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Novos textos para a Rodada Doha desagradam setor agrícola brasileiro

<p>Duas possibilidades desagradaram muito os produtores rurais: a criação de novas cotas, que pode atingir o etanol, e o aumento das tarifas de importação, caso sejam acionadas salvaguardas especiais.</p>

Redação (11/07/2008)- Está mais difícil o setor agrícola brasileiro aceitar um acordo na Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), após os textos divulgados ontem pelos mediadores da negociação. Os documentos deixaram em aberto duas possibilidades que desagradaram muito os produtores rurais: a criação de novas cotas, que pode atingir o etanol, e o aumento das tarifas de importação, caso sejam acionadas salvaguardas especiais.

”O Brasil vai dar a sua contribuição, mas não vai pagar pela Rodada”, disse ao Valor o principal negociador brasileiro, embaixador Roberto Azevedo. Segundo ele, não está claro qual será a contribuição dos ricos para a negociação. ”Eles têm a responsabilidade de liderar o processo, porque quem distorce mais tem que contribuir mais”.

Ontem, os mediadores das negociações agrícola, Crawford Falconer, e industrial, Don Stephenson, divulgaram em Genebra a terceira revisão dos documentos de modalidades, produzidos pela primeira vez em julho de 2007. O objetivo é simplificar as negociações e viabilizar a reunião de ministros da OMC, convocada para o próximo dia 27.
”Os textos revisados preparam o palco para um momento decisivo da Rodada Doha”, disse o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. Segundo ele, os ministros precisam de textos ”claros e precisos”, porque as questões são complexas. ”Não podemos deixar a oportunidade escapar por entre os dedos”, reforçou. Se essa reunião fracassar, a Rodada pode entrar num longo período de hibernação à espera da troca de governo nos Estados Unidos.

Azevedo reconheceu que o movimento é positivo na medida em que pode viabilizar a reunião, mas ressaltou que ”se os textos simplificarem na direção errada, não adianta”. Ele evitou comentar o texto agrícola, que considerou ”complexo” e deve ser examinado ”com cuidado”, mas afirmou que o texto industrial traz avanços ao admitir tratamento especial para o Mercosul.

Uma análise preliminar do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), think-tank financiado por entidades agrícolas, apontou problemas graves, que não estavam presentes antes. Um novo parágrafo do texto abre duas possibilidades: declarar qualquer produto como sensível e criar cotas como compensação, ou escolher como sensíveis apenas produtos que já tinham cotas no período pré-Doha.

A situação é séria, porque os europeus já demonstrou interesse em criar cotas para a importação de etanol. Os EUA também podem seguir esse caminho, se forem obrigados a mexer na tarifa. ”Entrou na discussão a criação de novas cotas. No texto anterior, o pressuposto é que não podia”, avaliou André Nassar, diretor-geral do Icone. Conforme Azevedo, essa possibilidade já existia nas conversas dos negociadores, embora ainda não estivesse formalizada. ”Prefiro assim do que um texto ambíguo, mas é evidente que preocupa”, disse.

Outro ponto importante é a possibilidade de os países aumentarem as tarifas cobradas hoje para produtos agrícolas. O texto agora prevê que, ao utilizar a salvaguarda especial, os países em desenvolvimento podem ultrapassar em 15% ou 15 pontos percentuais as tarifas estabelecidas na Rodada Uruguai.

Um exemplo hipotético: a China poderia elevar a tarifa de importação de soja em grão dos atuais 3% para até 18%. Essa exceção poderá ser aplicada por apenas um ano para dois a seis produtos por país. ”Não tem nenhuma racionalidade a OMC promover aumento de tarifa, mesmo que seja por 12 meses”, reclamou Nassar.

Na negociação industrial, o Brasil conseguiu uma vitória. Está fora dos colchetes – o que não linguagem diplomática significa que foi aceito – um tratamento diferenciado para o Mercosul. Ao estabelecer a lista de sensíveis, os países devem garantir que não ultrapassará 12% a 19% do comércio (o percentual ainda será definido). No caso do Mercosul, será medido pelo volume de comércio do Brasil. Isso alivia a pressão sobre os outros membros, cujo comércio é concentrado em alguns produtos. A lista de sensíveis da Argentina chega a representar quase 30% do volume de comércio. ”É um reconhecimento de o Mercosul merece tratamento diferenciado como união aduaneira”, disse Azevedo.