Redação (13/07/06)- O impacto da crise de renda no segmento de grãos e na pecuária é cada vez mais visível nos principais indicadores do setor. Projeções divulgadas ontem pela Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (Cepea) indicam que o PIB do agronegócio deverá recuar 1,94% em 2006, que o faturamento bruto da agropecuária cairá 3,8% e que o superávit da balança comercial registrará variação negativa pela primeira vez nos últimos sete anos, de 3,7%.
O desempenho negativo levará o setor a reduzir entre 1,3 e 1,6 ponto percentual sua participação no PIB total do país em 2006, segundo projeções da CNA. Se a economia brasileira crescer 3%, a fatia do agronegócio cairá de 27,8% para 26,5%. Se crescer 4%, a participação recuará a 26,2%. “Há um total desestímulo no setor”, resume o superintendente técnico da CNA, Ricardo Cotta.
Pela análise da CNA, os resultados refletem a baixa remuneração dos produtores rurais pelo segundo ano consecutivo e a elevação dos custos na formação da renda, ambos transmitidos ao longo da cadeia para indústrias de insumos, transformação e distribuição. A piora na performance do PIB revela a segunda queda consecutiva do indicador. Em forte contraste com o ápice registrado no triênio 2002-2004, o PIB do agronegócio deve somar R$ 527,2 bilhões neste ano. Em 2005, haviam sido R$ 537,7 bilhões – ou seja, uma perda de R$ 10,43 bilhões. Analisado separadamente, o PIB do setor primário da agropecuária recuará R$ 6,54 bilhões (4,3%), passando de R$ 153 bilhões para R$ 146,5 bilhões. “Isso resultará numa queda de produção na próxima safra, principalmente em Mato Grosso”, diz Cotta.
Alexandre Mendonça de Barros, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda que a crise dos grãos é profunda, mas pondera que seus efeitos no PIB do setor poderão ser minimizados pelo aumento do volume da produção de soja em 2005/06 e pela safra cheia de café. Como outros segmentos, como açúcar e álcool e laranja, também estão em boa fase de preços e demanda, ele acredita que a queda do PIB ficará para 2007. “Teremos uma idéia mais clara do que vai acontecer com o plantio de soja na safra 2006/07 a partir de setembro. Mas com os sinais atuais, haverá queda e ela se refletirá no PIB”.
Os maus resultados previstos por CNA e Cepea encontra respaldo em suas estimativas para a queda do valor bruto da produção (VBP), que mede o faturamento dos 25 principais produtos agropecuários. O recuo de 3,8% neste ano será puxado pela pecuária (7,5%) – sobretudo no segmento de suínos (15%) – e pelas lavouras de soja (14%), arroz (30%), algodão (32%), trigo (24%) e uva (35%). A performance revela a distorção entre receitas e despesas no campo. O índice de preços recebidos pelos produtores (IPR) recuou 6% no período entre janeiro de 2004 e fevereiro de 2006, segundo a CNA. Ao mesmo tempo, os preços pagos (IPP) aumentaram 15%. Nesse intervalo, a inflação medida pelo IGP-DI chegou a 13,4%, segundo estudo do economista Luciano Carvalho, assessor técnico da CNA.
Mas a crise do setor tem ajudado a ampliar a oferta de alimento barato. Em maio, um trabalhador comprou, com um salário mínimo, quase duas cestas básicas ao preço médio nacional de R$ 179. “Os assalariados pagaram, à custa do setor rural, o menor preço dos últimos 20 anos pelo alimento”, afirma Carvalho.
Nas exportações, a crise também golpeará um dos principais trunfos exibidos pelo governo. O superávit comercial deve recuar pela primeira vez desde 2000, projeta a CNA. Pelos cálculos do assessor técnico Antonio Donizetti Beraldo, fechará este ano em US$ 37 bilhões, uma retração de 3,7% – em 2005, o saldo somou US$ 38,42 bilhões. “As exportações estão perdendo dinamismo”, avalia Beraldo. Na comparação entre o acumulado de janeiro e junho 2005 e 2006, o ritmo de crescimento do saldo do agronegócio caiu de 10,2% para 3,7%. No total das vendas externas, recuou de 9,2% para 5,7%. As vendas do complexo soja, carro-chefe do setor, caíram 3% no período. As importações de trigo cresceram 38%.
A CNA também apontou aumento nas vendas do grão de soja em detrimento de produtos mais elaborados, como farelo e óleo. Em 1997, quando entrou em vigor a Lei Kandir, que isentou as exportações de matérias-primas de ICMS, o grão representava 43% do total do complexo. Neste ano, a fatia deve subir a 63% – em 2005, já chegou a 56,7%.
Fabio Silveira, da RC Consultores, não acredita em queda das exportações do agronegócio neste ano. Para ele, haverá queda da receita com os embarques de soja, mas açúcar, laranja e café deverão compensá-la. No critério estabelecido pela RC (que não leva em conta papel e celulose, por exemplo), as exportações do setor somarão R$ 38,3 bilhões neste ano e representarão 31% das vendas totais do país ao exterior. Em 2005, o campo exportou, conforme a RC, US$ 34,5 bilhões e respondeu por 29% do total. Apesar do crescimento, observa, a participação está muito distante da verificada em 2003, quando o campo representou quase 44% das exportações totais.
Para Mendonça de Barros, os embarques do agronegócio deverão resultar em uma receita semelhante à de 2005. “O cenário para o frango está confuso e se esperava uma retomada mais vigorosa, mas a carne bovina está compensando. E o açúcar tem sido excepcional, neutralizando a soja, terá receita menor mas volume maior que em 2005 E os próprios contratos futuros da soja mostraram alguma recuperação no mercado internacional”, afirma. Para ele, “a pauta brasileira é diversificada e mascara a percepção do buraco em alguns segmentos”. Por conta da prevista queda de área e produção de soja na safra 2006/07, Mendonça de Barros prevê mais dificuldades para a balança do agronegócio no ano que vem.