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Argentina

Barreira para atrair investimentos

Empresas que tiverem filial na Argentina terão licença de importação mais ágil.

Os fabricantes brasileiros de calçados alegam que a Argentina começou a liberar mais rapidamente licenças de importação para empresas que também possuem produção no país. Com dificuldades para exportar desde o início do ano, algumas companhias relatam que estão em busca de parcerias locais para obter um melhor tratamento no país vizinho e sócio do Mercosul.

A situação também provoca constrangimento no setor calçadista no Brasil, porque pode privilegiar empresas que já possuem fábricas na Argentina como Vulcabras, Paquetá ou Dilly. Mas essas companhias argumentam que também enfrentam dificuldades. A Vulcabras, que investiu US$ 60 milhões no país, informa que têm licenças com 120 dias de atraso. O Ministério da Produção da Argentina nega qualquer diferenciação.

“O governo argentino começou a contingenciar a liberação das licenças de importação à existência de produção local”, confirmou ao Valor Milton Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria Calçadista (Abicalçados) e da Vulcabras. “Apesar de esse tipo de medida fazer sentido para incentivar o investimento no país, as pequenas empresas são as mais prejudicadas”, completou.

Segundo Cardoso, a Abicalçados propôs ao governo argentino adotar um regime distinto para os pequenos fabricantes. Uma ideia em discussão é estabelecer um volume de pares de calçados abaixo do qual não seriam necessárias as licenças de importação ou não haveria tratamento distinto para quem tem produção no país. Representantes dos fabricantes de calçados brasileiros e argentinos se encontram hoje em Buenos Aires.

Conforme a assessoria de imprensa do Ministério da Produção da Argentina, “não existe uma política de tratamento diferenciado por conta do investimento”. O ministério informou ainda que “se houve algum atraso na liberação das licenças, é um problema de ordem administrativo”. Os brasileiros relatam que as licenças chegam a demorar quatro meses, o dobro do prazo de 60 dias permitido pela Organização Mundial de Comércio (OMC).

A West Coast informa que possui mais de 50 mil pares em estoque por causa da burocracia da Argentina, o que representa 40% das vendas ao país, segundo o diretor de Operações, Eduardo Scheffer. Ele conta que negocia com o distribuidor uma solução para os modelos que ainda são da coleção de verão. Para fugir das barreiras, a empresa fechou recentemente uma parceria com a argentina Distrinando e quer exportar calçados semiprontos para finalizar no país. Mas ainda não conseguiu as licenças para o lote-teste de 5 mil pares solicitadas há 60 dias. “Tomamos essa iniciativa para ter mais poder de barganha junto ao governo da Argentina”, disse Scheffer.

A reunião de hoje é a terceira rodada de negociações entre os setores privados depois que a crise internacional e a adoção das licenças de importação reduziram as exportações do Brasil para a Argentina. O objetivo é que os empresários cheguem a um acordo para limitar as exportações brasileiras. Hoje estarão presentes calçados, autopeças (freios, embreagens, baterias), farinha de trigo, máquina-ferramenta (torno), móveis e lácteos. A lista de reclamações dos dois países é ainda mais ampla.

Técnicos dos dois governos vão acompanhar as conversas, mas não estarão presentes o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, e o secretário da Indústria da Argentina, Fernando Fraguío. Eles só devem participar de um próximo encontro em maio. Até agora as reuniões não têm sido muito produtivas. Os empresários brasileiros chegam a reclamar que os argentinos preferem postergar as decisões, porque estão protegidos pelas licenças.

Nos calçados, as exportações do Brasil para a Argentina caíram 54% em volume no primeiro trimestre em relação a igual período de 2008, saindo de 2,3 milhões de pares para 1,07 milhão. O percentual está bem acima da queda de 25% da exportação total de calçados do país de janeiro a março. Em valores, as vendas do Brasil para a Argentina recuaram quase 49%, enquanto as exportações totais caíram 26%. Por conta das barreiras e da crise, a Argentina é hoje o quinto destino das exportações brasileiras de calçados. Em 2008, o país ocupava o posto de segundo maior cliente do Brasil.

Com a crise global, o protecionismo argentino preocupa muito mais os fabricantes brasileiros de calçados, porque é complicado deslocar o produto para outros mercados. Para os Estados Unidos, maior cliente do Brasil, as vendas caíram 33% em volume e 32% em valor no primeiro trimestre. O percentual também é inferior a queda para a Argentina, apesar dos EUA estarem no epicentro da crise global. O comércio de calçados entre Brasil e Argentina é administrado por cotas informais seladas em “acordos de cavalheiros” entre os empresários desde 1999 e os argentinos utilizam licenças de importação desde 2004, mas a pressão só cresceu no fim do ano passado, quando a economia da Argentina perdeu o fôlego.

Segundo Jair Bergonsi, diretor-comercial da Via Uno, as licenças de importação para a coleção de inverno foram solicitadas em novembro, mas só saíram na semana passada. Ele afirma que cerca de 20% dos pedidos foram cancelados por causa do atraso e calcula que poderia ter vendido até 30% mais se as barreiras não existissem. Bergonsi disse que o calçado brasileiro está mais competitivo na Argentina, por conta da desvalorização do real e porque a alta inflação no país vizinho corroeu as vantagens locais. Mesmo assim, a Via Uno avalia produzir na Argentina. “A produção na Argentina pode ser competitiva e, se isso abrir facilidades na liberação das licenças de importação, acaba valendo a pena”, disse.

Algumas empresas, porém, não pretendem fazer investimentos na Argentina para driblar as barreiras protecionistas. “Não vale a pena. Teríamos que criar uma nova empresa em um outro país só por causa dessa barreira”, disse o diretor-presidente da Calçados Bibi, Marlin Kohlrausch. “A nossa empresa gera empregos no Brasil. O governo brasileiro precisa engrossar com os argentinos e cortar importação de vinhos e carros.” A Bibi conseguiu embarcar para a Argentina cerca de 10 mil pares, um terço dos pedidos que tem este ano em carteira. “Mas poderíamos estar vendendo 80 mil pares”, reclama o empresário.