Redação AI 26/02/2004 – 08h44 – O Brasil está se firmando como o maior exportador mundial de carne de frango livre de influenza, o vírus causador da chamada gripe das aves. Se por um lado isso abre oportunidades históricas de novos negócios, por outro obriga o governo a mobilizar uma estrutura de vigilância constante para manter a criação brasileira de frangos livre de doenças. Os técnicos do Ministério da Agricultura sabem que qualquer descuido pode por em risco todo o esforço feito até agora pelos diplomatas e empresários para ampliar o mercado do frango nacional.
Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, o gerente do Programa Nacional de Sanidade Aviária do governo, Egon Vieira da Silva, alerta que a gripe aviária é uma doença altamente contagiosa, de rápida difusão e que pode, sim, afetar as granjas brasileiras – ainda que seja pequena essa probabilidade Várias medias preventivas já foram adotadas pelo governo, mas Silva alerta que é preciso que os produtores também estejam atentos e, ao menor sinal de problema com as aves, avisem os órgãos de defesa sanitária. O especialista lembra que a vigilância é a principal arma para evitar a entrada da doença no país, levando-se em conta suas dimensões continentais.
Valor: Qual a chance do vírus influenza chegar ao Brasil?
Egon Vieira da Silva: Impossível não é, mas as medidas que estão sendo tomadas impedem ou, pelo menos, retardam a entrada da doença no Brasil.
Valor: Por que essa doença preocupa tanto?
Silva: Preocupa por causa da possibilidade de transmissão para seres humanos. As grandes epidemias que nós tivemos no mundo vieram exatamente pelo vírus influenza. Os vírus da influenza aviária (H5, H7 e H9) não são das mesmas cepas da influenza humana (H1 e H3, os mais comuns) mas esses vírus aviários podem contaminar as pessoas. Na área animal, preocupa porque é uma doença que tem um impacto econômico muito grande.
Valor: O mal pode ser transmitido de um ser humano para outro?
Silva: Até o momento, só as pessoas que convivem ou lidam com aves foram contaminadas. Não há, por enquanto, a transmissão homem a homem. Mas isso também não e impossível, já que o vírus se adapta ao homem.
Valor: Para um país do tamanho do Brasil, o risco da doença chegar não é maior?
Silva: Como a possibilidade existe, a vigilância do Ministério da Agricultura tem que estar sempre atenta. Não é de hoje que a gente vem trabalhando com a conscientização das pessoas que criam aves para que comuniquem imediatamente qualquer suspeita de problema que não seja uma coisa normal nos aviários. É para que possamos rastrear a enfermidade, fazer o levantamento do problema e poder diagnosticar isso com precisão.
Valor: Quais são os sintomas da doença nas aves?
Silva: A sintomatologia mais clássica são os problemas respiratórios, a ave não consegue respirar. Mas a característica principal é a alta mortalidade nos galpões. Em 24, 48 horas você vê uma mortalidade imensa. São poucas as doenças que causam isso nas aves.
Valor: Que tipo de cuidado o criador precisa ter para evitar a contaminação do seu plantel?
Silva: As aves devem ser criadas em galpões fechados, principalmente não deixando que as aves convivam com pássaros silvestres. Outra providência é evitar visitas de pessoas estranhas ao trabalho nos galpões. A gente vive pregando que criação de frango é atividade econômica, não é ”show room”, não é local para visitas. E informar qualquer suspeita de enfermidade.
Valor: Qual o problema com as aves silvestres?
Silva: O principal reservatório do vírus na natureza são as aves silvestres. Elas, inclusive, nem adoecem, mas elas transmitem para uma ave doméstica, que é mais sensível a esses vírus.
Valor: Existe vacina para a gripe aviária?
Silva: Existe, mas esses vírus têm o problema da mutação, modificam as suas características às vezes de uma ave para outra. Você até faz a vacina para um vírus, mas não para o mutante dele. Hoje, o que se usa como regra é sacrificar imediatamente as aves logo no início da doença para eliminar o problema. As vacinas também trazem um problema econômico. Os países não conseguem exportar produtos de aves vacinadas, isso é uma regra do comércio internacional.
Valor: Como se explica o fato do Brasil nunca ter registrado um foco da gripe aviária?
Silva: A gente pode dizer que Deus é brasileiro, nós temos muita sorte de ainda não termos tido foco da doença. Mas esse é um vírus que tem uma sensibilidade muito grande a calor, a radiação solar. Como nós temos uma incidência muito grande de raios solares no Brasil, isso não favorece muito a propagação do vírus. E quanto às aves migratórias, nós não temos a nossa atividade industrial próxima a esses pontos de migração.
Valor: Há registro de influenza na América do Sul?
Silva: No Chile, em 2002. Mas até hoje não se tem certeza do que aconteceu. Tem uma teoria de que foi utilizada nas criações a água de lagos onde existiam uma grande quantidade de aves selvagens, principalmente patos e marrecos, que são os principais reservatórios do vírus na natureza. A empresa deve ter usado água sem tratamento.
Valor: Se por um lado a doença preocupa, também abre uma grande oportunidade para o produto brasileiro…
Silva: Claro, o Brasil é o segundo maior exportador de carne de frango do mundo [em volume, já que em receita o país assumiu a liderança em 2003] com tendência de ser o primeiro já em 2004 por tudo isso que está acontecendo.