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Câmbio

Liberdade cambial?

<p>Artigo do economista Antonio Delfin Neto para o jornal Valor Econômico discute o atual modelo da taxa de câmbio no Brasil.</p>

Erra-se muito na discussão do problema da taxa de câmbio no Brasil. Quando se afirma que “a taxa de câmbio ou é fixa ou é flutuante” e ainda se ensina que na segunda hipótese ela é determinada livremente no mercado pela oferta e procura de dólares, comete-se um equívoco que pode ter graves consequências para o desenvolvimento econômico do País.

A primeira proposição é obviamente falsa, como mostram as estatísticas do Fundo Monetário Internacional. Entre o sistema de câmbio fixo e o de taxas flutuantes existem tantos regimes quanto os números reais no conjunto fechado (0,1)!

É fato que um processo de seleção e o desenvolvimento das políticas econômicas têm levado a uma concentração nos sistemas de câmbio “flutuante”, mas estes envolvem dezenas de tipos de “intervenção”. No começo do segundo semestre de 2009, por exemplo, todos os Bancos Centrais do mundo (onde o câmbio flutua!) realizaram intervenções abertas ou em sigilo nos “mercados” para prevenir valorizações cambiais indesejadas naquele momento.

Os dois sistemas, ou “modelos”, são espécimes de entes platônicos que não encontram correspondência na realidade. Não existe nem o câmbio “rigorosamente fixo” nem o “absolutamente flutuante” (a não ser em instantes fugazes dos livros-texto) devido aos seus inconvenientes em momentos de crise.

A segunda afirmação, que no câmbio flutuante a taxa é determinada livremente no mercado pela oferta e procura, revela apenas ignorância, no sentido honesto da palavra que significa “precariedade de conhecimento”. Ela omite a questão fundamental que é saber: “Quem constrói o mercado?” Ou melhor, quem constrói a “oferta” e a “procura” de dólares?

É preciso distinguir dois mercados. Um de bens e serviços (exportação e importação) em que as transações têm maiores consequências sobre o nível de emprego da economia. Nele se geram as divisas para pagar as importações de bens de consumo, de capital, de tecnologia e dos bens intermediários que abrem as perspectivas de novos investimentos e retroalimentam o desenvolvimento.

Quando há limites para o movimento de capital financeiro, mas liberdade para investimento direto, este mercado “comercial” estabelece uma taxa de câmbio capaz de manter em relativo equilíbrio o saldo em conta corrente e, portanto, o endividamento externo.
Quando há maior liberdade de movimento de capitais cria-se um mercado “financeiro”, muito mais ágil e musculoso na especulação e na arbitragem que envolve toda a sorte de “inovações”. Neste mercado global, que incorpora o comercial e o financeiro, a taxa de câmbio (ou melhor, o dólar) transforma-se num ativo financeiro cujo preço se ajusta instantaneamente, independentemente das condições do mercado “comercial”. É por isso que pode haver uma divergência entre taxa de câmbio “comercial” que acelera o crescimento econômico e sustenta o emprego e a taxa de câmbio “global”. Esta obedece às conveniências da especulação e da arbitragem financeira, dependendo do lucro que oferece aos agentes.

Quem comanda esse movimento financeiro e constrói, portanto, a oferta global? São as expectativas que se formam sobre a evolução da economia e da própria taxa de câmbio, além das diferenças entre as taxas de juros reais internas e externas.

O fluxo de capitais que valoriza ou desvaloriza a taxa de câmbio depende, como é evidente, das diferenças de retorno que um dólar pode obter no mercado financeiro externo e a diferença o que ele obtém seguramente no generoso mercado financeiro brasileiro.
É usual no Brasil proporcionar ao investidor estrangeiro retornos de até 5% ao mês em dólares. Há quanto tempo isso funciona nas aplicações em nossa eficiente BMF/Bovespa, contra os 2% anuais nos Estados Unidos? É um movimento que se autoalimenta valorizando o câmbio, com forte desestímulo aos investimentos no setor exportador da indústria brasileira.

As exportações brasileiras cresceram 3,2% ao ano entre 1995 e 1998 e em média 8% entre 1999/2002, quando acumulamos dívida, um pesado déficit em conta corrente de US$ 80 bilhões. A partir de 2003 as exportações reagiram, no embalo da espetacular expansão do comércio mundial e até 2008 a média anual de crescimento foi de 22%, muito em função dos bons preços da agropecuária e dos produtos minerais. A condição dos preços das commodities agrícolas já não é a mesma, enquanto as exportações industriais seguem vitimadas pela persistência da sobrevalorização cambial.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.