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Economia

Cautela com a crise

<p>Saída lenta da crise e câmbio detêm volta do investimento. Executivos esperam crescimento de 3% a 5% em 2010.</p>

As melhores entre as maiores empresas brasileiras já começaram a sair da crise, mas ainda não veem necessidade de recuperar planos de investimento guardados no início da retração ou mesmo de pôr em prática novos projetos. A crise e a queda nas exportações deixaram muitas companhias com capacidade ociosa suficiente para crescer sem a necessidade de ampliar a atual oferta, contam os executivos que comandam as empresas que ontem foram premiadas como as melhores de 25 setores analisados pelo Anuário “Valor 1000”.

No cenário de saída moderada da crise traçado pelos empresários, o câmbio aparece não só como um grande problema, mas também como um inibidor de novos investimentos por duas razões – parte da produção que iria para o exterior pode abastecer a demanda interna e os concorrentes ganham rentabilidade para disputar o mercado brasileiro. Para poucas empresas – entre elas companhias que importam matérias-primas – a recente e forte apreciação do real frente ao dólar não lidera a lista de riscos para o último quadrimestre de 2009 e o ano de 2010.

O mercado de crédito, que chegou a afetar planos de curto e médio prazo, hoje está praticamente normalizado, tanto interna como externamente, e não é mais um empecilho para o País voltar a crescer perto de 3% a 5% no próximo ano, na avaliação dos executivos que comandam as empresas premiadas. Essas companhias participaram ontem à noite de cerimônia com a participação do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em São Paulo. Uma delas, a Copasa, cujo nome foi anunciado durante a festa, foi a Empresa de Valor 2009, a campeã das campeãs.

“O grande problema para a indústria brasileira é o câmbio. O dólar a R$ 1,80 não é justo para as nossas companhias. Algumas montadoras para quem fornecíamos praticamente zeraram a exportação de veículos, o que acarretou nossa queda de receita. Além disso, já sentimos o impacto da concorrência com produtos similares importados com o câmbio nesse nível”, diz Vitor Luiz Taddeo Mammana, diretor-presidente da autopeças Cinpal. A companhia, diz ele, recebeu este ano equipamentos de investimentos já feitos e não tem mais nada planejado para este ano ou o próximo. “Investimos muito no ano passado e, com a crise, agora estamos com muita capacidade ociosa.”

A perda de dinamismo na exportação de automóveis também afetou os negócios da PST Electronics, empresa que produz alarmes, equipamentos de segurança e dispositivos de rastreamento para veículos. Cláudio Candido Lima, diretor administrativo e financeiro da companhia, conta que após um início de ano preocupante, o pior parece ter ficado para trás na rotina da PST Electronics. “O que a gente percebe são sinais de melhoria grande no mercado interno. Os clientes estão voltando a fazer encomendas com volumes inesperados”, afirma. No entanto, a companhia sente um ritmo mais lento nas vendas ao exterior. A expectativa da PST é de que 7% do faturamento neste ano seja proveniente de exportações, mesmo patamar do ano passado.

Por conta da incerteza sobre o ritmo de recuperação da economia, Gilson Berneck, presidente da fabricante de placas de madeira Berneck, diz que os investimentos continuam parados pelo menos até o fim do ano. “Não estamos confortáveis para retomar investimentos. Temos o projeto de construir uma nova planta de MDF em Santa Catarina para aumentar em 50% nossa produção, um investimento de R$ 300 milhões. Mas no momento preferimos manter uma posição de cautela, e esperar mais uns sete meses”, informa.

As vendas da empresa começaram a se recuperar em junho deste ano após uma queda de 20% desde o início da crise financeira. A crise, porém, ainda está longe do fim na opinião de Berneck. “Mesmo com a melhora recente nas vendas, a empresa deve sofrer uma queda de 15% a 20% do faturamento no ano”, diz ele. Entre outras razões, o executivo aponta o real valorizado “Já trabalhávamos com preços baixos, e a rentabilidade caiu mais ainda com a valorização do real”, explica.

Para outras companhias, a desvalorização do dólar fica ainda mais complicada porque foi acompanhada da queda no preço da commodity que ela exporta. É o caso da MRN. José Adécio Marinho, diretor de administração e finanças da companhia, acredita que os efeitos da crise vão ser sentidos pelo menos até 2010. “A MRN foi duplamente afetada. Além da valorização do real, os preços do alumínio caíram muito”, resume Marinho, que projeta, para os próximos 12 meses, o mesmo nível atual de produção, de 16 milhões de toneladas/ano.

