Redação SI 02/10/2003 – 0h21 – (Goiânia/GO) – Uma verdadeira metralhadora giratória. Assim pode ser definido o pesquisador do Icepa/Brasil, Jurandir Machado. Numa apresentação bastante polêmica, Machado fez uma análise retrospectiva das dificuldades enfrentadas pela suinocultura brasileira nos últimos 18 meses. O pesquisador não usou meias palavras para relatar os diversos fatores que, em sua opinião, contribuíram para que o setor suinícola atravessasse a pior crise de sua história. Também não poupou nenhum elo da cadeia durante sua apresentação.
Machado iniciou sua palestra demonstrando alguns números da suinocultura brasileira que, segundo ele, são fundamentais para se entender a complexidade da atividade hoje no Brasil.
“A cadeia suinícola viu crescer a sua complexidade, sobretudo, nos anos 90. Várias coisas aconteceram na economia brasileira e na estrutura gerencial das empresas. A atividade no campo mudo rapidamente e a própria suinocultura tornou-se um negócio internacional”, disse. “Então não só as coisas que acontecem interiormente, não só as coisas da estrutura de produção do Brasil explicam porque que seu movimento é cíclico, temos também a inserção da suinocultura brasileira no mercado internacional”.
Segundo seus dados, a suinocultura brasileira movimenta investimentos no campo da ordem de R$ 7,4 bilhões. Desse montante, cerca de R$ 13 milhões são investimentos que estão no campo. O restante, de acordo com ele, são investimentos relativos ao processamento e comercialização da carne suína no Brasil. De acordo com o pesquisador, o setor suinícola paga ao País impostos da ordem de R$ 237 milhões por ano e tem uma receita operacional bruta de R$ 16,8 bilhões.
Sinal de alerta
Para Machado, esses números, por si só, podem dar uma boa dimensão dos efeitos causados pelos 18 meses de crise vividos recentemente pela suinocultura brasileira. “Chegou o momento de começarmos a refletir a partir do tamanho do negócio suinocultura. Não podemos mais tratar os problemas da suinocultura brasileira de forma desordenada, sobretudo, como fizemos a partir de 1999”. De acordo com ele, os valores movimentados pela atividade suinícola nacional permitem afirmar que o Brasil possui uma capacidade instalada de produção atual em torno de 3,5 milhões de toneladas. “Esse potencial pode ser atingido num curto espaço de tempo. Portanto, em 2005, numa visão pessimista, ou em 2006 numa visão otimista, poderemos ter uma outra crise de superoferta”, previu. “Seria agora, portanto, o momento apropriado para construirmos o mínimo de coordenação na cadeia”, disse Machado.
Segundo ele, é necessário que os principais atores da cadeia trabalhem para criar o que ele chama de “capacidade de negociação”. Para Machado, uma das muitas características da indústria agroalimentar suinícola nacional , é a busca constante pela diversificação de produtos no mercado. A força motriz do negócio das principais agroindústrias do País, segundo ele, seria a produção de alimentos em geral. “Quando se estuda a teoria das cadeias verifica-se que quem exerce a coordenação da cadeia é sempre a indústria líder daquele setor”, explicou. “A liderança da cadeia, e podemos dizer que são duas ou três, as grandes empresas que lideram o mercado de carne suína no Brasil, é difusa porque essas empresas não são exclusivas de suinocultura, são empresas de alimentos. O negócio de suínos é apenas mais um negócio para elas. E aí a estratégia da empresa se confunde com a estratégia para alimentos e não especificamente para o interesse de uma única cadeia, no caso a de suínos”.
Segundo o pesquisador, a estratégia dessas organizações tem tratado o negócio suíno quase sempre como o menos rentável, fato que, em sua opinião, dificulta o estabelecimento de critérios para a produção e para o mercado suinícola. “Até porque entre todos os atores da cadeia não existe uma tradição de congraçamento”, afirmou. “Alguns avanços que se teve no sentido de se diversificar mercados, sobretudo mercados de carne in natura, não teve muito sinergismo, a cadeia como um todo não despertou efetivamente. As coisas continuam sendo feitas isoladamente, por tradição não há uma estratégia”.
O pesquisador destacou também a falta de coordenação entre a cadeia suinícola e as redes de varejo. “Essa falta de definição está levando o setor a ter que dividir seus lucros com os supermercados. E esse é um grande nó que precisamos desatar”, disse.”Vamos ter que aprender a negociar, talvez evoluir para a realização de contratos de venda que estabeleça alguns critérios de margem. Porque os supermercados estão inclusive canibalizando as marcas”.
Segundo Machado, está faltando uma estratégia e uma coordenação dentro da cadeia que possibilite que o produto suíno chegue ao mercado de forma mais homogênea e com uma política de preço mais correta.
Contextualizando a crise
Em sua apresentação, Machado também fez um relato sobre as consequências que a crise trouxe para a suinocultura brasileira. Segundo ele, o longo período marcado pela superoferta e pelo achatamento dos preços para o suinocultor trouxe perdas para toda a cadeia e a necessidade de eliminação de 360 mil matrizes. “A relação desse panorama mostra a incompetência dos principais atores em planejar a produção e melhor conhecer o mercado. Esse movimento de contração e expansão produtiva mostra a incapacidade dos atores de administrá-lo”, disse. “As instituições precisam evoluir para criar um critério de negociação”.
De acordo com ele, nos últimos 10 anos foram incorporados no processo produtivo novas tecnologias em instalações, equipamentos, manejo, e especialmente na área genética. “Esse salto que houve na capacidade de produção do País tem como pano de fundo essa questão. Isso também talvez explique a nossa competitividade no mercado internacional. Mesmo que desordenadas essa melhorias foram feitas”, avaliou.
