Com Portugal atrasado na transposição da nova diretiva sobre energias renováveis, que deveria ter entrado em vigor a 1 de janeiro, a Associação de Bioenergia Avançada (ABA) espera que o novo governo venha a dar “sinais claros” de uma aposta na atividade, criando condições para o uso de misturas mais ricas de biocombustíveis nos combustíveis fósseis. “Há já países que usam essas misturas mais ricas e a própria União Europeia discute já que o standard possa passar do B7 atual para B10”, defende Ana Calhôa, secretária-geral da ABA.
Em causa está a percentagem de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fósseis, sendo que o B7 é o atual gasóleo simples e que incorpora 7% de biodiesel. O objetivo da ABA é que o mínimo passe a ser de B10, o atual gasóleo especial, e em que essa incorporação é de 10%. É apenas um primeiro passo, porque, na verdade, o objetivo da associação é que venham a ser usadas cada vez misturas, cada vez mais ricas, como o B15, B30 ou mesmo B100, nos transportes pesados, de modo a que a neutralidade carbónica “seja atingida mais fácil e rapidamente”. E o exemplo existe, lembra Ana Calhôa, remetendo para os sete autocarros B100 da Carris, uma iniciativa conjunta com a Prio, e que permitiu o lançamento, em 2019, da primeira carreira de autocarros movidos a biodiesel 100% livre de energia fóssil, produzido a partir de óleos alimentares usados.
Mas tudo está em suspenso, à espera da transposição da referida diretiva, designada por RED II, na qual a ABA espera que a bioenergia avançada seja colocada também como uma das soluções para a descarbonização, com a definição de metas, o que Ana Calhôa considera ser “o sinal” de que a indústria precisa para continuar a investir e a aumentar a sua capacidade de produção. “Há fábricas a serem construídas que acredito que, em um ou dois anos, apareçam para a promoção da bioenergia avançada e há refinarias que podem ser alteradas para a promoção destes biocombustíveis”, defende. Questionada sobre a eventual transformação para este fim da refinaria de Matosinhos da Galp, que foi desativada no ano passado, Ana Calhôa remete para questões de engenharia que não domina, sublinhando apenas que, “uma das vantagens na produção dos biocombustíveis de resíduos e avançados é a possibilidade de adaptar as fábricas combustíveis atuais à produção desta solução, que contribui para a mobilidade sustentável e para a evolução tecnológica, potenciando a economia circular”.
Sobre o Plano de Recuperação e Resiliência, Ana Calhôa admite que há projetos de bioenergia avançada, mas “muito focados na área dos gases renováveis”. Defende, por isso, que “poderia haver aqui uma aposta maior na utilização de resíduos para a produção de bioenergia avançada, seja ela líquida ou gasosa, e que deveria haver mais apoio para fazer a transição energética nos transportes”. A ABA lembra que a opção por um biodiesel avançado permite reduzir as emissões de CO2 em cerca de 83%, compararivamente aos combustíveis fósseis. “É uma solução que é sustentável, económica e ambientalmente”, garante.
Além dos estímulos ao uso de misturas mais ricas, Ana Calhôa lembra que há ainda muito a fazer ao nível dos resíduos. “Só 40%, e acho que estou a ser bastante otimista, dos óleos virgens colocados no mercado é que são depois recuperados. É uma percentagem que podemos e devemos aumentar, sensibilizando o cidadão para a importância da recolha dos óleos alimentares usados”, sublinha.
Sobre o ano de 2021, Ana Calhôa fala num balanço “muito positivo”, com várias conquistas. “A grande evolução que 2021 trouxe, segundo os dados disponibilizados até ao momento e referentes ao período até ao terceiro trimestre, foi o aumento do contributo das matérias-primas residuais para a produção de biocombustíveis”, diz, explicando que, no último ano, cerca de 60% das matérias-primas utilizadas na produção de biocombustíveis eram de origem residual, como óleos alimentares usados e gorduras animais, e 10,4% de matérias-primas residuais avançadas, que resultam de resíduos domésticos e industriais, mas também florestais, entre outros.
“Este aumento é muito relevante porque significa que Portugal está alerta para a importância da economia circular e da valorização dos resíduos. Estamos confiantes de este valor tem margem para crescer ainda mais durante este ano”, sublinha a responsável.
Ana Calhôa aplaude, ainda, a eliminação progressiva do óleo de palma na produção de biocombustíveis, uma eliminação que começou a partir de janeiro de 2022. “É um sinal muito positivo para o setor. O objetivo é que se deixe de lado as matérias-primas virgens, utilizando cada vez mais resíduos na produção de biocombustíveis”, frisa. Muito positivo também foi a isenção do ISP para os biocombustíveis avançados, decidido no âmbito do Orçamento do Estado para 2021. “Além de estarem a pagar um imposto petrolífero, o que não fazia muito sentido, isto veio demonstrar a importância dos biocombustíveis para a descarbonização”, acrescenta.
Com 11 associados, a ABA “reúne produtores nacionais de biocombustíveis avançados e de gestão de resíduos, além de empresas dedicadas à implementação de projetos que refletem a nossa visão de uma economia sustentável, ecológica e circular”. A Galp é um dos seus associados mais recentes.