O governo prepara “mudanças estruturais” no segmento de etanol para combater a forte alta de preços e dissipar a ameaça de desabastecimento do produto no mercado interno. É uma tentativa de organizar o setor a longo prazo, deixando de agir apenas em crises pontuais como a atual.
Os ministérios da Fazenda, das Minas e Energia e da Agricultura avaliam, em conversas reservadas, alterar o “status” dispensado ao etanol, que passaria a ter tratamento de combustível em vez de produto derivado da agricultura. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) terá mais poderes para fiscalizar e controlar de forma mais efetiva toda a cadeia produtiva do etanol, assim como faz hoje com a gasolina e o óleo diesel. Isso já foi avisado a produtores de cana-de-açúcar, usineiros e distribuidoras de combustíveis. Hoje, avalia o governo, o etanol vive uma “situação híbrida”. É meio agrícola, meio combustível. A meta é tratá-lo no mesmo nível dos derivados do petróleo.
A contrapartida do governo ao setor será “financiamento adequado”, por meio do BNDES, para construção e ampliação de novas usinas. Há, ainda, um esforço para desonerar as distribuidoras e os produtores rurais. O governo admite que as margens dos usineiros são apertadas – o momento atual é tratado como “exceção”. O núcleo decisório avalia, internamente, que essas margens são “deprimidas” por dois motivos: os custos de produção têm crescido e o governo segura de “forma artificial” os preços da gasolina. Isso impede uma livre flutuação nos preços do etanol, quase sempre balizado pelo derivado de petróleo. Haveria uma perda de competitividade nessa relação. O preço alto do etanol desestimula a venda de carros “flex”. E a indústria poderia ser obrigada a rever planos para esses motores.
As distribuidoras já foram avisadas sobre a urgência de reduzir suas margens para compensar a nova política. Há “forte incompatibilidade”. O governo também sabe da opção dos usineiros pela produção de açúcar em detrimento do etanol. Hoje, a remuneração da commodity supera o etanol em uma média de 75%. Mas debita parte do problema à grave crise vivida pelo setor a partir de 2008.
Mesmo sem antecipar medidas, o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, avalia que “há dificuldades na oferta” do etanol, mas que punições ao setor não ajudariam a solucionar o problema. “A crise de 2008 retardou os investimentos. Há um descompasso entre demanda firme pelos carros ‘flex’ e oferta ajustada”, afirmou na quinta-feira ao Valor.
O ministro admite que, hoje, o setor é “incapaz” de gerar ofertas adicionais. E afirma que o “reposicionamento” das exportações, que recuaram drasticamente desde 2008 (de 5 bilhões para 1,9 bilhão em 2010), evitou um problema ainda maior. Reduzir a mistura de 25% de etanol na gasolina, segundo ele, não soluciona o drama. “Só a mistura não é eficiente. Sinaliza ao setor, mas não resolve. Punir não é o caso agora”, afirma.
Nos bastidores, fontes do governo avaliam ter poucos mecanismos para intervir no mercado de etanol. Mexer na mistura não ajuda e as linhas para estocagem (“warrantagem”), por exemplo, só estimulam uma “autofagia” no setor. Grandes empresas contratam empréstimos subsidiados para comprar etanol de pequenas destilarias. Vendem na entressafra e geram mais desigualdades.
Os especialistas entendem que o atual desequilíbrio tem raízes na crise de 2008. Antes disso, os usineiros usavam capital de giro para investir em novas plantas. A crise financeira global derrubou o setor. As empresas ficaram sem dinheiro para pagar dívidas de curto prazo e foram vendidas. O setor passou por “desnacionalização” – estima-se que 35% das usinas estejam com estrangeiros. E o movimento teve outro efeito colateral: as múltis compraram as usinas, mas pouco investiram em novos projetos, o que ajudou a frear a oferta de etanol. “Só trocou de mãos. Não teve investimento”, diz uma fonte do governo. Saíram de cena gigantes como Santelisa, NovAmérica, Vale do Rosário e Vale do Ivaí. Entraram os estrangeiros ADM, Louis Dreyfus, Bunge, Tereos, Abengoa, Shree Renuka. “E o governo não fez nada para impedir ou suavizar isso”, avalia a fonte graduada.
Na base da cadeia produtiva, os produtores de cana estão preocupados com o cenário. Buscam reforçar o lobby no Congresso e temem uma queda brusca nos preços do açúcar, o que levaria a uma “quebradeira generalizada” no setor. Essa crise poderia gerar insegurança no consumidor.