Adversários, nos últimos dias, em temas políticos e comerciais, como o futuro de Honduras e as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC), Brasil e Estados Unidos querem discutir projetos de cooperação. O esforço para dar prioridade às afinidades entre os dois países fez parte da agenda de uma alta autoridade dos EUA, em visita discreta ao Brasil nesta semana, e é um dos principais temas da visita do subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, que inicia no domingo, pelo Brasil, uma visita aos países do Mercosul.
Os EUA querem firmar o mais rapidamente possível um acordo-quadro em comércio e investimentos com o Brasil, para abrir mais espaço para a ” cooperação ” , disse o representante-adjunto de Comércio dos EUA, Everett Eissenstat, ao participar, no Palácio do Itamaraty, da reunião do Mecanismo de Consultas Bilaterais, com representantes de pelo menos seis ministérios. O Mecanismo de Consultas, órgão tradicional de discussões entre os dois governos, deve dar lugar ao novo acordo, que dá menos ênfase às divergências e maior abrigo institucional a ações conjuntas, argumentou Eissenstat.
” No fim de janeiro, devemos trocar textos e começar a negociação, que não deve ser complicada ” , disse, após a reunião, o chefe do departamento econômico do Itamaraty, Carlos Márcio Cozendey. Após a aprovação do acordo, os dois governos devem fixar uma agenda de trabalho, com discussões sobre temas como cooperação no setor sanitário e ações comerciais em terceiros países, como o Haiti.
Nos últimos meses, Brasília e Washington têm se colocado em campos opostos, na questão de Honduras (EUA já reconheceram o governo eleito, condenado pelo Brasil); na OMC (Celso Amorim trocou acusações com o representante de Comércio dos EUA, Ron Kirk, em Genebra); e na condenação ao programa nuclear do Irã (os EUA querem medidas duras contra o governo iraniano, o Brasil dá crédito às afirmações do Irã de que o programa não inclui a bomba). As discussões dos técnicos, porém, não refletem o clima de confronto.
Na reunião de ontem, segundo um dos participantes, o tom cuidadoso da administração Obama em relação às relações bilaterais ficou evidente no tratamento da questão da propriedade intelectual.
Eissenstat não deixou de tratar da discussão sobre subsídios americanos ilegais na OMC, onde o Brasil ganhou o direito à ” retaliação cruzada ” , com medidas contra direitos de propriedade intelectual dos EUA em represália aos subsídios ilegais. A retaliação cruzada é uma arma comercial ainda desconhecida, com consequências imprevistas, alertou o negociador americano, que, no entanto, evitou fazer ameaças e recebeu com surpreendente boa vontade os relatos sobre a proteção à propriedade intelectual no Brasil – tema de cobranças em reuniões passadas.
Os EUA devem ainda, trocar informações com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para facilitar a análise de casos de direitos de propriedade intelectual que afetam a concorrência. Os dois países combinaram de colaborar nas contestações que Embraer e Boeing vêm fazendo contra a canadense Bombardier, acusada de subsídios ilegais em suas fábricas na Europa.
Os brasileiros queixaram-se da demora nos EUA para liberar a importação de carne bovina e suína no mercado local. No caso da carne suína, apesar de uma missão sanitária ter dado sinal verde, em 2008, até hoje o governo não colocou o tema em consulta pública, como preveem as regras locais. Os produtores temem que o governo Obama tenha brecado o processo de liberação, que avançou na administração republicana. Eissenstat pediu apenas para que o assunto não fosse levado à esfera política, porque se limitaria à esfera técnica. Não convenceu. ” É protecionismo ” , reclama o representante dos exportadores, Pedro Camargo Neto.
Eissenstat também não foi muito otimista em relação ao pedido dos produtores têxteis, para modificar o acordo de comércio com o Haiti, de forma a permitir produção de têxteis destinada ao mercado americano em fábricas haitianas com maior quantidade de matéria-prima brasileira. As mudanças dependem do Congresso, onde há resistências, argumentou.