A MRN restringiu muitos investimentos, mas aqueles imprescindíveis à continuidade das operações, ao atendimento a requisitos legais, ambientais e de segurança e saúde do trabalhador continuaram, diz o diretor. Foram mais de R$ 100 milhões em 2009 e serão mais de R$ 200 milhões em 2010.

Exceção entre as companhias, a WEG já retomou projetos para ampliar a capacidade produtiva. Hoje, em evento com a presença do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PSDB), a companhia vai anunciar a instalação de uma nova fábrica – a 11ª da empresa no País -, no município de Linhares, interior do Estado. Segundo Harry Schmelzer, presidente da WEG, a previsão é de iniciar a produção em 2011. “Vão ser investimentos gradativos, conforme o crescimento da demanda”, informou o executivo. No começo da operação no Espírito Santo, a unidade produzirá motores elétricos.

Outra companhia que segurou investimentos por estar com capacidade ociosa foi a Alpargatas. Para Marcio Utsch, presidente, “o País está em rota de saída da crise, mas seria prematuro dizer que ela acabou.” Ele aponta alguns sinais bastante claros de recuperação, como a bolsa de valores e o índice de confiança do consumidor, medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). No fim do ano, “estaremos bem melhores do que hoje. Se eu tivesse que apostar, diria que até o fim do ano o Brasil já saiu da crise”.

Mesmo com esta perspectiva positiva, a companhia manteve os investimentos que ajudam a reduzir custos e aumentam a produtividade, mas não os demais. “O restante eu segurei mesmo (desde julho de 2008), pois temos capacidade instalada suficiente”, disse Utsch.

A Alpargatas é uma das poucas companhias para quem o câmbio não é relatado como um problema. “Nós vendemos um produto, a sandália Havaianas, de preço baixo e alto valor. As vendas não caíram”. O executivo teve espaço para aumentar os preços lá fora e o dólar fraco ajudou a baratear uma boa parte da matéria-prima, como ocorreu com a borracha, cujo preço é dolarizado. “O dólar não é problema. Se ele ficar entre R$ 1,80 a R$ 2, eu transito bem.” No mercado doméstico, embora o volume vendido tenha sido menor, o plano de mexer no mix para que as lojas oferecessem produtos de maior valor agregado e, portanto, de maior preço trouxe faturamento maior.

A importação mais barata é um componente de equilibrio para a Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP). David Simon Herranz, diretor-geral, lembra que a companhia está “nas pontas de exportação e importação, portanto a variação cambial não tem impacto tão forte nas receitas. Temos problemas, mas podemos tirar vantagens tanto do câmbio alto quanto baixo”, explica. Na TCP, os investimentos previstos de R$ 140 milhões, que incluem guindastes e contêineres, não foram alterados pela crise. “Os atrasos ocorreram por burocracias e exigências do Ibama”, conta Herranz.

Almir Barbassa, diretor-financeiro da Petrobras, vê sinais de normalização tanto do mercado doméstico de crédito como do internacional. “Conseguimos, mesmo no período de crise, quebrar o nosso recorde histórico de captação. Em cinco meses obtivemos US$ 31 bilhões, recursos suficientes para tocarmos os projetos nos próximos dois anos e, dependendo do preço do petróleo, até 2013, último ano do nosso plano atual de investimentos”, resume Barbassa.

A Petrobras percebeu uma mudança no patamar de crescimento da economia na passagem do primeiro para o segundo trimestre. “Vendemos cerca de 10% a mais de derivados de petróleo e gás no segundo trimestre. Os setores da economia que dependem de exportação estão mais atrasados neste processo, pois na área internacional ainda existem algumas incertezas, principalmente nas maiores economias, mas nos parece que a tempestade já amainou”, avaliou o diretor da estatal.

O presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, diz que há sinais, e bons sinais, de melhora na economia, principalmente no mercado interno que tem tido demanda firme. A demanda do mercado externo começa a apresentar um pouco de melhora, mas ainda é incipiente segundo ele. Por isso, nenhum novo projeto terá início até que essa recuperação se mostre de forma mais concreta. “É saudável esperar definições mais concretas do curso da economia”, disse ele.

Harry Schmelzer, presidente da WEG acredita que a economia brasileira já sinalizou uma mudança na curva de crescimento, ainda que grande parte da indústria não tenha retornado ao patamar anterior à crise financeira internacional. “Temos o varejo, bens de consumo e até mesmo as vendas internas de automóveis que não estão em crise”, disse ele.

Fernando Cavendish, presidente da Delta, vê o segundo semestre com otimismo. Segundo ele, a crise ainda não passou totalmente, mas os sinais de recuperação são claros, principalmente para o setor da construção civil. “Algumas medidas foram fundamentais para esta virada como o programa Minha Casa Minha Vida, a criação de novas linhas de financiamento imobiliário, a isenção de IPI sobre alguns produtos ligados ao setor, além do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]”, diz ele.

