Redação (12/11/2007)- O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acha que o bom momento da economia mundial dificulta a conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), pois os países estão economicamente confortáveis. Para ele, quando a economia mundial desacelerar, um acordo será ainda mais necessário, mas o consenso, mais difícil. Ele acredita que ações no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, como a que o Brasil anunciou na semana passada querer abrir na instituição contra os subsídios agrícolas norte-americanos, ajudam a formar regras para o comércio.
Sobre a descoberta do megacampo de petróleo, o chanceler não descarta que isso pode fazer o Brasil precisar menos da Venezuela de Hugo Chávez, até então o maior detentor de petróleo da região. Mas tem certeza de que vai dar independência e reforçar a integração da região. "Um dos elementos da liberdade é a capacidade de dispor de energia". Amorim defende que o Brasil, como maior país da América do Sul, tenha Forças Armadas bem equipadas, como defendem os militares.
Gazeta Mercantil – O Brasil levou os subsídios dos Estados Unidos ao Órgão de Solução de Controvérsias por que deixou de acreditar que a Rodada Doha vai dar certo?
Não. Esse é um processo normal da OMC, não há nada de político, nem de agressivo. Tanto que o Canadá, que é membro do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) também entrou (na ação). E o painel se refere a ações passadas. O descumprimento da norma já ocorreu. Sou otimista em relação à Rodada. Acho que estamos perto. É preciso que haja certa coragem de fazer concessão para chegar a um acordo. Ainda falta uma brecha.
Gazeta Mercantil – Em que essas ações na OMC ajudam na Rodada Doha?
No caso da Embraer, chegamos a um acordo que se refletiu em normas da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre aeronaves. No caso do açúcar, a União Européia avançou na redução de subsídios internos. No caso do algodão (contra os EUA), algumas medidas foram tomadas. Tudo isso pesa a favor da Rodada.
Gazeta Mercantil – O senhor arriscaria dizer quando a Rodada termina?
Ninguém tem bola de cristal, mas se me perguntarem se eu acho que daqui um ou dois anos a Rodada sai, acho que sim. Seria muita irresponsabilidade jogar tudo fora. Agora temos uma situação razoavelmente confortável no comércio internacional, que permite tomar certas decisões. Pode ser que daqui a pouco não seja assim. Temos que fazer um esforço. A economia do mundo inteiro está crescendo, com um cenário em que talvez haja uma desaceleração nos EUA. Isso também tem influência no preço das commodities e arrefece um pouco certas demandas e preocupações. É mais fácil fazer essas coisas num momento desse tipo. É até mais necessário num momento de crise, mas também mais difícil.
Gazeta Mercantil – Que brecha é essa que falta para fechar a Rodada?
Não há dúvida de que os EUA passaram a admitir que têm que cortar de maneira substancial os subsídios. Mas o que está sobre a mesa ainda não está claro. É preciso aproximar mais da proposta do G20, que é o que consideramos correto (corte maior dos subsídios). Mas é claro que o valor dos subsídios diminuiu por causa dos preços das commodities, que estão relativamente altos. O próximo encontro do G20, em Genebra, é uma chance de que nossa voz seja ouvida. O que nós defendemos não é uma radicalização, mas que em agricultura haja clareza. Não se pode deixar certas situações obscuras, se não você dá com uma mão e tira com a outra.
Gazeta Mercantil – O que poderia ficar obscuro?
Temos que ter clareza. Em indústria é muito simples, você cortou tarifa em tanto, tem um cálculo exato sobre quanto representa em comércio. Em agricultura é muito mais complicado. Se um produto é classificado como sensível, o corte será muito inferior, então a maneira de calcular as cotas para o comércio desses produtos é fundamental.
Gazeta Mercantil – Os EUA têm acusado o Brasil de bloquear a Rodada.
Se quiséssemos bloquear, eu não ia propor uma reunião do G20 a essa altura. Era só dizer não. O que nos incomodou muito foi a inversão das prioridades. A grande prioridade dessa rodada, entre os muitos temas, é agricultura. Não se pode ter resultados insatisfatórios, em certos aspectos obscuros, em agricultura e ter um resultado ambicioso e claro e imediato em indústria ou em outras áreas. Por exemplo, as normas para crédito à exportação, negociadas na Rodada Uruguai, não eram claras. Quando o Brasil passou a exportar aeronaves fomos descobrir que havia uma nota de pé de página que dizia que no caso de crédito à exportação, o acordo remete ao arranjo da OCDE, ou seja, às regras dos países ricos.
Gazeta Mercantil – Qual o maior risco para o Brasil nesta Rodada?
Agora o mesmo pode acontecer com a questão das cotas para produtos sensíveis. Por exemplo, foi dito que os produtos sensíveis representam de 4% a 6% do consumo interno. Parece razoável, mas o problema é que as estatísticas falam em consumo interno de carne ou de frango. Mas nós não exportamos asa de frango, peito de frango, frango salgado, etc. Então, dependendo da maneira de calcular, suspeitamos que esse número possa chegar a 25%. Por isso, a clareza é importante.
Gazeta Mercantil – O Brasil acabou de descobrir um megacampo de petróleo, mas está em plena campanha de defesa dos combustíveis limpos. Agora vai defender o uso de combustíveis fósseis?
(risos) Mas nunca atacamos os combustíveis fósseis, só achamos que os limpos são melhores. Essas reservas podem ajudar a equilibrar por muitos e muitos anos nossas necessidades. O Brasil crescendo 5% ao ano tem fome de energia.
Gazeta Mercantil – O Brasil vai querer entrar para a Opep agora?
Acho que é muito cedo para fazer disso. Nosso interesse ainda é muito equilibrado, até o Brasil se tornar um exportador líquido importante, acho que essa não pode ser a nossa principal preocupação, e depois, uma visão de cartel, não creio que seja boa para o Brasil neste momento. Em 2013 eu não sei, pode ser outra situação. Gazeta Mercantil – No governo sempre se ouviu que é bom estar próximo a Hugo Chávez porque ele tem petróleo. E agora, não precisamos mais dele?
Talvez precisemos mais ou menos. Eu não sei, porque também essas coisas não vão se materializar no curtíssimo prazo. Agora, eu acho que isso tudo vai contribuir para algo muito importante, que é uma maior autonomia energética da América do Sul. Temos que começar a pensar mais em termos de integração da América do Sul. E não é porque o Brasil precisa ser bonzinho. É do interesse do Brasil. Isso é importante em termos de estabilidade política. E um dos elementos da liberdade é a capacidade de dispor de energia.
Gazeta Mercantil – Por falar em fronteiras, os militares estão reclamando da situação das Forças Armadas, do sucateamento dos equipamentos…
Não creio que alguém ameace o Brasil, mas acho que o Brasil tem que ter Forças Armadas bem equipadas. A maior segurança que temos é a integração, mas o mundo é muito mais complexo e não sabemos que situação pode haver. Acho que, até para contribuir não só para nossa segurança mas para a própria estabilidade da região, o Brasil necessita de Forças Armadas bem equipadas e modernas.