Da Redação 22/05/2003 – Na revista Veja desta semana (1803 – 21 de maio de 2003) o cientista político Sérgio Abranches faz uma ode em defesa da importância e do bom funcionamento da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, já que estamos em plena campanha do Fome Zero, do governo federal. Seu artigo vale uma reprodução aqui neste site, deixando o gancho para uma reflexão de todo o setor.
“Nos anos 70, o cerrado era um quase deserto, uma savana rala e despovoada. A BelémBrasília, um corte vermelhão em direção “ao continente perdido”. Miragens da geração perdida dos 50. Hoje, o cerrado é responsável por quase metade dos grãos produzidos no Brasil. A BelémBrasília leva à fronteira agropecuária de alta produtividade e alto crescimento. A agricultura brasileira passou por enormes transformações estruturais tecnológicas e empresariais. Ocupou espaços considerados impróprios para plantação ou criação. Uma mudança que teve por trás muita inteligência”.
Suínos
“Em 1973, um amigo meu, Carlos Baldijão, fazia pós-doutoramento em bioquímica em Cornell, nos Estados Unidos, onde eu estava também. Usava porcos em suas experiências. Ficávamos impressionados com a qualidade dos suínos de lá. A produção brasileira era de má qualidade e irrisória. Em 2001, produzimos 2,2 milhões de toneladas e exportamos 476 mil toneladas de uma carne suína de muito melhor qualidade e com menos colesterol”.
Aves
“Quem acha que galinha caipira é aquele animal de carne dura e baixa capacidade reprodutiva, que bota não mais que oitenta ovos por ciclo reprodutivo, comparados aos 330 ovos da galinha industrial, é porque não conhece a galinha 051. É uma caipira capaz de pôr entre 280 e 300 ovos e que pode ser criada nas condições de uma caipira comum. Nossa produção de frango em 1990 era de 13,6 quilos por habitante. Em 2002, foi de 33,8 quilos. Somos o segundo maior exportador mundial, abaixo apenas dos EUA. A exportação deles cresceu 4,3% entre 1997 e 2002. A nossa, 146%. Esse frango come ração de alta tecnologia, que tem milho e soja resultantes de grande avanço genético”.
Produção de carne
“Nossa carne, vinte anos atrás, era de baixa qualidade, e o garrote típico ficava velho antes de se tornar pesado, dando carne dura. Hoje, a produtividade de nosso plantel rivaliza com a dos melhores do mundo. Nosso bezerro é rústico, fácil de criar, precoce, vai para o abate ainda jovem, produz carne de boa qualidade e macia.
Quando olhamos as vacas brasileiras no pasto, não estamos vendo tudo. O capim que elas comem é de uma espécie adaptada às condições climáticas e ao solo daquela região específica. O animal vem de uma linhagem de alta biotecnologia e bioengenharia, acopladas a apurada seleção desenvolvida por pesquisadores qualificados e produtores modernos”.
Tecnologia em todos os segmentos
“A mesma história pode ser contada para caprinos e ovinos, trigo, milho e cevada, hortaliças, feijão e frutas. Por todo lado vemos a agricultura brasileira em franco progresso, sobretudo tecnológico, aumentando produção, produtividade e qualidade. Alguém quer plantar girassol de alta produtividade e mais resistente a doenças? Que tal experimentar o BRS 191, híbrido simples de girassol, precoce e com alto teor de óleo? Soja? Somos o maior produtor de baixo custo do mundo. Neste ano produziremos mais que os americanos. Temos espécies apropriadas para o cultivo em cada Estado produtor: a BRS 205 é para o Rio Grande do Sul, e a BRS 206, para o Mato Grosso do Sul. Nossa produção de grãos aumentou 94% entre 1990/1991 e 2002/2003 e a área plantada, somente 12%, um ganho de produtividade de 73%.
Todos os exemplos de novas espécies, animais e vegetais, são mais resistentes às principais doenças e pragas que tipicamente atacam as criações e culturas brasileiras.
O que eu ainda não disse é que no DNA de todo esse progresso técnico, do capim às vacas, do abacaxi ao feijão nordestino, de todas as BRS, está impresso “made by Embrapa” ou “em parceria com a Embrapa”. Essa empresa estatal de serviços de alta qualificação é a inteligência por trás da agricultura brasileira. É claro que tal avanço não seria possível sem bons empresários, e os melhores desenvolvem sua própria capacidade tecnológica. Mas não conheço um caso de produtor brasileiro, pequeno, médio, grande ou enorme, que não se tenha beneficiado do trabalho da Embrapa”.
Salvem a Embrapa
“Os projetos que a empresa toca e que dão continuidade ao imenso progresso técnico já conquistado estão ameaçados de paralisação por falta de recursos. Uma ameaça não só de estagnação, mas, em muitos casos, de regresso. O governo tem de saber que existem cortes que causam danos irreversíveis à saúde econômica do país. A Embrapa não pode parar, sobretudo em um governo que pretende alcançar a meta de fome zero. Mas está, também, na hora de os empresários reconhecerem que no DNA de sua riqueza atual há boa dose dessa inteligência subsidiada. Vale um esforço maior de parceria ao inverso, patrocinando parte desse patrimônio tecnológico imperdível. Esse pode ser o grande teste da inteligência empresarial do campo brasileiro”.