Segundo Cavendish, os investimentos da Delta foram mantidos após a crise, com a aposta na diversificação dos negócios. “Estamos apostando agora na diversificação dos negócios, com a aquisição de empresas na área de energia, óleo e gás, além do reforço da área imobiliária.”

O segundo trimestre também é apontado pelo presidente da Telefônica, Antonio Carlos Valente, como o início da recuperação, que a empresa percebeu no tráfego dos serviços de telecomunicações. “A perspectiva é de que isso perdure pelos próximos meses”, diz. “Isso não significa necessariamente um desempenho olímpico. O que existe é mais a reversão de um processo de queda”, ponderou.

O moinho Anaconda também não deixou de fazer investimentos em 2009 por conta crise. “Revisamos nossos custos um a um e priorizamos manter o emprego. Também investimos na modernização de nossos equipamentos”, diz o presidente da companhia, Luiz Martins. As indústrias moageiras acabaram se beneficiando da valorização do real sobre o dólar pois dependem do trigo estrangeiro. “Para as indústrias, o real mais valorizado barateou os preços da matéria-prima [trigo]”, disse.

Apesar dos sinais indicarem que a crise está perto do fim, as linhas de crédito continuam escassas, afirmou Martins. “A Anaconda não enfrenta este problema porque trabalha com capital próprio, mas nossos clientes relatam que ainda enfrentam este problema.”

O presidente da Cenibra, Fernando Henrique da Fonseca, avalia que a crise não acabou porque ainda falta a recuperação das grandes economias. O Brasil, avalia, foi melhor na crise até agora porque promoveu alguns setores internamente, como a linha branca, indústria automobilística e de construção civil. Mas estes incentivos chegaram no limite, na sua opinião. “Não dá mais para crescer sem investimentos”, diz Fonseca, reconhecendo não ser otimista diante das perspectivas para os próximos 12 meses. “A economia vai crescer 1,5% a 2%.”

O presidente da Carbocloro, Mario Cilento, entende que o pior da crise ficou para trás, mas que ela continua no ar. “De forma muito lenta e incipiente, notamos a retomada de alguma demanda perdida. Ainda há um longo caminho a ser percorrido para dizer firmemente que a retomada veio para ficar”, avalia. A fabricante de soda e cloro diz que o real valorizado trouxe prejuízos à exportação. “O produto nacional torna-se menos competitivo. Não podemos esquecer que o real valorizado privilegia o produto importado, já que a crise mundial trouxe abundância de produtos, causando ao País prejuízo na balança comercial.”

Para Sidinei Colombo, diretor da Usina Colombo, o setor sucroalcooleiro ainda passa por uma crise, que foi agravada pela escassez de crédito no mercado. A usina manteve seus investimentos em expansão e colocou em operação este ano sua terceira unidade produtora de álcool, instalada na cidade de Palestina (SP). O ritmo de investimentos da companhia sucroalcooleira deverá continuar. O grupo planeja iniciar a construção de sua quarta unidade produtora, que está em processo de licenciamento ambiental. Com foco de seus negócios de açúcar no mercado interno – detém a marca Caravelas -, o real valorizado ajudou a elevar a receita do grupo.

Sem a influência da variação cambial nos negócios da empresa e sem a necessidade de buscar crédito no mercado, o diretor-geral do UOL, Marcelo Epstejn, diz que a empresa não freou seus projetos por causa da crise. “O UOL continuou crescendo e lançando novos produtos”, observa. “A crise ficou para trás”, acrescenta Epstejn. “Ainda existe uma inércia no mercado, mas estamos muito otimistas em relação ao segundo semestre”, diz. O executivo prevê um aumento dos investimentos publicitários na segunda metade do ano, se comparados ao período entre janeiro e junho. “O consumo não caiu”, destaca.

Algumas empresas e setores comemoram a “crise que não aconteceu”. Entre outros segmentos, ela não afetou o setor de cosméticos e assim não produziu efeitos sobre o desempenho da Natura, afirmou o presidente da empresa, Alessandro Carlucci. “Para a Natura, não houve crise”, afirmou. Na avaliação do executivo, a oferta de crédito ainda não retomou os níveis anteriores à crise, mas a empresa tem conseguido se autofinanciar.

A mesma percepção positiva foi sentida pela direção do Hospital Israelita Albert Einstein. Claudio L. Lottenberg, presidente, diz que o crescimento em 2009 foi superior ao de 2008, e por isso não foram feitas alterações nos planos de investimento.