Quando assumiu a presidência da subsidiária brasileira da multinacional americana Cargill, em junho de 2008, Marcelo Martins não imaginava o quanto seu desafio seria diferente do que se apresentava no processo de seleção que lhe garantiu o posto.
Até então a economia global crescia aceleradamente, puxada por emergentes como China, Índia, Rússia e Brasil, e os preços internacionais das commodities agrícolas atingiam máximas históricas, produzindo uma preocupante “agroinflação” global dos alimentos, mas incentivando planos de expansão e investimentos.
A maré mudou com o aprofundamento da crise financeira irradiada dos Estados Unidos, em setembro de 2008, e com isso mudaram também as missões de Martins à frente da segunda principal operação da maior companhia de agronegócios do mundo em 2009 – no tabuleiro global da Cargill, o Brasil só é menor que os EUA
O executivo reconhece que a mudança de cenário exigiu ajustes, mas diz que as medidas adotadas mantiveram a empresa no prumo. “A gestão tornou-se mais cautelosa, houve racionalização e foram maiores as exigências na concessão de crédito aos agricultores, que mesmo assim não diminuiu. Conseguimos, assim, preservar a mão-de-obra”, ainda que cortes pontuais tenham sido feitos.
Segundo Martins, “a grande maioria dos negócios da Cargill no Brasil atingiu ou superou suas metas financeiras e não financeiras” este ano. As exportações, sobretudo graças ao forte ritmo do primeiro semestre – e apesar do câmbio desfavorável -, alcançaram US$ 2,158 bilhões de janeiro a outubro, 11,2% mais que em igual intervalo de 2008, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
No ranking das maiores empresas exportadoras do País no período, a Cargill ficou na 6º posição. No setor de agronegócios, a múlti perdeu apenas para a Bunge, 3ª colocada na lista geral da Secex.
Ele ainda não sabe dizer se esses pontos positivos significarão uma volta ao lucro no País em 2009, o que não acontece há algum tempo, mas garante que foi o suficiente para gerar um sentimento positivo sobre 2010.
“Estamos com um mercado doméstico forte, a safra [2009/10, em fase final de plantio] está indo bem e a atividade econômica mundial tende a se recuperar, o que continuará a sustentar a demanda por alimentos”, afirma.
Em 2007, quando sua receita operacional líquida consolidada no Brasil alcançou R$ 12,7 bilhões, a Cargill teve prejuízo líquido de R$ 141 milhões. Em 2008, a receita líquida aumentou para R$ 16 bilhões, mas o prejuízo também cresceu, para R$ 383,2 milhões.
Essas perdas locais não foram desprezíveis, mas, por ser o Brasil um dos principais fornecedores de matérias-primas para outras subsidiárias do conglomerado, fizeram parte de uma estratégia que garantiu um robusto lucro global de US$ 3,3 bilhões no exercício encerrado em maio passado, apesar da queda de 16% em relação ao período anterior. O faturamento total da companhia chegou a US$ 116,6 bilhões, retração de 3% na mesma comparação.
A estratégia fica mais clara quando confrontada com os objetivos traçados pela multinacional para a América Latina e para a região conhecida como Ásia/Pacífico. Juntas, elas abrigam, atualmente, 26% dos ativos do grupo, participação que deverá subir para 30% até 2015. Boa parte das matérias-primas processadas na Ásia sai da América do Sul, particularmente de Brasil e Argentina.
“Proporcionalmente, portanto, essas regiões [América Latina e Ásia/Pacífico] receberão mais investimentos do que América do Norte e Europa”, afirma Martins.
E os aportes no Brasil não pararam por causa da crise. Foi inaugurada uma nova esmagadora de soja de R$ 210 milhões em Primavera do Leste (MT) – a companhia voltou a ter seis unidades do gênero no País -, já com planta de refino e envase de soja e cogeração de energia elétrica, e a fábrica de processamento de milho de Uberlândia (MG) está na reta final de uma expansão orçada em R$ 112 milhões.
Uberlândia, por sinal, tornou-se nos últimos anos o maior “site” industrial da Cargill fora dos EUA. Além do milho para exportação, o complexo processa soja, refina e envasa óleo de soja, produz ácido cítrico e também contará com uma usina de cogeração, a partir de um investimento adicional de aproximadamente R$ 70 milhões.
Além disso a empresa venceu, em parceria com a Louis Dreyfus, a concorrência pelo terminal graneleiro em Santos (SP) que era controlado por ela mas cuja concessão havia vencido. Os vencedores não correram riscos e ofereceram R$ 288 milhões na licitação, R$ 221 milhões a mais que o preço mínimo estabelecido pela Codesp, autoridade portuária local.
“É um terminal estratégico para a empresa. Toda uma cadeia produtiva dependia dessa vitória”, diz Martins. A nova concessão vale por 25 anos prorrogáveis por mais 25.
Outro projeto que evoluiu foi a ampliação da capacidade de moagem de cana no entorno da usina Cevasa, em patrocínio Paulista (SP), na qual detém 63% de participação, cabendo a produtores locais a fatia restante. A usina produz apenas etanol, mas até o ano que vem passará também a fazer açúcar. A múlti não revela os investimentos na Cevasa, mas estima-se no mercado, como já informou o Valor, que se trata de um projeto de quase R$ 200 milhões.
Na frente sucroalcooleira, a Cargill vem ampliando sua atuação normalmente por meio de parcerias, e o grupo tem como trunfo um terminal de exportação de açúcar também em Santos.
“Temos a intenção de fortalecer nossa posição nesse mercado, mas a prioridade não é a compra de ativos. O importante é assegurarmos uma cadeia de abastecimento para atender ao mercado internacional”, diz o executivo.
Se na área de cacau 2009 foi de consolidação após investimentos na produção de chocolates e achocolatados em Porto Ferreira (SP), na área sócio-ambiental a Fundação Cargill teve orçamento superior a R$ 3 milhões, e este deverá chegar a R$ 4 milhões em 2010.
O ritmo de investimentos não deverá diminuir no ano que vem, mas Marcelo Martins é “franciscano” com as informações sobre novos projetos. Além da conclusão da expansão do complexo de Uberlândia, logo no início de 2010, ele se limita a revelar que será inaugurado um centro tecnológico em Campinas (SP), voltado a inovações para a indústria alimentícia.
Pelo menos R$ 10 milhões serão aplicados no novo centro. Será o terceiro do gênero da Cargill, que já conta com unidades nos Estados Unidos e na Bélgica.
Com isso a multinacional espera continuar a engordar seu portfólio brasileiro, como fez este ano. Entre outras novidades destacadas por Martins, a Cargill lançou molhos para saladas, um edulcorante para uso industrial, um plástico biodegradável à base de milho e uma linha de chocolate branco.
O ano também marcou a saída da Cargill da área de carnes no Brasil. Administrada pela matriz americana, a Seara, forte em carnes de frango e suína, foi vendida para a brasileira Marfrig por US$ 900 milhões. A múlti já havia vendido a operação de suco de laranja no pais há alguns anos.