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Brasil salva o mundo de uma crise alimentar e da fome mais profunda

Em abril e maio do ano passado, o mundo enfrentou uma das piores situações no fornecimento global de alimentos

Brasil salva o mundo de uma crise alimentar e da fome mais profunda

Em abril e maio do ano passado, o mundo enfrentou uma das piores situações no fornecimento global de alimentos. O índice de preços dos alimentos da FAO, que mede o preço das commodities alimentares mais importantes, atingiu o nível mais alto já registrado. Sempre que esse evento ocorre, a inflação alimentar afeta principalmente as populações mais pobres, obrigando a mudanças na dieta em direção a alternativas mais baratas e levando parte da população a uma situação de fome.

Vários fatores explicam a elevação dos preços globais, desde interrupções nas cadeias de suprimentos de alimentos devido à pandemia, questões climáticas que afetam os rendimentos, conflitos entre importantes nações agrícolas que interferiram na produção global, questões comerciais, disponibilidade de transporte, falta de contêineres, menor disponibilidade de produtos químicos, falta de fertilizantes e outros. A demanda por alimentos também aumentou devido às medidas tomadas durante a pandemia.

Ao analisar os dados históricos de oferta e demanda globais da FAO/ONU, é importante destacar que o equilíbrio entre oferta e demanda requer que o lado da oferta traga a cada ano cerca de 30-40 milhões de toneladas adicionais de grãos, exigindo melhores rendimentos, mas também uma nova área de produção de cerca de 6,5 milhões de hectares, de acordo com um estudo recente da Universidade de Illinois.

Mais grãos (alimentos) são necessários, pois a cada ano temos: a) mais estômagos no planeta, b) estômagos ficando maiores (comendo mais, infelizmente), c) estômagos se movendo de áreas rurais para cidades (urbanização) mudando o que desejam (hábitos de consumo) e d) estômagos ficando mais ricos e entrando no mercado de consumo.

O mercado internacional de bioenergia também é muito exigente, pois vários países estão aprovando regulamentações para aumentar a mistura de renováveis nos combustíveis fósseis. Os exemplos mais importantes são o etanol (crescendo na Índia, Tailândia, França, África do Sul e vários outros países), o biodiesel (novas metas na Indonésia, Europa e outros), o diesel renovável a partir de soja e outras fontes (fortemente demandado nos EUA agora), o combustível de aviação representa um mercado novo e amplo, combustível renovável para transporte marítimo e outras demandas que exigem investimentos, desenvolvimentos e inovação adicionais na agricultura.

Mas um ponto que merece destaque é o que tem acontecido nos últimos quatro anos e que ajudou a evitar que a situação piorasse ainda mais. A área de produção de grãos no Brasil aumentou de 63,26 milhões de hectares em 2018-2019 para 78,13 milhões em 2022-2023. Nos últimos quatro anos, o Brasil adicionou quase 15 milhões de hectares para grãos, convertidos principalmente de pastagens degradadas. Devemos considerar que parte desse crescimento está em segunda safra, utilizando a mesma área, além de grandes avanços na produção agrícola sustentável (rotação de culturas, produtos biológicos, tecnologia…).

Foi um investimento muito arriscado feito pelos agricultores em um momento em que os custos dos insumos dispararam, os custos das terras aumentaram, a falta de mão de obra, capacidade de armazenamento e até mesmo questões logísticas atingiram o setor. A conversão de um hectare de pastagem degradada para grãos é um investimento de cerca de US$ 3.000 ou até mais. Pelo menos os preços ajudaram a obter retorno positivo, exceto para a safra atual, em que os custos foram altos e os preços caíram.

Esse crescimento fez a produção de grãos do Brasil saltar de 246 milhões em 2018-19 para uma expectativa de 316 milhões de toneladas este ano, um acréscimo de 70 milhões de toneladas de grãos em quatro anos. Este ano, o Brasil fornecerá cerca de 55% da soja importada pelo mundo e 30% do milho importado, tornando-se o maior exportador de milho. Devemos observar que, se não fosse pelo Brasil, o índice de preços dos alimentos da FAO estaria em uma posição muito pior, exacerbando a situação de fome ao redor do mundo e até mesmo ameaçando a estabilidade de alguns países. Provavelmente, esse foi o maior crescimento já visto em um país agrícola em nosso planeta, e os agricultores brasileiros merecem reconhecimento por essa contribuição. Se não fosse pelo Brasil, onde estaríamos agora?

Marcos Fava Neves é professor de cadeias agroalimentares na Universidade de São Paulo (USP) e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Fundador da Harven Agribusiness School no Brasil. As opiniões não refletem necessariamente as do China Daily.