O resultado disso foi o crescimento acentuado da produção nacional. A produção suinícola brasileira cresceu entre 1999 e 2000 cerca de 5%,entre 2000 e 2001, 6,8% e entre 2001 e 2002, 5,2%.
Até então, historicamente, a produção brasileira crescia em média 2,5%. “Até o ano 2000 nossa produção crescia vegetativamente como nossa população, porque a nossa inserção no mercado internacional era fraca. De repente vislumbrou-se um mercado, todo mundo saiu investindo para abastece-lo, mas em seguida constatou-se que esse mercado não era tão grande assim”, disse.
Mercado externo e mudanças institucionais
De acordo com Machado, a segunda metade dos anos 90 foi marcada pelo rápido crescimento das exportações. Os volumes recordes exportados pela suinocultura brasileira se traduziram em mudanças na estrutura produtiva nacional. “Ao mesmo tempo em que estimulou a produção, fortaleceu a consciência da necessidade, cada vez maior, de primar pela qualidade, pela segurança alimentar e pela modernização das relações institucionais”, afirma. Machado acredita que as exportações recordes vão forçar a modernização institucional do setor suinícola. “Novas instituições vão ter que surgir, sobretudo no nível de produtores. As nossas instituições que defendem os produtores já não têm mais relação de força, não têm conhecimento, não têm informações para tomar decisão. Eles não sabem nem quanto se produz. Esse fato está forçando uma mudança completa na forma de organizar a produção”, polemizou o pesquisador.
Para Machado, várias foram as lições que o setor pôde tirar da crise. Uma delas foi a constatação da falta de organização da cadeia suinícola. “Cada produtor, cada empresa deve ter uma estratégia. Porém, algumas estratégias têm que ser conjuntas. Temos que aprender a negociar”, opinou. Outro ponto evidenciado pela crise, segundo Machado, foi a vulnerabilidade das instituições, que em sua opinião, não têm mais poder de negociação.
“Estamos vulneráveis, não temos informação, não estamos discutindo coisas básicas”, sentenciou. “Estamos xingando o outro lado da cadeia mas não temos informação para embasar a nossa crítica”. Para Machado, os últimos 18 meses evidenciaram também a vulnerabilidade do setor com relação a logística de suprimento de insumos. “Outra coisa que ficou visível é que desconhecemos o mercado. Isso é fruto dessa descordenação do setor e isso vale para as empresas organizadas também. Elas não sabem definir o quanto crescer. Uma esconde o jogo da outra. Eu acho que esse tempo passou, tem que ter outro tipo de gerenciamento”, avaliou. “Temos que aprender a sentar, respeitar uns aos outros, a respeitar a produção de cada um, aprender a ouvir. Segundo Machado, uma nova psicologia institucional deve ser reinventada para que o setor possa evoluir.”Não podemos mais permitir a produção sem planejamento. Temos que melhorar as nossas fontes e informação”.
Recomendações
Na última parte de sua palestra, Machado destacou alguns cuidados que a suinocultura brasileira precisa ter para evitar problemas futuros.
O primeiro ponto enfocado foi a questão da inovação tecnológica.”A crise não pode ser um obstáculo para se continuar investindo em tecnologia. A inovação é uma das chaves para se continuar competitivo”, disse. O pesquisador também ressaltou a importância da realização de um planejamento mais cuidadoso por parte do setor. “O planejamento deve ser praticado por todos os elos da cadeia de forma coordenada, para que se possa definir níveis de produção devidamente equilibrados com a demanda atual e futura”, afirmou. “Esse planejamento pressuposto deve estar embasado em levantamentos de produção, mercado, o setor também deve fazer análises, avaliações, prospecções de mercado, estudos conjunturais e estruturais da cadeia suinícola no Brasil e no mundo.
Ter como rastrear a concorrência e construir cenários prospectivos de curto, médio e longo prazo usando as informações necessárias para o processo de tomada de decisão. Sem esse instrumento continuaremos sendo pegos de surpresa a cada expansão ou retração da produção fora da potencialidade do mercado”.
Machado ressaltou também a necessidade de alimentar a confiança e a cooperação entre os atores da cadeia. “Para essa questão será necessário inventar uma nova psicologia institucional , criar uma nova terapia baseada na confiança e na cooperação.Os produtores não confiam nos outros produtores e nas suas lideranças. O mesmo ocorre entre os empresários e entre esses e seus fornecedores. Sem confiança e cooperação como enfrentar a concorrência, agora em escala planetária?”, indagou.
Para ele, é preciso fortalecer a coordenação da cadeia para garantir a competitividade. “Fortalecer a coordenação da cadeia é ter o controle sobre a política de preços e poder garantir a atividade. O fortalecimento dos mecanismos de coordenação da cadeia passa por novas formas de logística, de negociação e de estabelecimento de normas de comercialização”.
Outra questão enfocada pelo pesquisador foi a necessidade de fortalecimento do serviço de defesa animal no País. “Temos que ter uma estratégia na cadeia de fortalecimento do serviço oficial como forma de melhorar nossa imagem diante dos principais clientes”.
Entre várias outras recomendações, Machado destacou também a necessidade do setor desenvolver no País a construção do mercado de carne in natura. “Esse mercado precisa ser construído. Para isso, regras, padrões, a garantia de qualidade precisam ser definidos. Abrir esse mercado deve ser o fruto de uma parceria entre produtores e indústria”.