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Competitividade da agricultura fica ameaçada sem transgênicos

<p>Pesquisa de biotecnologia brasileira está sendo atrasada devido às discussões ideológicas e brigas judiciais.</p>

Redação (19/12/2007)- Embates ideológicos, disputas judiciais e muita burocracia. Neste cenário, enfrentado frequentemente pelos pesquisadores brasileiros, os experimentos tecnológicos estão sendo atrasados. E estes atrasos não podem ser medidos em meses ou anos, mas podem ser determinantes em um futuro próximo. Na avaliação dos pesquisadores, sem os avanços e o emprego da tecnologia, o agronegócio brasileiro vai perder competitividade. ""Estamos discutindo hoje questões que já estavam em discussão há dez anos. Isso vai afetar a todos"", afirma Edilson Paiva, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo e vice-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

Segundo ele, a ""guerra"" declarada contra os organismos geneticamente modificados (OGM) – os populares transgênicos – não passam de pura retórica e de ""manipulação de informações com conotações ideológicas, políticas e econômicas"". Do lado da pesquisa não há qualquer registro de acidentes contra o meio-ambiente e às saúdes humana e animal. Nos Estados Unidos os transgênicos são liberados há mais de dez anos. Além disso, a conta dos OGMs é mais favorável do que as culturas convencionais. Um dos números significativos é a redução acumulativa de pesticidas na década de 1996 a 2005.

No período houve uma redução de 224.300 toneladas métricas de ingrediente ativo, o equivalente a 15% de redução no impacto ambiental associado ao uso de pesticidas nas culturas, de acordo com o relatório 35 do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia. Ainda há a redução do uso de combustíveis fósseis, associado a menor número de pulverizações de inseticidas e herbicidas, em uma economia estimada em 962 milhões de quilos de dióxido de carbono, além de um sequestro adicional, no solo, de gás carbônico. Os transgênicos são cultivados em 22 países por 10,3 milhões de produtores em 102 milhões de hectares.

O pesquisador lembra que o campo precisa aumentar a produção de alimentos para atender a demanda populacional. A projeção é que a população atinja os 12 bilhões de pessoas nos próximos 50 anos. ""O consumo per capita está estável desde os anos 40 e a produção mundial é de 2 bilhões de toneladas de grãos"", diz. Além disso, ele lembra que atualmente 85% da população mora na zona urbana, enquanto na década de 50 apenas 15% estava nas cidades. O aumento da produção de alimentos, na sua avaliação, só vai ocorrer com o crescimento da produtividade das lavouras, obtida com o uso dos transgênicos.

""O Brasil é o único País que domina a tecnologia da agricultura tropical e que tem área para expansão. Isso incomoda muito"", afirma Paiva. Na sua avaliação, a não adoção de tecnologias a curto e médio prazo irá afetar os países menos desenvolvidos, que terão a sua produção agrícola reduzida; e, posteriormente, o meio-ambiente, devido à utilização de defensivos agrícolas. Para os consumidores que ainda têm ressalvas quanto à utilização dos OGMs, o pesquisador Elíbio Rech, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, lembra que os produtos farmácos (como vacinas e a insulina) já levam transgênicos em sua composição. Na Europa, por exemplo, os OGMs estão em mais de 200 produtos farmácos.

CTNBio é alvo de processos judiciais
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é um dos ambientes científicos onde há mais intereferências. Criada para funcionar como uma instância colegiada multidisciplinar para prestar apoio técnico consultivo e assessoramento ao governo federal, durante este ano, a comissão foi alvo de decisões judiciais, de embates ideológicos e até de constrangimentos quando – autorizados pela Justiça – militantes do Movimento Sem-Terra, crianças e mendigos assistiram a uma reunião técnica.

A pesquisadora Luciana di Ciero, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), explica que antes da aprovação de organismos geneticamente modificados (OGMs) é feito monitoramento com observações e acompanhamentos em campo para análise de risco da planta e cada caso é analisado separadamente. Todo o processo é baseado em informações científicas e ensaios. Além disso, as lavouras – convencional e transgênica – são comparadas.

