Redação (11/08/2008)- Em entrevista ao programa Bom Dia Ministro, produzida pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República e transmitida via satélite a rádios de todo o País na quinta-feira (7), o ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores (MRE), falou sobre as recentes negociações da Rodada de Doha e as relações do Brasil com o Mercosul, entre outros temas. Leia os principais trechos.
Rodada de Doha – Ela é muito importante para o Brasil, porque eliminaria um grande número de subsídios agrícolas que competem de maneira desleal com nossa agricultura. Há outros aspectos, mas este é o elemento mais palpável e imediato. As negociações chegaram muito perto de uma conclusão em Genebra. Faltou um pouquinho, que depende de uma decisão política de mais alto nível. A estratégia mais imediata do presidente Lula é sensibilizar os líderes dos países envolvidos. Ele telefonou ao presidente Bush, dos Estados Unidos, sábado passado (2). Reuniu-se com Hu Jintao, presidente chinês, outro parceiro muito importante. Também deverá telefonar para o primeiro-ministro da Índia, porque o impasse da última semana se deu basicamente entre Índia, Estados Unidos e China. Daí essa iniciativa do presidente de falar com os líderes.
Perspectivas – A importância da Rodada de Doha é contribuir para maior estabilidade e produção, porque os subsídios são muito negativos, sobretudo aos países em desenvolvimento. Embora aquele ciclo de negociações não tenha chegado a uma conclusão, ainda é cedo para falar que a Rodada toda foi um fracasso. Ela pode ser concluída em pouco tempo. Se não for concluída agora, devido ao calendário político de alguns países, vai demorar um pouco mais. E aí não temos certeza de como será o acordo, porque trata-se de um tabuleiro complexo – se uma peça se move, afeta as outras.
Concessões – Naturalmente, uma negociação implica trocas. Mas os pontos mais importantes da negociação foram concluídos. Na realidade, o problema central diz respeito a um mecanismo de defesa para países cuja agricultura se baseia na produção familiar, como é o caso da Índia, entre outros. Esses países querem tal mecanismo, os Estados Unidos o aceitam, mas não em sua totalidade. O Brasil, por ser um grande exportador agrícola, compartilha da visão dos Estados Unidos, mas também entende o problema indiano, até porque o Brasil também tem uma agricultura familiar forte. As concessões que o Brasil teria que fazer foram feitas, como outras também foram feitas para nós. O Brasil não será objeto de demandas e tem a capacidade, inclusive, de atuar como mediador nessa questão.
Retaliação – O Bras il já teve ações na OMC, iniciadas há muito tempo. No caso dos Estados Unidos, há uma que já está em fase final, de determinação do valor da retaliação. Esse processo tem caminhado normalmente. Se, no contexto de Doha conseguirmos uma negociação adequada sobre o algodão, seria muito melhor. Não teríamos que acionar esse mecanismo das retaliações. É o que estamos tentando. Não é que eu tenha feito uma ameaça. Esse processo da retaliação já está andando há muito tempo. O que existe é o contrário, é um estímulo. Demos um estímulo para os Estados Unidos fazerem um acordo sobre o algodão, que beneficia não só o Brasil, mas como alguns países africanos muito pobres. Se houver o acordo, as retaliações provavelmente serão desnecessárias. É mais um estímulo do que uma ameaça.
Pontos de consenso – Apreciaríamos muito essa alternativa (os EUA sugeriram negociar pontos de consenso antes da assinatura de um trato, discussão que envolve quase 1 60 países). A Rodada é muito complexa, sempre haverá algo a ser negociado. Um princípio básico da OMC diz que nada será acordado até que tudo esteja acordado, por consenso. Porque as normas são multilaterais, não apenas entre Brasil e Estados Unidos. Elas vigoram para todos os países. Então, enquanto todos não concordarem, não haverá acordo. Por isso que as negociações já duram sete anos. Os países têm interesses diferentes. Mas essa é a regra do jogo. Acho a manifestação de Susan Schwab (secretária de Comércio Exterior dos EUA) em favor da realização de acordos separados positiva em termos de desejo. Mas, francamente, não acho realista. Não creio que seja possível. É possível, sim, preservar o que já se tem, desde que haja uma conclusão global.
Eleições nos EUA – Evidentemente, a perspectiva das eleições nos Estados Unidos afeta a conjuntura. O fato é que qualquer acordo que seja forçado agora, provavelmente será levado pelo próximo presidente ao Congresso dos Estados Unidos, mas a experiência de outras rodadas de negociações indica que acordos, sobretudo multilaterais, que foram fechados provavelmente serão levados adiante.
b São relações muito intensas. O Mercosul, hoje, representa cerca de 13% do nosso comércio exterior, o que é muita coisa. Se nós considerarmos também os países associados ao Mercosul, esse comércio chega a 20% do total. Além disso, há o grande número de obras de infra-estrutura, como estradas, pontes. Mas sempre há algumas dificuldades, que são normais.
