“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Não, não se trata da simples lembrança do batido alerta que, entre livros de autoajuda e palestras motivacionais, norteou até o início da heroica carreira do popular Homem-Aranha, proferida nas telas pelo tio do jovem fotógrafo que viria a se tornar o mais conhecido aracnídeo dos quadrinhos e do cinema.
Quando Paulo Adário, diretor da campanha “Amazônia” do Greenpeace, lançou ontem (05/10) o recado-chavão, o alvo eram os superfrigoríficos brasileiros, que recentemente voltaram às compras, aceleraram o processo de consolidação do segmento, sedimentaram a liderança brasileira nas exportações globais de carne bovina e que têm, sim, grande responsabilidade pela sustentabilidade de uma cadeia de negócios recorrentemente vinculada ao desmatamento no país.
Fartamente representados na cerimônia de assinatura de um convênio com o Greenpeace para o estabelecimento de critérios mínimos para operações com gado e produtos bovinos em escala industrial no bioma amazônico, JBS, Marfrig e Minerva, os maiores frigoríficos nacionais (todos com ações negociadas em bolsa), não perderam o bonde e engrossaram o coro da sustentabilidade, ainda que em meio às indefinições de sempre sobre fiscalização e monitoramento do pacto firmado.
Tão necessário quanto de difícil cumprimento, o acordo assinado em São Paulo, na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV), foi prestigiado pelo governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), não mais considerado o inimigo número 1 das florestas no norte de seu Estado mas ainda preocupado com os reflexos sociais de uma ação que prega o “desmatamento zero” diante de uma legislação que permite ao produtor desmatar 20% de sua propriedade.
“Estamos construindo uma solução. É um processo difícil, que tem que ser monitorado para oferecer maior transparência aos consumidores. Neste grupo há ambição, há a visão de um novo Brasil e podemos ir além da lei”, afirmou Marcelo Furtado, também do Greenpeace. Maggi, que já havia insistido na necessidade de se criar alternativas de renda viáveis para quem está na floresta, preferiu não retrucar.
Conforme o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a pecuária na Amazônia responde por cerca de 44% das emissões de gases-estufa do Brasil. A conta é simples: segundo o Imazon, o desmatamento representa 55% das emissões brasileiras, e a fatia pecuária corresponde a 80% do total.
Segundo o compromisso assinado – a Bertin, recentemente incorporada pela JBS, completou a lista de frigoríficos signatários -, “nenhum novo desmatamento para pecuária será aceito depois de 22 de junho de 2009”. O frigorífico terá de comprovar, “de forma monitorável, verificável e reportável”, que nenhum de seus fornecedores diretos tenha ferido o bioma amazônico para garantir a entrega de bois para abate. Em dois anos, a exigência valerá para “fornecedores indiretos”, incluindo fazendas de cria e recria de gado.
Rejeição à invasão de terras indígenas e áreas de proteção ambiental, ao trabalho escravo e à grilagem e à violência no campo, como não poderia deixar de ser, também estão na lista de obrigações dos frigoríficos. Tudo com um sistema de rastreabilidade de produção “monitorável, verificável e reportável”, evidentemente.
“Responsabilidade socioambiental sempre foi uma prioridade nossa, sobretudo na relação com os fornecedores”, afirmou Marcos Molina, fundador e presidente da Marfrig, que nas últimas semanas comprou da Cargill os negócios da Seara, por US$ 900 milhões, e arrendou 12 unidades de bovinos dos frigoríficos Margen e Mercosul. Por ter sido a Marfrig a primeira companhia da lista a concordar em participar da moratória, em junho, Molina foi o primeiro empresário a discursar no evento de ontem.
Para José Batista Júnior, sócio-diretor da JBS, a intenção do convênio assinado com o Greenpeace é a melhor do mundo. A preocupação com a imagem do segmento no exterior ficou evidente. “Desenvolvemos projetos que representam o Brasil. Estamos quebrando barreiras e paradigmas mundo afora. Mas não basta querer vender, temos que preservar”, afirmou Júnior antes de começar a elencar as ações sustentáveis que a JBS adotou a partir de 2000.
Além de incorporar a Bertin, a JBS acaba de reforçar sua internacionalização com a aquisição da americana Pilgrim’s Pride e tornou-se, com os novos negócios, o maior grupo de proteínas do mundo, com faturamento anual da ordem de R$ 60 bilhões. Com a vertiginosa expansão do grupo brasileiro a partir de meados desta década, mais críticas de concorrentes estrangeiros, especialmente nos EUA, começaram a aparecer.
Outro fator que impulsionou os frigoríficos à moratória foi a crescente pressão derivada do fato de o BNDES contar com fatias relevantes nos controles dos grandes frigoríficos, o que inclusive ajudou a influenciar e a acelerar a consolidação em curso. O banco também estava representado na sede da FGV, bem como o IFC, braço de financiamentos privados do Banco Mundial.
Já os pecuaristas, que após a assinatura do pacto divulgaram suas impressões, mostraram-se preocupados. Para a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), os critérios do convênio são turvos e imprecisos. Para a entidade, a tendência é que as cotações do boi sofram maior pressão e a carne fique mais cara no varejo – que, aliás, esteve representado pela Abras no evento.