Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Economia

O preço dos alimentos e o 'dilema do prisioneiro'

Declínio no preço dos alimentos é faca de dois gumes para empresas de processamento de alimentos e bebidas devido a inflação de insumos.

O preço dos alimentos e o 'dilema do prisioneiro'

O declínio de 5,3% no preço dos alimentos – de acordo com índice da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) – em relação ao pico verificado em fevereiro é uma faca de dois gumes paras as empresas de processamento de alimentos e bebidas às voltas com a inflação de insumos.

A queda é vista por muitos, incluindo a FAO, como um abalo temporário. Além disso, a indústria alimentícia compra commodities em contratos de longo prazo e costuma fazer operações de hedge para proteger-se de sua exposição às variações – de forma que o impacto dos preços mais baixos pode levar seis meses ou mais para chegar aos lucros em seus balanços.

A mudança de direção tem pouco impacto em comparação à pressão que a indústria processadora enfrenta no outro lado de suas operações: consumidores com menos dinheiro disponível.

Portanto, o que pareceria ser uma pausa para descanso provavelmente será aproveitado pelas redes varejistas para tentar atrair compradores, segundo analistas. “As commodities agrícolas claramente retrocederam um pouco e geralmente isso é boa notícia para a indústria”, afirma Jamie Isenwater, analista do Deutsche Bank. “No entanto, isso de fato exige uma decisão difícil e, de certa forma, poderíamos argumentar que sair de uma alta nas commodities é mais difícil de administrar do que seguir atravessando uma”, acrescenta.

A decisão se resume a aproveitar os ganhos, dando fôlego a suas pressionadas margens de lucros, ou repassá-los aos consumidores para ampliar as vendas em volume.

Para os grandes grupos alimentícios europeus, como Nestlé, Unilever e Danone, a primeira opção seria a preferível, de acordo com analistas. A escolha, entretanto, não é exclusiva deles: redes varejistas e outras companhias alimentícias complicam ainda mais a equação.

O analista Alan Erskine, do UBS, chama a situação de ” dilema do prisioneiro”. “Quando você tem um ambiente ‘macro’ como o que temos hoje e promiscuidade [ou indiferença] dos consumidores em relação aos preços, então sempre haverá alguém que cederá saindo das fileiras.”

Andrew Lazar, analista do Barclays Capital, especializado em consumo, acrescenta que os “varejistas estão sempre pressionando os processadores” de alimentos. As empresas alimentícias deveriam aprender com os erros cometidos em 2009, quando reduziram os preços depois do declínio das commodities para tentar impulsionar os volumes, afirma Lazar. Como os consumidores dos Estados Unidos continuavam fragilizados, os descontos não geraram crescimento no volume de vendas e levaram à queda nos lucros.

Erskine concorda. A indústria de alimentos não conseguiu manter as margens em 2009 “e muitos dos que tentaram aprenderam rapidamente a lição”.

Outro problema com a deflação, acrescenta, é seu caráter de novidade: com exceção de 2009-2010, o setor não tem muita experiência em lidar com a situação. “Quando há qualquer pressão inflacionária, eles têm manuais de sobra […], mas para a deflação não há tantos.”

O declínio no índice da FAO é resultado do recuo na cotação de grãos, açúcar e óleos vegetais, em meio aos receios de queda na demanda e desaceleração da economia mundial, algo exacerbado pelo fato de que os preços estavam perto de patamares recorde.

De qualquer forma, os operadores continuam acreditando que o preço de alimentos, como milho, carne bovina ou arroz, poderia atingir novos recordes, por falta de oferta. Apesar do recente recuo, o índice de preços de alimentos da FAO continua 16% acima de onde estava há 12 meses.

Historicamente, as empresas de produtos embalados geraram cerca de 50% do valor para os acionistas quando elevaram os preços em tempos de alta das matérias-primas e, depois, os mantiveram durante quedas subsequentes, afirma o consultor Richard Benson-Armer, da McKinsey.

Muitos conglomerados ligados ao setor de alimentos, ao repassar apenas aumentos modestos nos preços que cobram, absorveram a alta de custos quando as commodities subiram e deveriam recuperar isso quando os custos recuam, acrescenta.

Concretizar isso, contudo, nem sempre é fácil, especialmente com os supermercados envolvidos em guerras de preço e os consumidores em situação de instabilidade financeira.

Além disso, preços baixos nem sempre equivalem a grandes vendas. Como observa Erskine, a elasticidade é uma mão de duas vias. “As pessoas sempre compram a mesma quantidade de papel higiênico, não importa o preço”, afirma. (Colaborou Jack Farchy)