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Política cambial

O dólar e o campo

<p>Dólar fraco compromete margens de lucro e rentabilidade no campo. Mesmo com a significativa redução dos custos de produção no campo, o câmbio provocará perdas nas operações de troca de grãos por reais.</p>

A desvalorização do dólar em relação ao real voltou a assombrar o setor rural. O recuo de 10,3% na cotação da moeda americana no segundo semestre deste ano já afetou a rentabilidade das principais lavouras do País e reduzirá as margens de lucro do setor rural, interrompendo a curva ascendente das últimas duas safras.

Mesmo com a significativa redução dos custos de produção no campo, o câmbio provocará perdas nas operações de troca de grãos por reais. Os produtores também terão prejuízo ao vender a safra com dólar abaixo do período de aquisição dos insumos – sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas agrícolas. A moeda americana recuou de R$ 1,964, em 30 de junho, para R$ 1,761 ontem (05/10) , segundo cálculo do Valor Data .

Os bancos já manifestaram sua preocupação ao governo. As instituições temem uma onda de inadimplência e eventual nova rodada de rolagens de dívidas rurais. A maior parte dos produtores trabalha sem a proteção de preços (“hedge”) em mercados futuros ou contratos a termo com tradings. Apenas 22% da safra de soja de Mato Grosso, estimada em 17,6 milhões de toneladas, teve venda antecipada. Normalmente, 40% da safra é vendida até setembro. Os produtores devem levar a maior quantidade de soja para a comercialização da última década.

O cenário sombrio se completa com as safras cheias nos Estados Unidos, Brasil e Argentina, além dos altos estoques nas mãos da China, principal compradora mundial de soja, e a lenta recuperação da demanda global por commodities. “A luz vermelha já está acesa. E o produtor médio vai sofrer mais porque tem escala menor e custos maiores”, diz o superintendente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agrícola, Seneri Paludo. Ele calcula que, com dólar a R$ 1,80 e soja a US$ 8,90 por bushel em Chicago, um produtor de Sorriso (MT) terá receita de R$ 24 por saca, abaixo do custo de produção de R$ 25,82. Isso se a produtividade média for de 50 sacas por hectare e o frete custar US$ 110 por tonelada de soja. “Se o dólar cair a R$ 1,70, o prejuízo dobra para R$ 3,71 por saca”, afirma.

O diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Ademiro Vian, vê a tendência de estouro de uma “bolha” de R$ 50 bilhões no setor, localizada sobretudo na fatia de 30% dos produtores financiados por tradings. “Vai aprofundar a crise desse segmento, que está fora dos bancos e tem uma trava relativa. Quanto mais baixo o dólar, mais sacas têm que pagar à trading”, analisa. E dá um exemplo: quem emprestou US$ 500 mil com dólar a R$ 1,90 devia 263 mil sacas de soja, mas hoje, com o câmbio desfavorável, já teria que entregar 294 mil sacas. “É um diferencial superior a US$ 2 milhões”, calcula.

O economista André Pessôa, da consultoria Agroconsult, avalia que o setor perderá ao não ter os preços recordes de 2008 e o bom câmbio do início de 2009. “A sensível redução dos custos [17% na soja em Mato Grosso e no Paraná] criava uma expectativa boa para as margens. Até agosto, com bushel a US$ 10 e dólar a R$ 1,90, dava para pagar custeio e dívidas antigas”, avalia. Agora, no entanto, o bushel a US$ 8,5 para março ou maio de 2010, somado ao dólar de R$ 1,80, gera prejuízo de R$ 42 por hectare. “Um câmbio de R$ 1,70 comprometerá a rentabilidade.”

Maior financiador do setor rural, o Banco do Brasil ainda está otimista. “A safra ainda projeta margens positivas para liquidar financiamentos”, afirma o diretor de Agronegócios do BB, José Carlos Vaz. “Agimos com mitigadores de riscos e seleção na concessão de crédito”. Nos bastidores, porém, o governo avalia que a redução dos custos de produção apenas compensou a projeção de preços menores nas bolsas. Os estoques altos e o consumo estagnado forçam as cotações para baixo. “Se o dólar ficar abaixo de R$ 1,70, a safra será vendida com dólar abaixo do plantio”, diz uma fonte. O governo avalia que terá que entrar “muito mais forte” na comercialização da safra em 2010. “E tem que ser na hora certa e com muito dinheiro, e não como foi neste ano”. Os especialistas apontam grave falha no Plano de Safra do governo. “Tudo podia ter sido evitado. Todo mundo sabia que as tradings não voltariam, mas o governo não criou alternativas para o travamento de preços”, diz André Pessôa. Hoje, o “hedge” futuro sairia por US$ 1 a saca, segundo ele – o que equivaleria a 5% dos US$ 21 da saca de soja.

A Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) avalia que o governo já gastou R$ 5,2 bilhões na comercialização da safra em 2009. O orçamento original era de R$ 1,7 bilhão, mas emendas do Congresso elevaram a R$ 4 bilhões. “Mas para 2010 o orçamento é de R$ 1,3 bilhão. Vai ser um caos porque tem eleições, safra cheia nos EUA, boa safra no Brasil e câmbio muito pior”, avalia a economista Rosemeire do Santos, da CNA. Para ela, a “salvação” seria desvalorização do real ao longo das eleições ou a aceleração do crescimento da economia mundial.