Mercosul e o cidadão – A questão do comércio não deixa de influenciar a vida do cidadão. Na maioria das vezes, melhora as oportunidades de trabalho e renda. Mas com relação às questões imediatas da vida do cidadão, também houve avanços. Hoje, temos acordo de residência e que facilitam o trânsito de pessoa s. Talvez ainda não esteja no nível ideal. Ainda há muita coisa a ser resolvida no nível político, que às vezes encontra obstáculos na burocracia. Na fronteira com o Uruguai, temos acordos que beneficiam diretamente os cidadãos que vivem nessas áreas fronteiriças. Eles podem recorrer a serviços de saúde ou educação de um outro país.
Crise de alimentos e Mercosul – A principal relação da crise de alimentos com o acordo é a questão dos subsídios. Quando se planta algum produto alimentício em um país rico de forma subsidiada, desestimula-se a produção deste produto em países pobres. Talvez o Brasil tenha condições de enfrentar esses subsídios, embora ele nos cause um prejuízo grave, mas há países mais pobres e com menos recursos que não têm as mesmas condições. Logo, eles vão dispor de menos alimentos e ficarão dependentes. É um paradoxo, pois, se por um lado pode ser considerado como uma ajuda alimentar, cria uma dependência e uma incapacidade dos países mais pobres de atenderem sua própria demanda. O subsídio é uma das partes; a outra é o acesso ao mercado dos países ricos, pois havendo a possibilidade de colocar uma parte de sua produção no mercado europeu, por exemplo, o resultado seria a viabilização de certos tipos de produtos. No caso do Mercosul, três produtos são diretamente afetados por esse cenário: soja, trigo e arroz.
Brics – O grupo dos Brics (sigla para Brasil, Rússia, Índia e China) é interessante, porque foi criado de fora para dentro. Decorreu de uma análise de bancos internacionais, especialmente o Goldman Sachs, onde foi concluído que, no futuro, esses quatro países terão um papel cada vez mais forte na economia e na política mundial. Essa definição foi feita em 2001 e, de lá para cá, essa situação se acentuou, segundo várias análises mais recentes, inclusive do Banco Mundial. Isso já se reflete na atitude de outros países, quando Brasil,& nbsp; Índia e outros países em desenvolvimento são chamados para as reuniões do G8, por exemplo. O que é uma evolução recente é que, neste ano, tivemos, pela primeira vez, uma reunião dos ministros de Relações Exteriores dos Brics, na Rússia, onde esses países se assumiram como um grupo que antes somente existia para os países de fora do grupo. Houve essa união no terreno diplomático. Deverá haver, também, uma reunião dos ministros de Economia desses países. É importante essa união, porque um país não deve ficar preso apenas a um ou dois grupos, e esses são países com características e interesses bem parecidos, podendo, juntos, se fortalecerem no âmbito internacional. "A união faz a força."
Conselho Sul-Americano de Defesa – O Conselho está caminhando muito bem. As únicas reservas vieram da Colômbia, que tem interesse também em participar. Agora estamos numa fase de estruturação. Em 200 anos de vida independente dos países da Amér ica do Sul, a Unasul – União das Nações Sul-Americanas – é o primeiro tratado que reúne todos eles. É uma coisa extraordinariamente importante, porque demonstra uma disposição de integração. O Brasil fez acordos de livre comércio com todos os países sul-americanos, além de obras de infra-estrutura, que beneficiarão estados como Acre, Rondônia e Roraima. Na América do Sul não podemos separar totalmente o que é bi-lateral, o que é multilateral para a região. Nossos esforços são para fortalecer essa integração entre os países para crescermos juntos e nos posicionarmos frente ao mundo.
Antiguidade – A antiguidade não é necessariamente um mérito, a não ser pelo fato de que o presidente Lula deve considerar que a minha cooperação tem sido boa. Temos um projeto desde o início do governo e levado isso adiante com muita coerência, que objetiva uma participação do Brasil nas relações internacionais – política externa mais ativa, relaç ões mais fortes de integração com a América do Sul e relação renovada com o continente africano. Hoje, o Brasil tem uma excelente relação com os Estados Unidos, com a União Européia, com a Rússia, a China. Essa atitude mais participativa da política externa brasileira é algo com que eu me identifico. A possibilidade de continuar levando esta política adiante me entusiasma. As informações são da assessoria da Secretaria de Imprensa da Presidência da República.