A emissão das ações da BRF (Brasil Foods), prevista para acontecer em julho, será o primeiro desafio a ser enfrentado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), com o surgimento da empresa resultante da fusão entre Sadia e Perdigão. De acordo com alguns especialistas, se a empresa lançar papéis no mercado, a operação de fusão é consolidada antes da análise do Cade.
Apesar de ainda não terem apresentado o caso às autoridades reguladoras, Sadia e Perdigão haviam prometido que funcionariam separadamente até o julgamento. Arthur Badin, presidente do Cade, disse anteriormente que a preocupação com a criação da BRF era garantir as condições para que a operação pudesse ser revertida no futuro, caso fosse decidido por alguma forma de veto ao negócio.
“Seria mais prudente que essa emissão de ações não fosse feita”, afirma Arthur Barrionuevo Filho, ex-conselheiro do Cade e professor da FGV. “Além de resgatar eventuais dívidas da Sadia, o dinheiro provavelmente será investido em fábricas e marcas da Sadia e da Perdigão, o que consolidará a operação na prática.”
A Folha ouviu três outros ex-conselheiros do Cade que têm a mesma opinião, mas que pedem para não ser identificados. Paula Forgioni, professora da Faculdade de Direito da USP, no entanto, acredita que as empresas podem manter suas operações de maneira independente, mesmo com a emissão de ações.
Precedente
No entanto, uma assembleia de acionistas aprovou a troca de ações da Antarctica, que enfrentava sérias dificuldades financeiras, por papéis da AmBev. O Cade considerou que a iniciativa acabaria com a existência da Antarctica e chegou a impedir que as ações fossem negociadas em Bolsa, até o julgamento do caso.
O órgão voltou atrás, pouco depois, dizendo ser necessário apenas que os investidores fossem informados da hipótese de reversibilidade da operação. A mudança de postura da autarquia foi questionada à época.
No caso da BRF, a expectativa é que o Cade peça que as empresas assinem um Apro (Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação). Sem força de lei, mas previsto e adotado em outros casos analisados pelo conselho, o acordo prevê que a estrutura das companhias continue existindo e operando de modo independente até que o negócio seja aprovado, rejeitado ou modificado. Ele é usado sobretudo para evitar demissões, fechamento de fábricas e marcas.
O uso do Apro, no entanto, tem sido questionado. Segundo Barrionuevo, seu uso foi pífio no caso da Oi e BrasilTelecom, quando abrangeu apenas os serviços de banda larga. “É como se dissessem a empresas ferroviárias que desenvolvem a malha juntas que as locomotivas terão de andar separadas”, diz Barrionuevo. “Houve concretização, na prática.”
Uma manobra acionária na BRF pode ser encarada como facilitadora na reversão da operação. Isso porque os controladores da Sadia transferirão suas ações para uma empresa chamada HFF Participações. As ações da HFF e da própria Sadia que estão no mercado serão incorporadas pela Perdigão, que passará a se chamar BRF. Assim, a Sadia passa a ser uma subsidiária integral da Perdigão, que continuará operando com o mesmo CNPJ.
“Seria mais difícil reverter a operação se houvesse um novo ente”, diz Cleveland Prates, ex-conselheiro do Cade e professor de Direito na FGV, já que a HFF não é considerada como tal. “Mas, desse modo, o comprometimento é da Perdigão, que pode, em última instância, vender as ações da Sadia.”
Nenhum dos especialistas espera que haja restrição total ao negócio. Até setembro, vencem dívidas da Sadia no valor de R$ 2 bilhões. Parte da emissão de R$ 4 bilhões será destinada ao seu pagamento. Caso a fusão não se concretize, seriam colocados em risco a empresa e os 60 mil empregos que gera.
Procuradas, Sadia e Perdigão não concederam entrevista. O Cade só se manifestará após as empresas entrarem com o pedido de aprovação do negócio, previsto para terça, dia 2.