Depois de uma década de ventos favoráveis para a sua economia, a América Latina já vem sentindo os efeitos da queda dos preços das commodities e deve atravessar nos próximos anos um período de incertezas, disseram analistas ao Valor.
O cenário virou, e sobretudo os países mais dependentes da exportação de matérias-primas já sofreram no ano passado uma desaceleração moderada de suas economias. O apetite voraz da China por commodities vem caindo na proporção da desaceleração de seu crescimento. Nos Estados Unidos, com a economia em recuperação, a política monetária expansionista do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vem diminuindo de ritmo e tende, aos poucos, a desaparecer. Enquanto isso, a Europa, outro mercado importante para a região, ainda sofre para retomar o patamar de crescimento de antes da crise global.
“Estamos vivendo o fim do superciclo [das commodities] que durou uma década”, afirma Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs. “Claramente já não há mais o ambiente de oba-oba de 2003.”
Esse quadro coloca um viés negativo para os principais produtos exportados pela região. Matérias-primas como minério de ferro, cobre e soja vêm sofrendo quedas desde 2013 e devem continuar em baixa, com reflexos na economia latino-americana. O café vinha na mesma toada, até que o clima no Brasil fez com que as cotações subissem mais de 50% neste ano.
“A desaceleração do crescimento em países como o Chile, a Colômbia e o Peru em 2013 foi consequência da queda dos preços das commodities e de fatores relacionados a isso”, afirma Ramos. “Com a expectativa de preços menores, encerrou-se um ciclo de grandes investimentos, sobretudo no setor de mineração”, afirma.
Para o economista César Ferrari, ex-presidente do Banco Central do Peru, a tendência é que países cujas economias dependem mais fortemente da exportação de commodities sofram mais daqui por diante. O tamanho do tombo, afirma, dependerá diretamente da força da queda dos preços das matérias-primas que eles exportam.
“A volatilidade dos preços internacionais é muito grande. Isso também faz com que o crescimento desses países seja muito volátil”, afirma. “O Peru, em 2009, cresceu 9,8%. Em 2008, cresceu 0,9%. Na Colômbia aconteceu mais ou menos o mesmo, porque os preços internacionais caíram.”
Segundo Ferrari, “isso põe em evidência a vulnerabilidade e a fragilidade” das economias latino-americanas, que, “em uma divisão global de trabalho, ficaram com a produção de matérias-primas”.
“Talvez o menos comprometido nesse aspecto, ainda que também prejudicado, seja o Brasil, que contra a oposição de gregos e troianos tratou de manter uma política industrial mais ou menos ativa para dar apoio ao seu setor manufatureiro”, afirma. “Mas todos esses países, México, Chile, Peru, Colômbia, praticamente estão em um processo de desmantelamento de sua indústria.”
Alguns analistas, porém, vislumbram um cenário mais tranquilo. Para Ramos, do Goldman Sachs, as economias andinas, como Colômbia, Chile e Peru, que vinham crescendo de 5% a 6% ao ano nos últimos anos, passarão agora a crescer a um ritmo de 4% a 5%.
“Esse ambiente externo crítico apresenta oportunidades e riscos. Com a aceleração do crescimento nos EUA, e a Europa saindo da recessão, isso tende a beneficiar a exportação”, afirma, colocando essa tendência como um contrapeso ao menor crescimento chinês.
Para Ramos, além disso, “setores que têm necessidade de financiamento externo, em um ambiente deteriorado, vão sofrer” com a redução dos estímulos do Fed.
Exportadores de petróleo da região, como México, Equador, Colômbia e, principalmente, Venezuela, também têm razões para se preocupar. Num passado recente, as sanções contra o Irã e a maior demanda do Japão – que desligou suas centrais nucleares após o tsunami de 2011 – evitaram a queda dos preços dessa commodity, apesar do esfriamento da economia global. No futuro próximo a tendência é que esses fatores diminuam, com um provável acordo em torno do programa nuclear iraniano e a possível reabertura dessas centrais no país asiático. Além disso, o boom do petróleo de xisto nos EUA também afetará os preços internacionais. “O que vai acontecer é uma situação de maior oferta e menor demanda petroleira. E isso gerará uma queda nos preços que não vimos durante 2012 e 2013”, afirma Ferrari.
Nicholas Watson, analista-chefe para América Latina da Teneo Intelligence, tem uma visão mais otimista quanto à região. Segundo ele, apesar das quedas recentes, as commodities em geral permanecem com preços superiores à média histórica. Além disso, a demanda chinesa continua “relativamente forte”. Para ele, a queda dos preços das commodities nos curto prazo afetará mais fortemente as economias que não adotaram medidas contracíclicas para quando chegasse um período de “vacas magras”.
“Esse período chegou, e agora estamos vendo um fluxo de capitais indo embora dos mercados emergentes”, afirma. “Então, por exemplo, apesar da queda dos preços do cobre, o Chile pelo menos foi prudente durante os anos de boom. A Argentina e a Venezuela não foram”, diz, em referência ao baixo nível das reservas internacionais desses dois países.
Para Watson, a Argentina está hoje vulnerável aos preços da soja porque esse produto se tornou “crítico para a saúde de seu setor agrícola”. “Agora, o governo precisa de safras cada vez maiores para manter as receitas em alta”, afirma. “Isso também indica o perigo de depender de apenas uma commodity, que é um problema que a Venezuela enfrenta também”, diz.
O petróleo é responsável por cerca de 96% das exportações venezuelanas. “Se o preço do petróleo cair significativamente, isso jogará a Venezuela em uma grave crise econômica e política.”