A América Latina passa por um avanço excepcional, graças à disparada da receita com a exportação de recursos naturais. Será, no entanto, que a região aproveita essa oportunidade ao máximo? Esses fundos vêm sendo usados da maneira mais eficiente possível?
Com exceção da América Central, a alta nos preços das commodities melhorou as contas externas e posições fiscais dos países da América Latina. A receita com as exportações de commodities representou 25% da arrecadação total do setor público em 2008. Na Venezuela, Bolívia, Equador e México, o número ficou acima de 40%. Isso equivale a cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) desses países (mais de 11% na Venezuela e Bolívia e 8% no Equador e México).
Para determinar o que deveria ser feito com esse golpe de sorte, é importante saber se o aumento nos preços das commodities deverá ser permanente ou transitório. Se for transitório, o melhor caminho é economizar a receita adicional ou usá-la, como segunda melhor opção, para reduzir a dívida nacional. Se o aumento for considerado permanente, contudo, faria sentido aumentar os gastos ou reduzir a pressão tributária.
A escolha dependerá das características de cada país. Haveria mais motivos para reduzir os impostos na Noruega, por exemplo, do que na América Latina, onde o rumo geral seria o aumento nos investimentos.
É razoável presumir que o efeito positivo da onda de alta das commodities nos termos de troca da América Latina durará por um longo período – talvez 10 a 15 anos-, mas que não será permanente. Além disso, pode se argumentar que se não se agregar mais conhecimento às exportações, será difícil alcançar desenvolvimento econômico sustentável baseado nos recursos naturais.
Tendo isso em vista, seria sensato gastar pelo menos uma parte desses lucros na melhora da capacidade de inovação, que é essencial para o crescimento de longo prazo, mais além da flutuação dos preços internacionais das commodities. Isso significa investir em educação e criar incentivos para melhorar a produtividade por meio de mudanças nos produtos, processos ou na organização.
Então, o que ocorreu com as receitas adicionais decorrentes da alta das commodities nos últimos anos? Alguns desses fundos foram destinados a melhorar o balanço fiscal dos países. Enquanto déficit primário (que exclui o pagamento de juros) em 2002 era similar entre os países com e sem recursos naturais importantes, em 2007, os primeiros tinham superávit equivalente a 3,8% do PIB – em comparação ao de 1,6% do PIB dos países não exportadores de commodities.
Como resultado, a dívida pública caiu de 51% do PIB da região, em 2003, para 28% do PIB em 2008. A consolidação fiscal, contudo, não foi resultado de regras fiscais formais. Enquanto muitos países estabeleceram limites legais para controlar gastos, déficits e endividamento, em alguns casos – por exemplo, Argentina, Equador e Venezuela – tais leis não foram aplicadas.
Além de reduzir as dívidas, o Chile usou as receitas adicionais para aumentar os recursos de dois fundos fiscais: quando a recessão começou, havia mais de US$ 22 bilhões em ativos nos dois fundos. Apesar da gestão fiscal imprudente, a Venezuela também manteve recursos consideráveis em fundos específicos (US$ 11 bilhões no fim de 2008). Equador e Colômbia, em contraste, eliminaram seus fundos de estabilização em 2005 e 2008, respectivamente.
Além de melhorar as contas públicas, uma grande parte das receitas com os preços elevados das commodities foram usadas para aumentar os gastos públicos, embora essa proporção tenha variado de país a país. Em um extremo está a Argentina, com o maior aumento nos gastos públicos em relação ao PIB na América Latina (quase dez pontos). Em outro extremo, estão Chile, Costa Rica e Uruguai.
Como não se especifica nas contas fiscais nacionais qual parte da arrecadação se refere a produtos ligados a recursos naturais, apenas podemos nos aventurar a dar palpites razoavelmente bem informados sobre como foi alocada. Entre 2001-2002 e 2007-2008, os investimentos em bem-estar social nos países com recursos naturais abundantes aumentaram em torno a 55% em termos reais, com os gastos em relação ao PIB tendo aumentado em quase 3,5 pontos percentuais. Portanto, na esfera regional, uma grande parte dos recursos adicionais foi usada para elevar os gastos públicos, especialmente em seguridade social, saúde e educação, nessa ordem.
Em alguns países, também houve aumento nos subsídios. Na Argentina, por exemplo, os subsídios às fontes de energia e transporte aumentaram para o equivalente a 3% do PIB. Algo muito similar ocorreu no Equador e Venezuela ao longo da década. Em contraste, os gastos em outros fins – por exemplo, pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos – aumentaram muito pouco.
Em resumo, os países latino-americanos usaram as receitas adicionais com as exportações para pagar dívidas e aumentar os investimentos sociais. Ambos eram necessários, mas com algumas poucas exceções, a região não vem usando as receitas excepcionais com as commodities para fazer o que deveria: melhorar a capacidade tecnológica de forma suficiente para assegurar que o crescimento econômico futuro não dependa inteiramente da instabilidade dos recursos naturais finitos.
Jose Luis Machinea, ex-diretor executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e ex-ministro da Economia da Argentina, é decano da Escola de Governo da Universidad Torcuato Di Tella, em Buenos Aires. Copyright: Project Syndicate, 2011.