No Brasil, a biossegurança segue normas das leis federais, que determina a atuação e os critérios de monitoramento. O advogado Reginaldo Minaré, especialista em biossegurança, explica que são duas as leis que regulamentam o assunto: 8.974/95 e 11.105/05. A validade desta última legislação foi questionada pela Adi 3526/05, que ainda não foi julgada. ""Os transgênicos não são proibidos no Brasil, mas dependem de regulamentação. Mas há conflitos entre as várias leis"", explica.

Transgênicos estão em testes contra a aids
A tecnologia dos transgênicos não é usada apenas para aumentar a produtividade das lavouras. Organismos geneticamente modificados já são amplamente utilizados em vacinas humanas e, agora, estão sendo feitas pesquisas para combate à aids. Ainda em fase de testes, os estudos introduzem a cianovirina (proteína presente em algas) na soja, milho e tabaco para a sua produção em larga escala. Esta proteína teria condições de impedir a multiplicação do vírus no corpo humano.

Os estudos estão sendo desenvolvidos em consórcio com a participação do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, Universidade de Londres (Inglaterra), Embrapa e um grupo sul-africano. A intenção é produzir o produto em gel (com propriedades germicidas) para que as mulheres apliquem na vagina antes do relacionamento sexual. ""É um método paleativo até que a vacina contra a aids esteja pronta"", salienta Elíbio Rech, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

A intenção inicial é desenvolver o produto para utilização em mulheres africanas, uma vez que o continente apresenta o maior índice de contaminação do sexo feminino no mundo. Além disso, devido à uma questão cultural as mulheres são mais submissas aos homens e, portanto, não conseguem exigir o uso de preservativos. As pesquisas irão indicar qual das três plantas produz o maior teor de proteínas pelo menor custo.

O pesquisador disse que testes com milho, que estão sendo feitos na África, já apresentaram alguns problemas. Também estão sendo tentados acordos com as famílias produtoras de tabaco no Rio Grande do Sul como uma alternativa à produção de tabaco para o fumo. 

Soja transgênica com DNA nacional é pesquisada
Em três anos uma patente brasileira de soja transgênica estará pronta para disputar mercado com a soja RR, da multinacional Monsanto. A oleaginosa, tolerante a herbicida, apresenta rendimento semelhante à RR e foi desenvolvida através de parceria com a Basf. A expectativa é que em 2010 o grão seja apresentado ao mercado para a produção de sementes e que no ano seguinte já esteja disponível para plantio. O projeto consumiu investimentos de cerca de R$ 8 milhões, que devem ser recuperados já no plantio da primeira safra.

Segundo o pesquisador Elíbio Rech, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, a parceria isenta a empresa brasileira de royalties. O acordo aliou a tecnologia nacional para a produção da soja ao uso das imidazolinonas (princípio ativo da Basf que tem aplicação semelhante ao glifosato). Ele explica que o produto é mais caro do que o da Monsanto, mas o plantio da soja transgênica nacional será compensado porque será necessária apenas uma aplicação, enquanto as lavouras de RR requerem duas.

A parceria foi firmada há dez anos, mas as brigas judiciais em torno das leis de biossegurança atrasaram os estudos em, pelo menos, três anos. Por isso, já em 2017 a patente da semente será quebrada, de acordo com as leis nacionais. ""A Basf pretende exportar essas sementes e, pela primeira vez, teremos no exterior um produto de tecnologia transgênica desenvolvido no Brasil"", afirma Rech.

Feijão 
Também está em fase de pesquisa o feijão resistente ao vírus do mosaico dourado. No entanto, ao contrário da soja, ainda não há previsão para que a semente modificada chegue ao mercado. Neste caso, a tecnologia usada é o da RNA interferente, cuja patente pertence à universidades públicas. O pesquisador informa que o vírus chega a provocar perdas de 90% nas lavouras se as plantas forem atacadas em suas primeiras semanas de desenvolvimento.

– A jornalista participou do workshop ""O futuro da biotecnologia agrícola no Brasil"", em Brasília, a convite do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB).