano passado.
A Bunge teve, contudo, uma grande compensação vinda do segmento de agribusiness, que inclui a operação de trading de grãos e serviços aos produtores. Esse segmento registrou Ebit (resultado operacional) de US$ 406 milhões, 172% acima do realizado no mesmo trimestre do ano fiscal anterior.
A empresa registrou no trimestre encerrado em 30 de setembro lucro líquido atribuível a acionistas de US$ 297 milhões, 112% maior que em igual trimestre de 2011.
Além da Cargill, que investiu mais de US$ 8,1 bilhões nos últimos dois anos, a ADM também vem diversificando negócios e fontes de originação de grãos, diante da pior estiagem em mais de 50 anos nos EUA.
Com 74% de seus ativos de longo prazo em território americano, a empresa ampliou este ano sua participação na australiana GrainCorp Ltd. para 15% e informou que está em negociação com a companhia australiana para alcançar um acordo de aquisição da empresa. A ADM também informou na semana passada que firmou um acordo preliminar para vender 23% da fabricante mexicana de tortilhas Gruma, em linha com sua estratégia de sair de áreas que não fazem parte do “core business”.