O volume de biogás produzido no Brasil deverá aumentar 15 vezes até 2030, projeta a Associação Brasileira de Biogás (Abiogás). Segundo a entidade, que discutiu o tema na Fenasucro & Agrocana, o potencial do país é de 100 milhões de metros cúbicos do produto por dia, mas a quantidade gerada em 2021 foi de apenas 2,3 milhões. Até 2030, a previsão é que a capacidade diária atinja 30 milhões.
Durante a feira em Sertãozinho (SP), uma empresa apresentou um gerador de eletricidade movido a biogás. A tecnologia, que tem engenharia brasileira, deve reduzir a dependência do mercado externo, já que este tipo de equipamento é importado.
Segundo o presidente da Abiogás, Alessandro Gardemann, a obtenção de biogás experimentou um crescimento de dez vezes nos últimos dez anos. E, nos próximos oito, os investimentos industriais deverão chegar a R$ 60 bilhões, principalmente por parte das usinas sucroenergéticas, que serão, também, as principais beneficiadas.
O biogás é uma mistura de gás carbônico com metano utilizada na geração de energia elétrica e combustível. É extraído do processamento, por meio de biodigestores, de qualquer resíduo orgânico, como bagaço e palha da cana-de-açúcar, palha de arroz e de milho, caroço de algodão, lixo e dejetos de animais. Dessa mistura, sai o biometano, que poderá substituir derivados de fontes fósseis, como a gasolina, o diesel e o gás natural, em veículos como carros, ônibus, tratores e outras máquinas agrícolas.
Gardemann explica que o agronegócio gera muito resíduo sem destinação adequada. Além do biogás, o processamento resulta em adubo orgânico, que, aplicado nas lavouras, pode aumentar a produção agrícola. Ainda segundo ele, os produtores rurais podem diminuir custos, já que é possível aproveitar resíduos de diversas atividades dentro da mesma propriedade.
Para a gerente executiva da Abiogás, Tamar Roitman, o biogás tem potencial para gerar um grande impacto não apenas no campo, mas em toda a sociedade. “Precisamos de mais energia renovável, no combustível, no gás de cozinha, na energia elétrica. E temos uma energia que pode ser produzida localmente e chegar até as nossas residências”, afirma.
Gerador a biogás feito no Brasil
O gerador a biogás foi apresentado durante a Fenasucro pela empresa OnPower, com engenharia brasileira e motor alemão. De acordo com o gerente comercial Fernando Lemos, a feira foi palco para o lançamento nacional da tecnologia.
“Nós recebemos o biogás, que é o combustível. Ele vai para o motor, que é uma energia mecânica. O motor está acoplado a um alternador, uma engenharia elétrica. O motor, girando esse alternador, gera energia, mais ou menos parecido com aqueles pequenos geradores de bicicletas de antigamente, que faziam um farol se acender”, afirma Lemos.
O equipamento tem capacidade para abastecer o equivalente a 2,2 mil residências com um custo que varia de R$ 65 a R$ 70 por hora. Lemos explica que, diferente de outros geradores, que são acionados em situações emergenciais, este gera energia constantemente. “Pense em uma usina que vai ter energia elétrica a qualquer hora com um custo desse. É bem baixo”, disse.
A OnPower é proprietária das maiores usinas termelétricas do Brasil e da Argentina. Após identificar uma necessidade de gerar energia a partir do biogás, a empresa desenvolveu o gerador com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “O mercado está aflito e corre atrás dessa máquina, já que, se não compra no Brasil, precisa importar, o que é mais caro”, afirma.
Lemos diz que o equipamento pode ajudar a reduzir sérios problemas ambientais, pois pode usar o biogás produzido a partir não apenas de sobras do agronegócio, mas de rejeitos de aterros sanitários e de estações de tratamento de água.
Biometano: menor emissão de gases poluentes
O biogás também vai permitir o uso em escala do biometano como combustível, cuja emissão de gases poluentes é menor – pode cair, em média, 80% na comparação com combustíveis fósseis. No início deste ano, a multinacional norte-americana New Holland lançou comercialmente no Brasil o primeiro trator do mundo movido a biometano.
O veículo, que começou a ser projetado em 2013, passou a ser testado no país quatro anos depois. Ele inaugura, segundo o gerente de marketing de produto, Bruno Belorini, um novo segmento de equipamentos agrícolas.
São Paulo e Rio de Janeiro são, segundo a Abiogás, os estados que mais produzem biometano. No interior paulista, a Raízen prevê inaugurar, em 2023, a primeira planta brasileira dedicada integralmente à produção do combustível. Ela será instalada no parque de bioenergia Costa Pinto, em Piracicaba (SP).
Segundo o porta voz da companhia, Frederico Saliba, vice-presidente de energia e renováveis, o projeto reforça a posição da Raízen como uma das pioneiras no uso de resíduos de processos industriais para a produção de energia em escala comercial.
Em 2020, a companhia inaugurou a maior planta de biogás do mundo, na usina Bonfim, em Guariba (SP), fruto de uma joint venture com a Geo Energética. É a primeira do Brasil a extrair biogás de vinhaça e torta de filtro, dois resíduos das usinas sucroenergéticas.
Com capacidade instalada de 21 MW e habilitada a operar durante o ano todo, a unidade tem produção anual de 138 mil MWh, o que seria suficiente para abastecer Guariba e municípios próximos. Desse total, 96 MWh foram vendidos por meio de um contrato de leilão vencido pela Raízen em 2016 e que está em vigor desde janeiro de 2021. O excedente é negociado em outros contratos.
Até 2030, o grupo pretende aumentar em 80% a produção de energia limpa e renovável, segundo Saliba.
“Temos um projeto claro de redefinir o futuro da energia e liderar a transição energética no país, de forma gradual, segura e sustentável. Em nosso plano de expansão, projetamos a instalação de ao menos 39 módulos de biogás até a safra 2030/31, atendendo à crescente demanda por soluções que contribuam para a descarbonização das cadeias produtivas”.
No caso da planta de Piracicaba, a totalidade da produção de biometano, de 26 milhões de metros cúbicos por ano, já está toda comercializada com a Volkswagen, que deve ser a primeira montadora do Brasil a utilizar o combustível em suas fábricas, e com a Yara Brasil Fertilizantes, que vai destiná-lo à produção de hidrogênio e amônia verde em Cubatão (SP).
A Volkswagen vai receber 50 mil metros cúbicos por dia e a Yara, 20 mil metros. A empresa de fertilizantes pretende fazer uma substituição gradativa do gás natural usado em seus processos, o que permitirá reduzir as emissões de gás carbônico em até 90%.
Liberdade na comercialização
Paralelamente ao otimismo com o biogás, representantes do setor de bioenergia cobraram do Ministério de Minas e Energia, durante a Fenasucro, maior liberdade para comercialização da energia elétrica produzida a partir da biomassa, que é limitada pelo Governo Federal.
O gerente comercial da BP Bunge Bioenergia, José Pinheiro, defendeu, durante seminário que comemorou os 35 anos da bioeletricidade no Brasil, que não haja intervenção estatal nesse segmento.
Já o gerente comercial de energia elétrica da Tereos, Samuel Custódio, mencionou o plano da empresa de ter, até 2030, 100% da frota de veículos abastecida com biometano e que, nesse sentido, o mercado livre poderia possibilitar ao Brasil ser referência no planeta, inclusive exportando energia e combustível.
Mas, na visão dele, o setor sucroenergético precisa receber garantias para que possa investir nesses novos mercados.