A taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no terceiro trimestre deste ano deve ser metade daquela observada nos três meses anteriores, considerando as projeções colhidas pelo Valor e os dados divulgados pelo IBGE até o momento. A desaceleração da atividade no período já era esperada pelos economistas, por causa das turbulências externas e da política monetária local bastante restritiva. Ainda assim, a avaliação é que o desempenho do PIB de julho a setembro pode ter sido até melhor do que o antecipado, com o setor de serviços demonstrando resiliência maior e o mercado de trabalho ainda aquecido.
A mediana de 75 projeções de instituições financeiras e consultorias colhidas até a última sexta-feira aponta para alta de 0,6% do PIB no terceiro trimestre, ante o segundo, quando subiu 1,2%. O dado oficial do IBGE para o terceiro trimestre será divulgado na quinta-feira, 1º, bem como eventuais revisões para os trimestres anteriores, que o instituto tradicionalmente realiza nessa época do ano.
Na comparação interanual, pode haver até ligeira aceleração do PIB, de 3,2% no segundo trimestre para 3,6% no terceiro, de acordo com a mediana de 71 instituições.
Desde o último trimestre do ano passado, houve crescimento médio de 1% do PIB, nas comparações trimestrais na margem, refletindo um quadro favorável da economia global, com preços de commodities elevados, a reabertura da economia doméstica a partir da melhora dos indicadores da covid-19 e estímulos fiscais, como saques extraordinários do FGTS e adiantamento do 13º salário dos aposentados, lembra Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank.
No segundo semestre deste ano, diz, o cenário já começa a mudar: o mundo cresce menos, os Estados Unidos sobem juros, a Europa sofre com choques energéticos e risco de recessão e a China está em forte desaceleração, impactada por sua política de “covid zero”.
Os preços de commodities também começam a ceder, indica Salles, o que traz reflexos para o Brasil. No cenário doméstico, o efeito da reabertura da economia, que beneficiou os serviços no primeiro semestre, começa a se esgotar, segundo o economista, e espera-se um impacto mais claro da política monetária apertada. Salles projeta alta de 0,4% para o PIB no terceiro trimestre, ante o segundo.
“Esses ventos externos e domésticos sopram de forma desfavorável”, diz, o que deve trazer um esfriamento para o setor de serviços. Ainda assim, do lado da oferta, a atividade do terceiro trimestre deve ser sustentada pelos serviços (alta de 0,8% ante o segundo trimestre, pela mediana capturada pelo Valor) e pela agropecuária (2%), esta última beneficiada pelo bom desempenho da chamada safrinha de milho, observa Luis Otavio Leal, economista-chefe do Banco Alfa. As surpresas positivas em ambos os segmentos, inclusive, fizeram o Santander revisar sua projeção para o PIB do terceiro trimestre de 0,6% para 0,9%.
“Essa previsão atualizada destaca uma (nova) expectativa de PIB mais forte, marcando uma forte sequência de quatro ganhos consecutivos”, comenta o economista Lucas Maynard em relatório. Já a indústria deve ter tido desempenho mais fraco, mas ainda positivo (0,3%), puxado pela transformação e “utilities” (água, gás e energia), aponta o Itaú Unibanco, que ajustou a projeção para o PIB do terceiro trimestre de 0,4% para 0,5% por causa dos serviços.
“Devemos ver alguma desaceleração do PIB industrial, tanto na indústria de transformação quanto na extrativa. Mas a parte de serviços ainda está bastante forte e resiliente, principalmente serviços de transporte, que têm um peso grande”, afirma Danilo Passos, economista da Wealth High Governance (WHG).
Laura Moares, da Neo Investimentos, diz não ter nas suas contas uma alta tão grande de serviços, o que posiciona a casa em uma ponta mais cautelosa das projeções para o PIB no terceiro trimestre, com 0,2%. “De fato, os serviços vêm surpreendendo ao longo do ano, mas não estamos capturando tudo isso que estão colocando. Ainda assim, é um número bom e eu não ficaria surpresa se o resultado viesse acima”, afirma a economista.
Do lado da demanda, o crescimento é sustentado pelo consumo das famílias (0,6%), sob o efeito de medidas motivadas pela corrida eleitoral – como o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 e o alívio na inflação como resultado da redução de preços de combustíveis, por exemplo – e da evolução do mercado de trabalho, que vem surpreendendo na velocidade e intensidade de recuperação.
A Formação Bruta de Capital Fixo (medida para os investimentos no PIB) deve ter registrado alta de 1,3%, segundo a mediana coletada, “principalmente devido à maior absorção interna de bens de capital, notadamente máquinas e equipamentos, também relacionados ao setor da agricultura”, comenta Maynard, do Santander. “Também devemos ter alguma contribuição do consumo de governo, que vinha no zero a zero”, diz Leal, do Alfa. A mediana do Valor indica uma alta de 0,6%. Com tudo isso, o diagnóstico dos economistas é que a demanda doméstica – soma do consumo das famílias, do governo, dos investimentos e a variação de estoques – deve ser forte. A equipe do Safra diz que o crescimento do PIB no terceiro trimestre “se beneficiou do impulso fiscal dado no período recente, que deve se traduzir no crescimento de um ponto percentual da demanda interna, atendida pela queda dos estoques e importações robustas”.
A expectativa mediana para o setor externo no terceiro trimestre é de alta de 3% nas exportações e de 3,7% nas importações. Apesar de o Alfa estar em uma ponta mais otimista das projeções para o PIB do terceiro trimestre, com 0,9%, na margem, Leal diz que o cenário esperado para o período não deve diferir tanto entre as consultorias e instituições financeiras em termos dos fatores que sustentaram o crescimento.
“Talvez estejamos esperando um impacto maior da desaceleração da inflação e das medidas eleitorais.”
Para Passos, da WHG, que também espera alta de 0,9%, um terceiro trimestre mais fraco que o segundo – ainda que, pela sua projeção, a diferença não seja tão grande – “já é sinal de que a economia está perdendo um pouco de momento”, afirma. Para o quarto trimestre de 2022, a expectativa mediana a partir da projeção de 67 instituições é de uma economia estagnada. “Essa projeção de 0% tem risco de ser mais negativa, principalmente se o crédito vier mais baixo. Vemos uma dinâmica da inadimplência crescendo, novas concessões ajustadas pela inflação arrefecendo e entrando em uma trajetória que condiz com a política monetária”, diz Moraes, da Neo.
Para o Alfa, que espera recuo de 0,5%, ante os três meses anteriores, o período deve ser afetado por um mercado de trabalho mais desacelerado ao mesmo tempo em que o impacto dos juros, que ficou um pouco escamoteado no terceiro trimestre pelas medidas de estímulo do governo, deve ficar mais claro, diz Leal. Os investimentos também devem sentir com mais força a alta de juros, afirma Salles, do C6, que projeta queda de 0,3% para o PIB do quarto trimestre, na margem. Há, porém, algumas incógnitas. Entre elas, o efeito ainda a ser verificado da sucessão atípica de Copa do Mundo, Black Friday e Natal. “Não sabemos o impacto desse conjunto de datas, algo que nossos modelos não alcançam”, diz Leal. Passos diz não ver, com as informações disponíveis até o momento, um PIB negativo no quarto trimestre – ele projeta 0,3%. “Principalmente se o setor de serviços vier muito bem no terceiro trimestre, o que gera um carrego [herança estatística] positivo”, afirma.
Para o PIB deste ano, a projeção mediana de 83 casas é de alta de 2,8%, desacelerando para 0,7% em 2023.