A Sociedade Rural Brasileira (SRB) está completando 90 anos com a experiência de um ancião e a disposição e inquietude de jovens que sabem da importância e do papel que o agronegócio vêm assumindo nos últimos anos. Em 2008, o agronegócio contribuiu com US$ 60 bilhões para o saldo da balança comercial, contra US$ 24,7 bilhões de todo o resto da economia. Em 2003, apenas seis anos atrás, a contribuição do agronegócio era de US$ 25,8 bilhões, quase igual aos US$ 24,8 bilhões dos outros setores. Participação que tem tudo para permanecer em crescimento, pois as exportações da agroindústria devem continuar crescendo 1,3% ao ano até 2030, segundo dados da consultoria Ernst & Young Brasil e do FGV Projetos.
Se os números são grandes, a lista de queixas não é menor. O presidente da SRB, Cesário Ramalho da Silva, destaca a falta de infraestrutura, a lei ambiental, “velha de 40 anos”, a falta de um seguro ao produtor e a variação cambial, que está levando os brasileiros a exportarem mais e a receberem menos. Silva chegou à presidência da SRB no final de 2007, para substituir João Sampaio, que assumiu a Secretaria da Agricultura de São Paulo. Em seguida, foi eleito para o triênio 2008-2010. Abaixo, trechos da entrevista que concedeu ao Valor:
Valor: Quais os maiores desafios e dificuldades que o senhor vem enfrentando no comando da Sociedade Rural Brasileira?
Cesário Ramalho da Silva: O grande desafio é acomodar o agronegócio a uma nova realidade dentro da sociedade brasileira, numa nova situação que é a de explosão desse setor. O agronegócio explodiu nas suas produções, nas suas responsabilidades, como grande fornecedor de alimentos não só internamente como externamente. Hoje temos tudo aqui, só importamos o trigo. Exportamos 30% da nossa produção para mais de 150 países. Temos dez produtos em que estamos entre o primeiro produtor ou primeiro exportador. Somos o primeiro em produção e exportação em café, suco de laranja, carne bovina e cana de açúcar. O Brasil ganhou o status de grande player do mundo do alimento. E isso gerou aqui um sem número de dificuldades.
Valor: Quais são as principais?
Silva: Temos uma legislação ambiental de 40 anos atrás, quando o Brasil era pequeno produtor de alimentos para consumo interno, utilizando a fertilidade natural do solo. Tínhamos uma agropecuária que era extrativa e de subsistência. Num espaço de 40 anos, a agropecuária mudou radicalmente. Temos hoje uma agricultura de alta competitividade e tecnologia, e isso significa custos que precisam ser administrados. Com esses custos estamos produzindo e vendendo mais, temos volume. Somos invejados no mercado internacional, consideram o Brasil o patinho feio do agronegócio, porque estamos roubando mercados. E temos um potencial de crescimento muito grande ainda.
Valor: O Brasil e o mundo parecem estar saindo da crise. Qual a posição atual do agronegócio nesse cenário?
Silva: O Brasil está saindo da crise, o mundo está saindo da crise, mas a crise na agricultura se mantém. A crise é a falta de infraestrutura. Não temos transporte, modal de transporte. A logística limita o avanço do nosso negócio. Porque se nós tivéssemos melhores condições, teríamos também maior prazer em produzir, mas quem produz não tem como transportar, não tem armazém para guardar. No Mato Grosso, a safra de milho deste ano ficou ao léu, exposta ao sol e à chuva. Porque não teve financiamento adequado para fazer o armazém, porque as exigências de cadastro e de garantias são maiores do que aquelas que o produtor pode dar. Perdemos centenas de toneladas de milho porque não tínhamos onde guardar, nem como transportar. O governo, responsável pela infraestrutura, não cumpriu seu papel. Então não tenho estrada, ferrovia, a hidrovia, não tenho porto.
Valor: Como o senhor vê a posição do Brasil com relação à tecnologia na agroindústria?
Silva: Acho que ampliamos muito nosso conhecimento nesses 35 anos da Embrapa, e estamos em condições de crescer na pesquisa, mas é preciso mais recursos. E precisamos fazer a iniciativa privada participar permanentemente dessa questão, porque sua presença é ainda muito pequena.
Valor: Qual a previsão de crescimento para o setor neste ano?
Silva: Devemos produzir 140 milhões de toneladas, contra 134 milhões de toneladas da última safra. É um crescimento pequeno, de 4,8%, por ganho de produtividade, em função de clima, porque tivemos muito problema nesta última safra.
Valor: O senhor acha que o governo está pouco atento às dificuldades dos produtores?
Silva: Eu acredito que o presidente deveria ter uma força maior nessas questões, ele tem uma liderança e uma popularidade tão grandes que devia se preocupar mais com o agronegócio. Não é que ele faça vistas grossas, o presidente é um homem de rara inteligência, uma liderança política como poucas vezes a gente viu, mas acontece que tem um sistema de apoio à Presidência que é contra essas coisas. Então, nós temos dificuldades em todos os lados que vamos mexer. Estamos vencendo, mas estamos demorando demais.
Valor: Qual a importância do seguro rural para o setor?
Silva: A falta dele revela a pouca importância que se dá ao agronegócio. A falta do seguro rural justifica a grande quantidade de dívidas dos agricultores, porque se temos um problema, como tivemos no Paraná – que este ano perdeu 30% da sua produção de grãos – não há como pagar. O mundo inteiro tem seguro. Na crise, grandes indústrias como a Fiat ou a Embraer demitiram ou deram férias coletivas, porque não vendiam carros ou aviões. O agricultor, se não plantar hoje, pode perder tudo, porque a soja, por exemplo, tem uma questão de sol, de iluminação. Então vou plantar da mesma forma, mesmo sabendo que não vou receber o que estou investindo, e que nenhum seguro vai me ressarcir.
Valor: Como o senhor avalia a questão da reforma agrária?
Silva: É uma coisa completamente falida, porque se trata de um distributivismo de terra, mas os resultados são pífios. A terra é um pedacinho da história da produção agrícola hoje. Porque eu não preciso ter terra para produzir, eu preciso de conhecimento, de tecnologia, de gestão, do saber administrar. Não adianta alguém me dar uma terra se eu não tiver recursos técnicos, consultorias, assistência técnica para produzir.
Valor: Como os ruralistas veem os protestos dos ambientalistas?
Silva: Quem derruba na Amazônia não é mais o produtor rural. Quem derruba na Amazônia é grileiro, é o ladrão, é o posseiro, é caso de polícia, é a falta do Estado lá. O setor rural é crucificado por esquizofrenias internacionais. Porque o que as ONGs internacionais querem é que o Brasil preserve tudo. O Brasil tem 51% do seu território preservado e a Europa tem 0,1%. Eles querem preservar áreas às nossas custas. O produtor, mais que ninguém, sabe que se ele não preservar o meio ambiente o seu filho não vai mais poder plantar.