A análise é considerada, “no mínimo alarmista” pelo coordenador do Grupo Especial Móvel de Fiscalização do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, Marcelo Campos. O grupo é o responsável pela elaboração da chamada lista suja do trabalho escravo.
Com base em bancos de dados, mais de 19 mil quilômetros de visitas de campo e entrevistas com pesquisadores, proprietários rurais, ONGs e movimentos sociais, a primeira edição do relatório traça um panorama dos impactos socioambientais da produção de soja e mamona – matérias-primas do biodiesel.
No relatório, a ONG associa a demanda por biocombustíveis à expansão das lavouras brasileiras de soja. O aumento da porcentagem obrigatória de biodiesel no diesel brasileiro, que em julho vai subir de 2% para 3%, é uma das explicações do relatório para essa associação. Atualmente, das 60 milhões de toneladas do grão produzidos no Brasil, apenas 3,5 milhões são destinadas à indústria de biodiesel. De acordo com o relatório, se o atual modelo de produção do grão for mantido, a tendência é que os impactos sociais também se agravem, entre eles, o trabalho escravo.
“A relação entre expansão agropecuária e utilização de trabalho escravo acende um sinal de alerta para a soja. Com os preços do grão em recuperação nos últimos anos e com a tendência do aumento do número de fazendas de soja, é de se esperar que se utilizem trabalhadores temporários tanto para limpar antigos pastos quanto para derrubar mata nativa. E são esses os casos mais vulneráveis para serem reduzidos a escravos”, relata o texto.
“A análise é no mínimo alarmista. Nós entendemos que um eventual crescimento de qualquer segmento econômico, seja ou não relacionado à soja, a tendência é que ele venha a ocorrer com a garantia do trabalho decente”, argumenta o coordenador do Grupo Especial Móvel de Fiscalização do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, Marcelo Campos. Segundo ele, os produtores estão “muito mais atentos” aos riscos de contratação de mão de obra escrava, seja na soja ou em outras culturas.
O documento, no entanto, não aponta se o destino dos grãos produzidos com mão-de-obra análoga à escravidão nas fazendas da lista suja foi a produção de biodiesel.
“Se você pegar o grosso do trabalho escravo no Brasil você vai ver que existem poucos casos de sojeiros que praticaram trabalho escravo; agora se você pensar na agricultura de forma integrada, aí sim você é obrigado a fazer o vínculo com a soja”, argumenta o coordenador da pesquisa, Marcel Gomes.
A lista mais recente de propriedades flagradas com trabalho escravo, divulgada em dezembro de 2007, não inclui nenhum sojicultor, segundo Marcelo Campos. “O que ocorre é que, semestralmente, a lista vai ficando com um passivo, têm nomes que saem, mas têm nomes que ficam. Ainda há produtores de soja desse passivo”, explica.
De acordo com Gomes, da ONG Repórter Brasil, a mão de obra escrava é utilizada geralmente para limpar áreas, desmatar, catar raízes; etapas que antecedem a ocupação do solo, principalmente para a pecuária. “E a soja entra sempre depois da pecuária em áreas já abertas. De certa maneira, a soja se beneficia indiretamente desses casos de pecuaristas que abriram área que depois utilizou a terra para produzir soja. Existe um vínculo indireto, sim”, acrescenta.
Na avaliação de Campos, a análise da vinculação entre a soja e o trabalho escravo à longo prazo não é razoável, porque, segundo ele, “independente de ser soja, sucro-alcooleiro, carvoejamento, pecuária ou produção de tomates, qualquer atividade econômica no meio rural pode, episodicamente, vir a utilizar o trabalho escravo”.
Em 2008, o grupo do Ministério do Trabalho vai monitorar principalmente três setores: sucro-alcooleiro, carvoejamento e algodão, que apresentam maiores índices de denúncias e ocorrências. “E a soja não está entre eles. Pode ser que venha a ocorrer no futuro? Eventualmente [sim]. Estamos vigilantes para a toda a economia do meio rural”, afirmou Campos.
Além da influência sobre o trabalho escravo, o relatório também lista problemas como invasão de terras indígenas, aumento de ocorrência de acidentes de trabalho e conflitos agrários como possíveis impactos sociais da demanda crescente por biocombustíveis.
“Nosso alerta é que se for mantido esse modelo atual de produção, com capital intensivo, com base na grande propriedade, com intenso uso de agroquímicos, com pouco empregos sendo gerados, isso pode causar uma série de problemas”, apontou o coordenador da pesquisa. Até dezembro, a ONG lançará outros dois volumes com análises dos impactos da cana-de-açúcar, milho, algodão, palmas e pinhão manso, também utilizadas na produção de biocombustíveis.
Procuradas pela reportagem, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), principais representantes do setor, alegaram que não puderam responder às críticas nessa quinta-feira (24-04) porque os representantes e porta-vozes das instituições estão em compromissos fora do país.