Redação (02/06/2008)- O Estado do Ceará deverá ganhar nesta semana novas leis de defesa sanitária animal e vegetal. Estão na pauta de votação da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará (AL), as mensagens 6.974 e 6.975, que atualizam as Leis 13.067 e 13.066, respectivamente. A legislação atualmente vigente foi aprovado em 2000 e decretada no ano seguinte. As duas matérias têm como base a legislação agropecuária federal de 1991.
Técnicos da Adagri iniciaram a elaboração dos dois novos projetos no fim do ano passado. Ambos chegaram à AL em abril passado. A principal mudança proposta nas mensagens é a transferência das atribuições de defesa animal e vegetal para a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri), criada em 2004. Pelas leis atuais, a competência dessas ações ainda cabe à extinta Secretaria de Desenvolvimento Rural.
Segundo o presidente da Adagri, Edilson de Castro, a nova legislação vai auxiliar o Estado a sair da classificação de “área de risco desconhecido”, estabelecida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Por causa disso, o Ceará só pode comercializar produtos e animais com Estados que estejam no mesmo nível sanitário. “Essas leis vão ajudar o Ceará a ficar livre da febre aftosa e de outras doenças animais. Na área vegetal, vamos poder ficar livres de pragas”, comemora.
Legitimar ações
Conforme o texto de apresentação das mensagens enviado ao Legislativo estadual, a transferência das atribuições de defesa à Adagri é uma ação imprescindível para legitimar as ações do órgão, entre elas a proteção à saúde dos animais e vegetais e a garantia da qualidade sanitária dos produtos agropecuários, contribuindo para a produção de alimentos seguros.
O texto defende também que as atualizações visam essencialmente adequar a legislação de defesa agropecuária do Estado aos compromissos assumidos pelo Brasil nos acordos internacionais do setor, que possibilitarão a comercialização dos produtos cearenses aos países signatários de tais acordos.
Outra atualização estabelecida pelos novos projetos chegou por meio de emenda enviada pelo gabinete do governo nesta semana. Foi a alteração da unidade utilizada para o cálculo das taxas e multas a serem pagas pelos infratores da lei, da antiga Ufir para a Unidade Fiscal de Referência do Ceará (Ufirce).
Além disso, outras alterações podem ser percebidas por meio de comparação entre as leis vigentes e a legislação a ser votada. O projeto da lei de defesa animal, por exemplo, estabelece a diferença entre sacrifício e abate sanitário. Este último, que não é citado na lei atual, prevê a possibilidade de aproveitamento condicional de carcaças ou vísceras de animais, de acordo com o serviço oficial de inspeção.
De acordo com o líder do Governo na AL, deputado Nelson Martins, os projetos não devem enfrentar grandes obstáculos para serem aprovados, visto que são necessários para fazer com que o Estado saia da situação de “risco desconhecido”. O parlamentar lembra ainda que a segurança alimentar da população está sendo visada. “A atualização instrumentaliza legalmente o Estado para garantir a qualidade dos produtos consumidos pela população e para permitir que o Estado possa exportá-los”, defende.
Um procedimento importante de atuação da Adagri será a punição aos produtores que descumprirem as determinações da lei, que estabelece diferentes graus de multas e até interdições a infratores e em propriedades. Segundo Edilson de Castro, o objetivo da agência não será arrecadar dinheiro, mas obrigar os pecuaristas a cumprirem as obrigações legais. “Queremos uma maior conscientização por parte deles, mas já estamos trabalhando esse processo faz tempo, então está na hora de punir”.
Questionado sobre como garantir o cumprimento da nova lei, Castro disse que duas linhas de ação são necessárias: a primeira é a conscientização dos produtores de que eles devem obedecer às exigências legais; a segunda é o Estado dotar a Adagri de um número suficiente de profissionais para orientar, fiscalizar, multar e interditar, se necessário. Nesse sentido, o gestor comemora a autorização, por parte do governador, de um concurso para contratação de 76 fiscais e agentes estaduais agropecuários. O edital deve ser lançado entre 30 e 40 dias, segundo estima.
Alguns procedimentos não presentes no texto da lei serão estabelecidos posteriormente, em decreto de regulamentação da lei ou em portarias da Adagri. Além disso, está sendo produzido projeto de lei que institui a cobrança de taxas no setor agropecuário. Castro diz que tratam-se de cerca de 40 taxas e serviços para diferentes situações, já cobradas no Brasil todo. “A legislação estadual de agrotóxicos também poderá ser atualizada”, complementou.
