Redação (16/02/2009)- Preocupado com a queda, em janeiro, da expansão do comércio do Brasil com os países da América do Sul, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, convocou uma reunião, na semana passada, com órgãos de governo ligados ao tema. Estavam no encontro representantes dos ministérios de Relações Exteriores, do Desenvolvimento e da Fazenda, executivos do Banco do Brasil e da Agência de Promoção de Exportações (Apex). Discutiram maneiras de incrementar o comércio com os vizinhos e saíram desanimados do encontro.
Além da queda das vendas brasileiras à Argentina, de mais de 48% em comparação a janeiro do ano passado, assusta a reversão da tendência de crescimento das exportações para outros países da América Latina, que, em dezembro, já haviam caído quase 6% e, em janeiro, despencaram 30%, quando comparadas ao mesmo mês do ano anterior. Nas importações, à exceção da Argentina, ainda se nota aumento nos volumes, mas em ritmo cada vez menor, menos de 5% em janeiro. O Brasil exporta mais que importa de todos seus vizinhos, à exceção da Bolívia, e o temor de que esses saldos alimentem respostas protecionistas incomoda o governo.
O Brasil busca mecanismos para facilitar não só o crédito aos compradores de mercadorias brasileiras, mas também o financiamento aos exportadores dos países do continente em negócios com importadores brasileiros. A delicada situação financeira e as turbulências políticas na vizinhança dificultam a criação desses mecanismos. Mas, na avaliação do governo brasileiro, respostas a esse problema são fundamentais para garantir a expansão das empresas brasileiras além das fronteiras e evitar um progressivo mal-estar capaz de fomentar pressões protecionistas lá fora e dentro do país.
São três as principais questões em discussão no governo, relacionadas com as trocas comerciais no continente. A primeira delas é o alto custo cobrado pelas próprias instituições financeiras do Brasil nos créditos para exportação aos países vizinhos, ou nos chamados empréstimos concessionais, para os países sul-americanos, que compram serviços de empresas brasileiras. O problema, nesse caso, é o alto risco nos empréstimos a países da região.
Além do custo, o Itamaraty leva ao governo as queixas dos países vizinhos sobre o rigor do Cofig, o comitê interministerial de avaliação de créditos, que cria obstáculos a empréstimos, movido por critérios prudenciais. O governo busca uma maneira de reduzir o risco de crédito e facilitar a tramitação dos empréstimos no Cofig, mas não encontrou um instrumento financeiro adequado, até agora.
Outra linha de ação dos técnicos é um sonho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, repetido em discursos: aumentar o comércio entre os países da América do Sul usando moeda local – como feito desde o ano passado com a Argentina, com um sistema de interligação dos sistemas informatizados dos bancos centrais, que permite firmar negócios em reais e pesos, sem necessidade de posse de dólares ou outra moeda estrangeira. A popularização desse esquema na América do Sul abre caminho para a conversibilidade do real, ou para a ambição de uma moeda comum. Mas não é simples.
Foi necessário um grande esforço de atualização do sistema informatizado do banco central argentino para o funcionamento do esquema, e os investimentos foram justificados pelo grande volume de comércio entre os dois países. Mesmo assim, Brasil e Argentina, com um comércio bilateral superior a US$ 30 bilhões anuais, realizaram apenas 28 operações, de pequeno valor, desde que o sistema entrou em funcionamento, em outubro – apenas uma delas era de uma empresa argentina exportando ao Brasil; todas as outras fizeram o caminho inverso.
A terceira frente em estudo pelo governo brasileiro é a criação de facilidades para os vizinhos exportarem ao Brasil. É nesse ponto, por exemplo, que se inclui o estudo revelado pelo Valor, dos chamados mecanismos de swap, que permitiriam aos países sacar reais do Banco Central brasileiro depositando nele suas moedas locais, facilitando as compensações de câmbio nas trocas comerciais com o Brasil. Esses sistema, na avaliação dos técnicos, reduziria o risco de crédito nessas operações, mas não se sabe ainda como botar em marcha o mecanismo.
Já há algum tempo o governo criou também programas para estimular a integração das cadeias produtivas, com a negociação entre empresas para compra de partes e peças em países sul-americanos. Uruguai e Paraguai foram os primeiros países-alvo desse Programa de Substituição Competitiva de Importações, de resultados medíocres até agora. Imagina-se criar no Uruguai uma produção de peças e partes para a frota pesqueira brasileira e incentivar fornecedores paraguaios para a indústria avícola no Brasil, mas isso é, ainda um sonho diplomático. Falta qualidade e variedade de produtos na vizinhança para chegar ao mercado brasileiro.
A busca de saídas criativas esbarra nas dificuldades práticas e até ideológicas dentro do país. As empresas ensaiam, por exemplo, a instalação, no Chile, de subsidiárias para montar lá produtos acabados com componentes exportados do Brasil, e aproveitar os mais de 50 acordos chilenos de livre comércio com mercados como Estados Unidos, Europa e países asiáticos. Mal começaram a falar do tema, as empresas receberam oposição severa da Central Única dos Trabalhadores (CUT) , que acusou a iniciativa de ser uma "exportação de empregos" brasileiros.
A CUT não levou em consideração que o estoque de investimentos chilenos no Brasil é quase duas vezes e meia maior que o de investimentos brasileiros no país andino. Se fizesse sentido esse raciocínio de exportação de empregos, quem deveria estar reclamando seriam os chilenos. E não estão, porque sabem dos benefícios dos investimentos de suas empresas no exterior, que voltam sob a forma de dividendos, royalties e encomendas.