Da Redação 27/06/2005 – Poucas safras brasileiras de grãos foram tão tumultuadas quanto esta 2004/05, que se encaminha para a fase final de comercialização. Dos preços internacionais baixos da época de plantio ao atual câmbio desfavorável às exportações, passando pela quebra de produção na região Sul e pela pressão de produtores pela renegociação de dívidas, os problemas e confrontos se multiplicaram. Seus efeitos ainda são sentidos, da descapitalização de agricultores gaúchos ao atraso na venda de insumos para o próximo ciclo, mas há um sentimento de “o pior já passou” no ar, embalado por preços melhores, previsões de clima favorável no ciclo 2005/06 e projeções de câmbio mais atraente às vendas externas.
Nesse contexto, são reforçadas as estimativas de recuperação da receita das lavouras em 2006. A MSConsult, por exemplo, projeta para 2006 o valor da produção das lavouras (“da porteira para dentro”) de grãos (algodão, arroz, feijão, milho, soja, trigo e outros) em US$ 22,4 bilhões, ante os US$ 22,1 bilhões de 2005. O valor perde para os US$ 24,1 bilhões de 2004, mas mostra que a queda deste ano não deverá se transformar em tendência. A receita das lavouras incluindo café, cana, fumo e laranja, que ao contrário dos grãos vivem temporada remuneradora, deverá alcançar US$ 42,1 bilhões em 2006, conforme a MSConsult, mesmo patamar previsto para este ano.
“Os preços internacionais de soja e milho melhoraram, mas ainda temos um problema com o câmbio”, diz Glauco Carvalho, da MB Associados. Ele explica que o recente aumento do ritmo das vendas da soja produzida em 2004/05 e o fechamento de vendas antecipadas da produção de 2005/06 são formas de o produtor tentar se capitalizar, mas que o resultado poderia ser melhor não fosse a atual relação entre o real e o dólar. Em Chicago, conforme o Valor Data, com a alta de sexta-feira os contratos futuros de segunda posição de entrega da soja acumulam valorizações de 9,79% em junho e de 36,73% em 2005; no caso do milho, as altas são de 4,88% e de 13,62%, respectivamente. Mesmo a evolução das cotações desses grãos em um intervalo de 12 meses para trás, que nos dois casos chegou a mostrar quedas de cerca de 70% no início do ano, está quase revertida. Hoje, as baixas acumuladas são de 11,76% para a soja e de 12,87% para o milho.
E, como prevêem os economistas, mesmo o câmbio tende a melhorar para as exportações, em virtude da menor diferença entre os juros brasileiros e os internacionais no segundo semestre, como destacou Eduardo Giannetti da Fonseca em congresso promovido pela Associação Brasileira de Agribusiness (Abag). Ele faz coro com quem estima R$ 2,80 no fim do ano. “Também é preciso dizer que parte das dificuldades [atuais] deriva da euforia de anos anteriores. Mas a crise é transitória e levará a um processo de depuração no setor”, disse Giannetti. Carvalho é mais direto: para ele, os “aventureiros do boom” não resistirão.
Os sinais alvissareiros para 2005/06 não significam, contudo, que a turbulência não existe mais, até porque principalmente no Sul há produtores em sérias dificuldades, que sequer puseram suas colheitadeiras no campo nesta safra. Prova disso é que a pressão dos produtores, nem todos do Sul, pela renegociação de dívidas – a maior parte delas já renegociadas no passado – não terminou, e um “tratoraço” previsto para amanhã no país tende a comprovar que a articulação pela rolagem continua forte. O governo nega, mas fontes em Brasília garantem que por isso o anúncio do plano oficial para 2005/06 foi antecipado para a sexta-feira passada.
A nova safra contará com R$ 44,35 bilhões do governo para financiar a agricultura empresarial, 12% mais que em 2004/05 (R$ 39,45 bilhões). Com juros mantidos em 8,75%, os produtores terão R$ 33,2 bilhões para custeio e comercialização, 15% acima do alocado no ciclo atual. Na equação, o governo elevou de R$ 17,7 bilhões para R$ 20,9 bilhões o total que terá subsídio nos juros pagos pelos produtores, enquanto R$ 12,3 bilhões serão emprestados a juros de mercado. “Isso significa um mix de taxas menor que o do ano passado, e demonstra que o governo está aumentando os recursos e diminuindo os custos”, disse o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, também no congresso da Abag.
Os programas de investimento administrados pelo BNDES contarão com R$ 11,15 bilhões (4% mais). Nesse caso, os subsídios do Tesouro aos juros passarão de R$ 2,6 bilhões para R$ 3,05 bilhões. Ivan Wedekin, secretário de Política Agrícola do ministério, revelou que o governo fez acordo com o BNDES para que todos os recursos possam ser disponibilizados logo após o término da vigência do Plano 2004/05, no dia 30 deste mês. “Em 2004, os recursos ficaram parados por 55 dias à espera de portarias e definições dos bancos. Isso não vai acontecer este ano”.
O novo plano trouxe novidades, como a introdução de requisitos ambientais para premiar a produção sustentável. Foram mantidos os limites individuais de crédito, mas haverá um adicional de custeio de 15% para produtores com planos de recuperação de matas ciliares e reservas legais, rastreabilidade da pecuária e práticas de integração lavoura-pecuária. Também trouxe mudanças nos programas de investimento para evitar a revalidação das linhas a cada safra. O Moderfrota (máquinas), que terá R$ 5,5 bilhões a juros entre 9,75% e 12,75%, passará a financiar até 90% de itens acima de R$ 150 mil. O Prodecoop (cooperativas) teve o limite de crédito elevado de R$ 20 milhões para R$ 35 milhões por operação. O orçamento do Moderagro (correção de solos e recuperação de pastagens) passará de R$ 900 milhões para R$ 1,2 bilhão com foco na adequação ambiental das fazendas. A linha Finame Agrícola Especial passará a financiar a compra de aviões agrícolas e a recuperação de tratores. E o governo reajustou os preços mínimos de alguns produtos, congelados desde 2003. Os principais são os da saca de milho (de R$ 13 ou R$ 13,50 para R$ 14 em todo o país) e de arroz (R$ 20 para R$ 22).