O QUE ELES PENSAM
Para melhorar o “status” sanitário
Os projetos estão de acordo com as normas do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, do governo federal. Era preciso colocar na lei que a Adagri é responsável pela defesa agropecuária. É preciso fortalecer a agência, essa é uma questão de saúde pública. O Estado está ilhado do ponto de vista das exportações. Há grandes produtores que não podem comercializar seus produtos por causa do “status” sanitário do Estado.
Camilo Santana
secretário do Desenvolvimento Agrário
Melhor do que ameaçar com multas seria fazer uma grande campanha de orientação. Dessa forma, a lei nos obriga a fazer o que a gente não pode. A gente precisa de algumas condições, sobretudo financeiras. Isso não quer dizer que a gente não possa ter cuidado. Tomara que a lei beneficie a todos, inclusive pequenos produtores.
Antônio Soares Guimarães
Torço para que a nova lei acabe com a venda clandestina de leite, pois, na grande maioria dos municípios, o leite é vendido in natura, e, assim, pode ser veículo de transmissão de muitas doenças. As firmas de produtos com inseticidas e agrotóxicos devem recolher as embalagens para não poluir os mananciais.
José Maria Pimenta
presidente da Ematerce
Essa atualização é da mais alta importância para o desenvolvimento agropecuário cearense. Que ela venha ao encontro dos ensejos do sistema produtivo do Estado, como a agilização da erradicação da aftosa e a eliminação de algumas pragas que podem afetar o desenvolvimento da fruticultura ligada à exportação.
Flávio Saboya
presidente da Associação de Criadores do Ceará e vice-presidente da Faec
ENTREVISTA
ALOÍSIO PEREIRA NETO*
´Agir preventivamente, através da fiscalização, e punir, exemplarmente, os infratores, é a solução´
Que pontos da atual Lei de Defesa Animal precisam ser atualizados?
A Lei vigente, de 2000, tem vários aspectos a atualizar. No que diz respeito à fiscalização, aplicação de multas e, em especial, o tratamento dado aos animais doentes. O que fazer? Simplesmente sacrificá-los? Muitas vezes essa medida é tomada por ser a menos onerosa, contudo afronta a lei de crimes ambientais no que diz respeito aos maus tratos desses seres.
E da atual Lei de Defesa Vegetal, o que necessita de atualização?
Basicamente os mesmos tópicos da Lei de Defesa Animal. O que tem que ficar claro é a punição aos infratores, competência de fiscalização, penas severas, porém realistas. Outro aspecto importante é a questão da educação ambiental que deve ser inserida em todos os níveis escolares do Estado.
Que novos temas precisam ser inseridos na legislação do setor?
Temos que ter uma fiscalização na entrada e saída desses produtos em nosso Estado, seja via terrestre, aérea ou marítima. Os países europeus somente importam se as condições sanitárias forem seguras. Se não cuidarmos de nossa produção, os alimentos não poderão ser exportados, as vendas imperram e o prejuízo será geral. Se os produtos forem bem fiscalizados, competem no cenário mundial e o Estado, pela sua posição geográfica, ganha espaço para enviar produtos aos mercados consumidores, sobretudo o Europeu.
Os dois projetos de lei satisfazem essas necessidades ou ainda há falhas na nova legislação proposta?
Os projetos de leis não alteram muito o texto atual, apenas um ou dois artigos, e há a troca de denominação da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) para a Adagri. Basicamente isto. A lei é um produto do ser humano, um ser imperfeito, então as leis sempre serão imperfeitas, precisarão de melhorias. Especificamente quanto ao projeto, o que me chamou a atenção foi que a Mensagem 6.975 excluiu do parágrafo 2º, do Artigo 1º, a palavra “agricultura”, deixando somente preservada a importância econômica da indústria. Nada contra a indústria, pelo contrário. Contudo, se o projeto trata de defesa vegetal como excluir a importância da agricultura do texto legal? Entendo, também, que o projeto deveria ser mais claro quanto às punições, e, especialmente, ter algum dispositivo que trate dos organismos geneticamente modificados.
Tão problemático quanto a falta ou o atraso das leis é o não cumprimento delas. Como garantir que a nova legislação de defesa agropecuária seja cumprida na prática?
Sem dúvida. Para haver o cumprimento de toda e qualquer lei são necessárias duas coisas: educação, no caso a ambiental, e fiscalização. O poder público precisa estar aparelhado com equipamentos de última geração, confiáveis, e ter seu corpo de servidores devidamente treinados, bem remunerados, envolvidos com a causa. Agir preventivamente, através da fiscalização, e punir, exemplarmente, os infratores, é a solução para acabar o descumprimento de qualquer lei. Leis nós já temos demais o que nos falta e, muitas vezes, nos desestimula, é a falta de efetividade dessas normas. Mas, com vontade política é possível mudar essa realidade brasileira.
*Advogado, especialista em Direito Ambiental e presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil-Ceará